Em dia com o
Machado 171
(jlo)
Estava-se
no Tribunal, quando execrável juiz lavrou
sua iníqua sentença de condenação a
alguns políticos, grandes baluartes da
democracia brasileira atual, por pequenos
deslizes praticados por esses insignes representantes do nosso povo. Começava
ali a descoberta de que, todo ano, 50 bilhões de reais são desviados dos cofres
públicos brasileiros, o que daria para resolver a educação de nossas crianças e
jovens com melhores escolas, melhor formação e salário de seus professores,
cuja classe, em países sérios, é tratada com dignidade e respeito.
Um
dos jurados presentes louvou o perverso
magistrado com as seguintes palavras:
—
“Bema-venturados” são os sábios como Vossa Excelência...
Ao
que o árbitro das trevas respondeu
com humildade:
—
Depois dessa, sei que nada sei...
E
nós refletimos, amigo leitor:
— Se assim é, “bema-mados” pelo fisco são os
nossos contribuintes.
Sim,
amiga leitora, não se pronuncia a palavra composta bem-aventurados senão como “bem” e “aventurados”, distintamente;
assim também “bem” e “amados” é a pronúncia de bem-amados.
“Bem
mamado” é o bebê que mamou bem no peito da mamãe. “Bema-venturado” não sei o
que é.
Ignoro
de onde algumas pessoas cultas, sem o mínimo de reflexão, embarcaram nessa
pronúncia, mas isso virou uma praga, de uns tempos para cá, como outras
elocuções populares, tais como “há anos atrás”, “elo de ligação”, encarar de
frente”, “adentrar para dentro”, “sair para fora”, etc. Isso é chamado, nas
figuras de linguagem, de pleonasmo, que pode ser vicioso ou não...
Certos
pleonasmos servem para enfatizar a elocução. Um exemplo é a expressão de Jesus:
— Lázaro, sai para fora. Sair só pode ser para fora, mas o Cristo quis
enfatizar a saída do amigo. Creio mesmo que ele teria dito, como rezam as
melhores traduções: “— Lázaro, vem para fora” (João, 11:43)...
Outro
exemplo é a famosa frase inscrita no Oráculo de Delfos, na Grécia, e repetida
por Sócrates: — Homem, conhece-te a ti mesmo. Pura ênfase. Mas, em geral, os
pleonasmos são ditos por crassa ignorância e falta de reflexão de quem os
pronuncia, pois se refletissem um pouco perceberiam que não há necessidade
alguma da ênfase viciosa de suas expressões.
E
também não será quando você “lê” estas informações, amiga leitora, que ficará
mais sábia, e, sim, quando você “ler” e praticar, sem se sentir ofendida, cada
uma destas dicas, sem perder a simplicidade, a clareza e a objetividade na
comunicação falada e escrita.
Por
fim, peço-lhe um favor, amigo leitor: quando vir alguém maltratando a
língua, não o critique publicamente. Chame-o num canto à parte e alerte-o
sobre a “pedalada” linguística. Anote, confira o suposto erro em boa gramática,
no Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa, o menosprezado VOLP, e
em bom dicionário, com muita atenção, para não ser cúmplice desse elemento, como dizem os policiais, e
acabar assassinando a língua pátria.
Se
você gostaria de estar em algum lugar, não diga que queria “está” ali, pois o
que você deseja é “estar”. O verbo aqui fica no infinitivo.
Quando
eu digo: “Vi com meus próprios olhos...” estou enfatizando o ato de “ver”, pela
expressão “com meus próprios olhos”, embora com os olhos do leitor é que eu não
poderia ver, a não ser que fosse cego e tu me transmitisses, por osmose, tua
visão.
Outros
pleonasmos: a) encarei o problema de frente; b) foi estabelecido um elo de
ligação; c) subi para cima; e) desci para baixo... É impossível encarar sem que
o seja de frente; todo elo é de ligação; subir só pode ser para cima e descer
somente é possível se for para baixo.
Ouvi
de um crítico a recriminação a outro, que caluniava a crença alheia: — Vamos
parar com essas alegorias... Em
verdade, o que ele queria dizer era: — Vamos parar com essas aleivosias. Alegorias são figuras de linguagem, simbolismo de uma narração. Já
aleivosias são falsas acusações, calúnias. Era este o seu pensamento: — Vamos
parar com essas aleivosias, ou seja,
com essas acusações falsas.
— Não te irrites
se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar. (Machado de
Assis)
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