RELIGIÃO, JESUS E ESPIRITISMO
Jorge Leite de Oliveira
Segundo o Espírito Emmanuel, a base da fé está nos primórdios da vida na
Terra. Pode-se dizer, esclarece-nos ele, que “[...] o primeiro impulso da
planta e do verme, à procura da luz, não é senão anseio religioso da vida, em
busca do Criador que lhes instila o ser” (XAVIER, 2008a, p. 55). Para Emmanuel, a
mais perfeita expressão do Cristo está no primeiro capítulo do Evangelho de João: “No princípio era o
Verbo”, por representar, Jesus, o amor e a sabedoria que presidiu a formação da
Terra e inspirou divinamente todos os Espíritos elevados que com Ele
colaboraram na gênese planetária e “na disseminação da vida em todos os
laboratórios da Natureza, desde que o homem conquistou a racionalidade” (XAVIER,
2013a, p. 25).
A razão desenvolveu-se gradativamente no ser humano, assim como a ideia
de Deus e a ligação com Este daquele ser que pouco se diferenciava dos
antropoides. Assim,
[...] suas
manifestações de religiosidade eram as mais bizarras, até que, transcorridos os
anos, no labirinto dos séculos, vieram entre as populações do orbe os primeiros
organizadores do pensamento religioso que, de acordo com a mentalidade geral,
não conseguiram escapar das concepções de ferocidade que caracterizavam aqueles
seres egressos do egoísmo animalesco da irracionalidade (XAVIER, 2013a, p. 26).
Os seres humanos primitivos, na Terra, eram orientados por Espíritos superiores,
aos quais consideravam deuses, a quem cultuavam com oferendas e para quem
construíam altares e templos. Como “não compreendiam Deus como a fonte da
bondade” (KARDEC , 2017a, q. 669), e por imaginarem que havia várias divindades, julgavam
agradá-las com o sacrifício de animais e mesmo de seres humanos, pois ainda não
tinham desenvolvido o senso moral.
Comentando as mais antigas organizações da religião, na Terra, Emmanuel
cita a China, a “Índia védica e bramânica”, a qual deu origem ao Budismo, e ainda
o culto aos mortos, criado pelos egípcios, a mitologia grega e o surgimento dos
“grandes mestres”, com sua doutrina exotérica
destinada ao povo, em geral, e os ensinamentos esotéricos, reservados apenas aos iniciados (In XAVIER, 2013b,
cap. 2, p. 26- 27).
Com Moisés, surgiu a ideia do Deus único. Ao politeísmo, sucedeu-se,
portanto, o monoteísmo, que trouxe para o mundo o conhecimento definitivo de um
só Deus, Criador Supremo de todas as coisas e, segundo Jesus, nosso Pai, que,
como nos ensinaria, mais tarde, o Espiritismo, entre outras coisas, é “[...] eterno,
infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom” (KARDEC,
2017, q. 13). Porém, a ideia da sobrevivência da alma, após o decesso do corpo,
era incerta para as massas. Sobre essa questão e a crença nas penas e
recompensas, após a morte física, Allan Kardec esclarece-nos o seguinte:
Todas as religiões
admitiram igualmente o princípio da felicidade ou da infelicidade da alma após
a morte, ou, por outra, as penas e gozos futuros, que se resumem na doutrina do
céu e do inferno encontrada em toda parte. Porém, no que elas diferem
essencialmente, é quanto à natureza dessas penas e gozos, principalmente sobre
as condições determinantes de umas e de outras. Daí os pontos de fé contraditórios
dando origem a cultos diferentes, e os deveres particulares impostos por estes
para honrar a Deus e, por esse meio, ganhar o céu e evitar o inferno (KARDEC, 2009,
prim. parte, cap. 1, it. 9).
As religiões, de início, tiveram suas bases criadas por seres humanos.
Estes, embora se destacassem dos demais por sua inteligência e moral elevada,
ainda eram muito influenciados pelas paixões grosseiras. Desse modo, suas
teorias filosóficas e morais, mesmo sendo fundamentadas em revelações
mediúnicas, não possuíam perfeita correspondência na prática. É o que ocorreu
com a revelação de Moisés da ideia do Deus único e sua Lei de Amor expressa nos
Dez Mandamentos, em oposição a
diversas leis civis ou disciplinares daquele profeta, cuja finalidade era
conter os atos brutais do povo de sua época.
Seres predominantemente materiais,
os homens, em geral, ainda possuíam, como ainda possuem, limitações na compreensão
real da necessidade de sobrepor as coisas espirituais à influência da matéria.
Desse modo, a maior parte dos deveres religiosos, mesmo na atualidade, baseia-se
no cumprimento de fórmulas exteriores e numa fé sem questionamentos.
Em sua sabedoria, Deus já designara Jesus Cristo para presidir a
formação e governar a Terra. Esse é o Espírito Perfeito, Messias Divino, cuja
presença entre nós fora anunciada por diversos profetas. O primeiro a anunciá-lo foi Jeová a Moisés, como está em Deuteronômio, 18: 18:
“Vou suscitar para eles [os hebreus] um profeta como tu, do meio dos seus
irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o
que eu lhe ordenar”.
Temos também as predições de Isaías
(7:14), continuando em Jeremias (23:5), Oseias (11:1), Miqueias (5:1), Malaquias (3:1) e, por fim, João Batista
(3: 1- 3). O último profeta do Antigo Testamento, Malaquias, 3:1, cita as seguintes palavras de
Jeová sobre Jesus: “Eis que enviarei o meu mensageiro para que prepare um
caminho diante de mim. Então, de repente, entrará em seu Templo o Senhor que
vós procurais; o Anjo da Aliança, que vós desejais, eis que Ele vem [...]”.
Malaquias também se
refere a João Batista, reencarnação de Elias, em 3:23- 24: “Eis que vos
enviarei Elias, o profeta, antes que chegue o Dia do Senhor [...]. Ele fará
voltar o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais
[...]”.
Esclarece-nos
o Espírito Emmanuel pela psicografia de Chico Xavier:
A manjedoura assinalava o ponto
inicial da lição salvadora do Cristo, como a dizer que a humildade representa a
chave de todas as virtudes.
Começava a era definitiva da
maioridade espiritual da humanidade terrestre, uma vez que Jesus, com a sua
exemplificação divina, entregaria o código da fraternidade e do amor a todos os
corações (XAVIER, 2013, cap. 12, p. 97).
Também o profeta, poeta e
rei Davi, de quem se dizia que descenderia Jesus, anuncia a vinda do Cristo, chamado
“unigênito” por não ter pecados, como nós, em dois dos seus salmos. O primeiro
é o Salmo 2:7: “Publicarei o decreto
de Deus, que me disse: Tu és meu Filho, Eu hoje te gerei”. O segundo é o Salmo 110:1: “Disse Deus ao meu Senhor:
Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo dos
teus pés”. E Jesus, ensinando no templo, repete a frase de Davi, discordando
dos que o consideravam descendente deste: “Como podem os escribas dizer que o
Messias é filho de Davi? [...] O próprio Davi o chama Senhor, como pode, então,
este ser filho daquele?” (Lucas, 12: 35- 37).
A linhagem crística não
se deu na Terra. Ele faz parte da “comunidade de espíritos puros e eleitos pelo
Senhor Supremo do Universo”, como está no primeiro capítulo de A Caminho da Luz, obra psicografada por
Chico Xavier. O Senhor foi “[...] o Verbo da criação do princípio, como é e
será a coroa gloriosa dos seres terrestres na imortalidade sem fim”.
Emmanuel aduz que: “Sob a orientação
misericordiosa e sábia do Cristo, laboravam na Terra numerosas assembleias de
operários espirituais”. Ninguém, a não ser Deus, realiza nada de grandioso sem
o auxílio do próximo. Por isso, o Messias, em sua humildade exemplar, chama-nos
de irmãos e escolheu doze apóstolos para o auxiliarem em sua missão na Terra.
Jesus é, portanto, o
Filho de Deus, “o verbo de luz e de amor do princípio, cuja genealogia se
confunde na poeira dos sóis que rolam no infinito” (op. cit., cap. 3). Tendo
sido designado por Deus para a formação e governo da Terra, e, como afirmou,
existindo muito antes de Davi, não poderia, pois, ser descendente deste.
A base das religiões assenta-se no trabalho do
Cristo, de acordo, ainda, com Emmanuel:
Em todos os grandes
períodos da evolução religiosa, antes do Cristo, vemos as demonstrações
incompletas da espiritualidade. Não há padrões absolutos de perfeição moral,
indicando aos homens o caminho regenerador e santificante. Aparecem linhas
divisórias entre raças e castas, com vários tipos de louvor e humilhação para
ricos e pobres, senhores e escravos, vencedores e vencidos.
Com Jesus, no
entanto, surge no mundo o vitorioso coroamento da fé. No Cristianismo,
recebemos as gloriosas sementes de fraternidade que dominarão os séculos. O
Divino Fundador da Boa-Nova entra em contato com a multidão e o santuário do
Amor Universal se abre, iluminado e sublime, para a santificação da Humanidade
Inteira (XAVIER, 2008a, cap. 12, p. 58).
Em
sua presciência, o Messias Divino sabia que a Humanidade precisaria de uma
terceira e definitiva revelação, já não mais de uma individualidade encarnada,
mas dos próprios Espíritos, seus emissários. Tais entidades incluíam até mesmo
seus apóstolos, aos quais se uniriam grandes missionários então desencarnados,
como os conhecidos como São Luís, Santo Agostinho, Sócrates, Platão, Paulo,
João Evangelista etc. Sob a direção espiritual suprema de Jesus, representado
pelo Espírito de Verdade, recebemos desses Espíritos as mais consistentes
provas de nossa imortalidade, tendo por meta a perfeição.
O
Espiritismo, Consolador prometido por Jesus Cristo, confirma seu anúncio de que
voltaria para ficar eternamente conosco, como lemos em João, 14:16- 18, quando
somos informados de que Deus nos enviaria o Consolador definitivo. As palavras
de Jesus são-nos retransmitidas, mediunicamente, em quatro belas e profundas
mensagens do Espírito de Verdade, no capítulo sexto de O evangelho segundo o espiritismo.
Na
primeira, somos informados de que o Espiritismo, como outrora suas palavras,
vem lembrar-nos sobre a grandeza e a bondade de Deus. Este não quer o
aniquilamento da raça humana e, sim, a comunicação dos Espíritos conosco, para
que a certeza da sobrevivência da alma, após a morte do corpo físico, nos
auxilie a desenvolver a virtude e, pelo amor e instrução, possamos exercitar a
compaixão e o auxílio ao próximo.
A
segunda mensagem se destina a “consolar os pobres deserdados”, pedir-lhes
resignação e esperança ante suas provas. O Cristo afirma que são seus
“bem-amados” todos aqueles que “carregam seus fardos e assistem os seus irmãos”.
Por fim, informa que a perfeição é fruto do esforço pessoal de quem bebe “na
fonte viva do amor”.
Na terceira mensagem, o Espírito de
Verdade diz que Jesus é “o grande médico das almas” e seu medicamento é o
“supremo apelo” divino aos nossos corações por meio do Espiritismo. Faz-nos,
então, esta sublime exortação:
Que a impiedade, a
mentira, o erro e a incredulidade sejam extirpados de vossas almas doloridas.
São monstros que sugam o vosso mais puro sangue e que vos abrem chagas quase
sempre mortais. Que, no futuro, humildes e submissos ao Criador, pratiqueis a
sua Lei Divina. Amai e orai; sede dóceis aos Espíritos do Senhor; invocai-o do
fundo de vossos corações. Ele, então, vos enviará o seu Filho bem-amado, para
vos instruir e dizer estas boas palavras: “Eis-me aqui; venho até vós, porque
me chamastes” (KARDEC, 2017, p. 103).
Por
fim, Jesus, pelo Espírito de Verdade, apela-nos para o devotamento e a abnegação,
que resumem a “sabedoria humana”. E conclui com estas palavras extraordinárias,
às quais devemos dedicar toda a atenção e esforçar-nos para fazer delas um hino
de amor e prática permanentes, a fim de nos libertarmos do mal e nos tornarmos
verdadeiramente cristãos:
Tomai, pois, por
divisa estas duas palavras: devotamento e
abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a
caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido vos dará
repouso ao espírito e resignação. O coração bate melhor, a alma se asserena e o
corpo já não sente desfalecimentos, porque o corpo sofre tanto mais, quanto
mais profundamente o espírito é golpeado (id.).
O
Espiritismo, como tem sido dito, não é e não
pretende ser a religião do futuro, e, sim, o futuro das religiões. É o que se deduz de diversas afirmações de
Kardec, em especial desta:
Instintivamente, o
homem acredita no futuro; mas, não possuindo até agora uma base certa para o
definir, a sua imaginação há concebido sistemas que originaram a diversidade de
crenças. A Doutrina Espírita sobre o futuro, não sendo uma obra de imaginação
mais ou menos arquitetada engenhosamente, porém o resultado da observação de
fatos materiais que se desdobram hoje à nossa vista, congregará, como já está
acontecendo, as opiniões divergentes ou vacilantes e trará gradualmente, pela
força das coisas, a unidade de crenças sobre esse ponto, crença que já não se
baseará em simples hipótese, mas na certeza. A unificação feita relativamente à
sorte futura das almas será o primeiro ponto de contato entre os diversos
cultos, um passo imenso para a tolerância religiosa em primeiro lugar e, mais
tarde, para a completa fusão (KARDEC, 2009, prim. parte, cap. 1, it. 14).
Para
concluir, comentamos a seguinte exortação de Emmanuel: “[...] estudemos Allan Kardec, ao clarão da mensagem
de Jesus Cristo, e, seja no exemplo ou na atitude, na ação ou na palavra,
recordemos que o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade — a
caridade da sua própria divulgação” (XAVIER, 2008b, p. 235). E nada promove melhor o Espiritismo do que
nosso devotamento e abnegação, propostos pelo Espírito de Verdade,
na realização do nosso trabalho de fé autêntica, como novos discípulos do
Cristo, instaurando a Era ecumênica de paz, amor ao próximo e justiça social no
mundo.
REFERÊNCIAS
XAVIER, F. C. Roteiro. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008a.
––––––.
Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28.
ed. Brasília: FEB, 2013a.
KARDEC,
Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília: FEB, 2017a.
_____.
O céu e o inferno. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009.
XAVIER,
F. C. A Caminho da luz. Pelo Espírito
Emmanuel. 38. ed. Brasília: FEB, 2013b.
KARDEC,
Allan. O evangelho segundo o espiritismo.
2. ed., 4. imp. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2017b.
XAVIER,
F. C. Estude e viva. Pelos Espíritos
Emmanuel e André Luiz. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008b.
(Publicado em Reformador/FEB, ago. 2018. Capa.)
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