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sexta-feira, 12 de junho de 2020

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  RELIGIÃO, JESUS E ESPIRITISMO
Jorge Leite de Oliveira

            Segundo o Espírito Emmanuel, a base da fé está nos primórdios da vida na Terra. Pode-se dizer, esclarece-nos ele, que “[...] o primeiro impulso da planta e do verme, à procura da luz, não é senão anseio religioso da vida, em busca do Criador que lhes instila o ser” (XAVIER, 2008a, p. 55). Para Emmanuel, a mais perfeita expressão do Cristo está no primeiro capítulo do Evangelho de João: “No princípio era o Verbo”, por representar, Jesus, o amor e a sabedoria que presidiu a formação da Terra e inspirou divinamente todos os Espíritos elevados que com Ele colaboraram na gênese planetária e “na disseminação da vida em todos os laboratórios da Natureza, desde que o homem conquistou a racionalidade” (XAVIER, 2013a, p. 25).
A razão desenvolveu-se gradativamente no ser humano, assim como a ideia de Deus e a ligação com Este daquele ser que pouco se diferenciava dos antropoides. Assim,

[...] suas manifestações de religiosidade eram as mais bizarras, até que, transcorridos os anos, no labirinto dos séculos, vieram entre as populações do orbe os primeiros organizadores do pensamento religioso que, de acordo com a mentalidade geral, não conseguiram escapar das concepções de ferocidade que caracterizavam aqueles seres egressos do egoísmo animalesco da irracionalidade (XAVIER, 2013a, p. 26).

Os seres humanos primitivos, na Terra, eram orientados por Espíritos superiores, aos quais consideravam deuses, a quem cultuavam com oferendas e para quem construíam altares e templos. Como “não compreendiam Deus como a fonte da bondade” (KARDEC , 2017a, q. 669), e por imaginarem que havia várias divindades, julgavam agradá-las com o sacrifício de animais e mesmo de seres humanos, pois ainda não tinham desenvolvido o senso moral.
Comentando as mais antigas organizações da religião, na Terra, Emmanuel cita a China, a “Índia védica e bramânica”, a qual deu origem ao Budismo, e ainda o culto aos mortos, criado pelos egípcios, a mitologia grega e o surgimento dos “grandes mestres”, com sua doutrina exotérica destinada ao povo, em geral, e os ensinamentos esotéricos, reservados apenas aos iniciados (In XAVIER, 2013b, cap. 2, p. 26- 27).
Com Moisés, surgiu a ideia do Deus único. Ao politeísmo, sucedeu-se, portanto, o monoteísmo, que trouxe para o mundo o conhecimento definitivo de um só Deus, Criador Supremo de todas as coisas e, segundo Jesus, nosso Pai, que, como nos ensinaria, mais tarde, o Espiritismo, entre outras coisas, é “[...] eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom” (KARDEC, 2017, q. 13). Porém, a ideia da sobrevivência da alma, após o decesso do corpo, era incerta para as massas. Sobre essa questão e a crença nas penas e recompensas, após a morte física, Allan Kardec esclarece-nos o seguinte:

Todas as religiões admitiram igualmente o princípio da felicidade ou da infelicidade da alma após a morte, ou, por outra, as penas e gozos futuros, que se resumem na doutrina do céu e do inferno encontrada em toda parte. Porém, no que elas diferem essencialmente, é quanto à natureza dessas penas e gozos, principalmente sobre as condições determinantes de umas e de outras. Daí os pontos de fé contraditórios dando origem a cultos diferentes, e os deveres particulares impostos por estes para honrar a Deus e, por esse meio, ganhar o céu e evitar o inferno (KARDEC, 2009, prim. parte, cap. 1, it. 9).


            As religiões, de início, tiveram suas bases criadas por seres humanos. Estes, embora se destacassem dos demais por sua inteligência e moral elevada, ainda eram muito influenciados pelas paixões grosseiras. Desse modo, suas teorias filosóficas e morais, mesmo sendo fundamentadas em revelações mediúnicas, não possuíam perfeita correspondência na prática. É o que ocorreu com a revelação de Moisés da ideia do Deus único e sua Lei de Amor expressa nos Dez Mandamentos, em oposição a diversas leis civis ou disciplinares daquele profeta, cuja finalidade era conter os atos brutais do povo de sua época.
            Seres predominantemente materiais, os homens, em geral, ainda possuíam, como ainda possuem, limitações na compreensão real da necessidade de sobrepor as coisas espirituais à influência da matéria. Desse modo, a maior parte dos deveres religiosos, mesmo na atualidade, baseia-se no cumprimento de fórmulas exteriores e numa fé sem questionamentos.
Em sua sabedoria, Deus já designara Jesus Cristo para presidir a formação e governar a Terra. Esse é o Espírito Perfeito, Messias Divino, cuja presença entre nós fora anunciada por diversos profetas. O primeiro a anunciá-lo foi Jeová a Moisés, como está em Deuteronômio, 18: 18: “Vou suscitar para eles [os hebreus] um profeta como tu, do meio dos seus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar”.
Temos também as predições de Isaías (7:14), continuando em Jeremias (23:5), Oseias (11:1), Miqueias (5:1), Malaquias (3:1) e, por fim, João Batista (3: 1- 3). O último profeta do Antigo Testamento, Malaquias, 3:1, cita as seguintes palavras de Jeová sobre Jesus: “Eis que enviarei o meu mensageiro para que prepare um caminho diante de mim. Então, de repente, entrará em seu Templo o Senhor que vós procurais; o Anjo da Aliança, que vós desejais, eis que Ele vem [...]”.
Malaquias também se refere a João Batista, reencarnação de Elias, em 3:23- 24: “Eis que vos enviarei Elias, o profeta, antes que chegue o Dia do Senhor [...]. Ele fará voltar o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais [...]”.
            Esclarece-nos o Espírito Emmanuel pela psicografia de Chico Xavier:

A manjedoura assinalava o ponto inicial da lição salvadora do Cristo, como a dizer que a humildade representa a chave de todas as virtudes.
Começava a era definitiva da maioridade espiritual da humanidade terrestre, uma vez que Jesus, com a sua exemplificação divina, entregaria o código da fraternidade e do amor a todos os corações (XAVIER, 2013, cap. 12, p. 97).

Também o profeta, poeta e rei Davi, de quem se dizia que descenderia Jesus, anuncia a vinda do Cristo, chamado “unigênito” por não ter pecados, como nós, em dois dos seus salmos. O primeiro é o Salmo 2:7: “Publicarei o decreto de Deus, que me disse: Tu és meu Filho, Eu hoje te gerei”. O segundo é o Salmo 110:1: “Disse Deus ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo dos teus pés”. E Jesus, ensinando no templo, repete a frase de Davi, discordando dos que o consideravam descendente deste: “Como podem os escribas dizer que o Messias é filho de Davi? [...] O próprio Davi o chama Senhor, como pode, então, este ser filho daquele?” (Lucas, 12: 35- 37).
A linhagem crística não se deu na Terra. Ele faz parte da “comunidade de espíritos puros e eleitos pelo Senhor Supremo do Universo”, como está no primeiro capítulo de A Caminho da Luz, obra psicografada por Chico Xavier. O Senhor foi “[...] o Verbo da criação do princípio, como é e será a coroa gloriosa dos seres terrestres na imortalidade sem fim”.
 Emmanuel aduz que: “Sob a orientação misericordiosa e sábia do Cristo, laboravam na Terra numerosas assembleias de operários espirituais”. Ninguém, a não ser Deus, realiza nada de grandioso sem o auxílio do próximo. Por isso, o Messias, em sua humildade exemplar, chama-nos de irmãos e escolheu doze apóstolos para o auxiliarem em sua missão na Terra.
Jesus é, portanto, o Filho de Deus, “o verbo de luz e de amor do princípio, cuja genealogia se confunde na poeira dos sóis que rolam no infinito” (op. cit., cap. 3). Tendo sido designado por Deus para a formação e governo da Terra, e, como afirmou, existindo muito antes de Davi, não poderia, pois, ser descendente deste.
A base das religiões assenta-se no trabalho do Cristo, de acordo, ainda, com Emmanuel:

Em todos os grandes períodos da evolução religiosa, antes do Cristo, vemos as demonstrações incompletas da espiritualidade. Não há padrões absolutos de perfeição moral, indicando aos homens o caminho regenerador e santificante. Aparecem linhas divisórias entre raças e castas, com vários tipos de louvor e humilhação para ricos e pobres, senhores e escravos, vencedores e vencidos.
Com Jesus, no entanto, surge no mundo o vitorioso coroamento da fé. No Cristianismo, recebemos as gloriosas sementes de fraternidade que dominarão os séculos. O Divino Fundador da Boa-Nova entra em contato com a multidão e o santuário do Amor Universal se abre, iluminado e sublime, para a santificação da Humanidade Inteira (XAVIER, 2008a, cap. 12, p. 58).
                Em sua presciência, o Messias Divino sabia que a Humanidade precisaria de uma terceira e definitiva revelação, já não mais de uma individualidade encarnada, mas dos próprios Espíritos, seus emissários. Tais entidades incluíam até mesmo seus apóstolos, aos quais se uniriam grandes missionários então desencarnados, como os conhecidos como São Luís, Santo Agostinho, Sócrates, Platão, Paulo, João Evangelista etc. Sob a direção espiritual suprema de Jesus, representado pelo Espírito de Verdade, recebemos desses Espíritos as mais consistentes provas de nossa imortalidade, tendo por meta a perfeição.
            O Espiritismo, Consolador prometido por Jesus Cristo, confirma seu anúncio de que voltaria para ficar eternamente conosco, como lemos em João, 14:16- 18, quando somos informados de que Deus nos enviaria o Consolador definitivo. As palavras de Jesus são-nos retransmitidas, mediunicamente, em quatro belas e profundas mensagens do Espírito de Verdade, no capítulo sexto de O evangelho segundo o espiritismo.
            Na primeira, somos informados de que o Espiritismo, como outrora suas palavras, vem lembrar-nos sobre a grandeza e a bondade de Deus. Este não quer o aniquilamento da raça humana e, sim, a comunicação dos Espíritos conosco, para que a certeza da sobrevivência da alma, após a morte do corpo físico, nos auxilie a desenvolver a virtude e, pelo amor e instrução, possamos exercitar a compaixão e o auxílio ao próximo.
            A segunda mensagem se destina a “consolar os pobres deserdados”, pedir-lhes resignação e esperança ante suas provas. O Cristo afirma que são seus “bem-amados” todos aqueles que “carregam seus fardos e assistem os seus irmãos”. Por fim, informa que a perfeição é fruto do esforço pessoal de quem bebe “na fonte viva do amor”.
            Na terceira mensagem, o Espírito de Verdade diz que Jesus é “o grande médico das almas” e seu medicamento é o “supremo apelo” divino aos nossos corações por meio do Espiritismo. Faz-nos, então, esta sublime exortação:
Que a impiedade, a mentira, o erro e a incredulidade sejam extirpados de vossas almas doloridas. São monstros que sugam o vosso mais puro sangue e que vos abrem chagas quase sempre mortais. Que, no futuro, humildes e submissos ao Criador, pratiqueis a sua Lei Divina. Amai e orai; sede dóceis aos Espíritos do Senhor; invocai-o do fundo de vossos corações. Ele, então, vos enviará o seu Filho bem-amado, para vos instruir e dizer estas boas palavras: “Eis-me aqui; venho até vós, porque me chamastes” (KARDEC, 2017, p. 103).

            Por fim, Jesus, pelo Espírito de Verdade, apela-nos para o devotamento e a abnegação, que resumem a “sabedoria humana”. E conclui com estas palavras extraordinárias, às quais devemos dedicar toda a atenção e esforçar-nos para fazer delas um hino de amor e prática permanentes, a fim de nos libertarmos do mal e nos tornarmos verdadeiramente cristãos:
Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao espírito e resignação. O coração bate melhor, a alma se asserena e o corpo já não sente desfalecimentos, porque o corpo sofre tanto mais, quanto mais profundamente o espírito é golpeado (id.).

O Espiritismo, como tem sido dito, não é e não pretende ser a religião do futuro, e, sim, o futuro das religiões. É o que se deduz de diversas afirmações de Kardec, em especial desta:
Instintivamente, o homem acredita no futuro; mas, não possuindo até agora uma base certa para o definir, a sua imaginação há concebido sistemas que originaram a diversidade de crenças. A Doutrina Espírita sobre o futuro, não sendo uma obra de imaginação mais ou menos arquitetada engenhosamente, porém o resultado da observação de fatos materiais que se desdobram hoje à nossa vista, congregará, como já está acontecendo, as opiniões divergentes ou vacilantes e trará gradualmente, pela força das coisas, a unidade de crenças sobre esse ponto, crença que já não se baseará em simples hipótese, mas na certeza. A unificação feita relativamente à sorte futura das almas será o primeiro ponto de contato entre os diversos cultos, um passo imenso para a tolerância religiosa em primeiro lugar e, mais tarde, para a completa fusão (KARDEC, 2009, prim. parte, cap. 1, it. 14).

Para concluir, comentamos a seguinte exortação de Emmanuel: “[...] estudemos Allan Kardec, ao clarão da mensagem de Jesus Cristo, e, seja no exemplo ou na atitude, na ação ou na palavra, recordemos que o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade — a caridade da sua própria divulgação” (XAVIER, 2008b, p. 235).   E nada promove melhor o Espiritismo do que nosso devotamento e abnegação, propostos pelo Espírito de Verdade, na realização do nosso trabalho de fé autêntica, como novos discípulos do Cristo, instaurando a Era ecumênica de paz, amor ao próximo e justiça social no mundo.
REFERÊNCIAS
XAVIER, F. C. Roteiro. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008a.

––––––. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. Brasília: FEB, 2013a.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília: FEB, 2017a.

_____. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009.

XAVIER, F. C. A Caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. Brasília: FEB, 2013b.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 2. ed., 4. imp. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2017b.

XAVIER, F. C. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008b.

(Publicado em Reformador/FEB, ago. 2018. Capa.)

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