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quinta-feira, 13 de agosto de 2020


A Arte Humana e a Arte Divina
Jorge Leite de Oliveira

A arte bem compreendida é um poderoso meio de elevação e de renovação. É a fonte dos mais puros prazeres da alma; ela embeleza a vida, sustenta e consola na provação e traça para o espírito, antecipadamente, as rotas para o Céu (DENIS, 2008, p. 56).


 
     











          

          Na questão 521 d'O livro dos espíritos, Allan Kardec deseja saber se existem Espíritos protetores dos que se dedicam às artes. Em resposta, é informado de que sim, quando os que os invocam são julgados dignos, mas essas entidades espirituais não podem fazer “os cegos verem, nem os surdos ouvirem”. Abaixo dessa resposta, o Codificador do Espiritismo comenta que

[...] Onde quer que as leis consagrem coisas injustas, contrárias à Humanidade, os Espíritos bons ficam em minoria, e a massa dos maus, que para ali aflui, mantém suas ideias e paralisa as boas influências parciais, que ficam perdidas na multidão, tal como uma espiga isolada entre espinheiros. Estudando-se o costume dos povos ou de qualquer agrupamento humano, facilmente se forma ideia da população oculta que se intromete nos seus pensamentos e atos (KARDEC, 2017, q. 521).

            No século XX, a arte passou por grandes transformações, no mundo, em especial, no Brasil, onde, antes mesmo da Semana de Arte Moderna, em 1922, Monteiro Lobato publicou artigo no Jornal O Estado de São Paulo, em 20 de dezembro de 1917, sob o título A Propósito da Exposição Malfatti, também citado em algumas obras como Paranoia ou Mistificação. Crítica contundente que, entre outras coisas, afirmava o seguinte:

Embora eles se deem como novos precursores duma arte a vir, nada mais velho de que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranoia e com a mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura (LOBATO, 1917).


            Lobato foi considerado conservador e antimodernista por Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Di Cavalcanti, que não aceitaram o conservadorismo do autor de Sítio do picapau amarelo, Urupês, Cidades mortas e outras obras famosas da literatura infantil e adulta.
            Atualmente, o conceito de arte e de estética subordina-se a parâmetros humanistas, baseados no materialismo. Tais concepções condicionam a criação artística aos sentimentos humanos e ao gosto pessoal.
Diz Harari (2016, p. 234) que, no passado, “[...] as pessoas acreditavam que a arte era inspirada em forças sobre-humanas, e não em sentimentos humanos [...]. Os mais belos hinos, canções e melodias eram em geral atribuídos não ao gênio de algum artista humano, mas à inspiração divina [...]”.  Hoje, os artistas “[...] procuram entrar em contato com eles mesmos, com seus sentimentos e não com Deus” (id., p. 236). Desse modo, o entendimento do que seja arte, na atualidade, seria “[...] qualquer coisa que pessoas achem que é arte, e a beleza está nos olhos do espectador”. Conclui daí que se alguém considerar que “um urinol é uma bela obra de arte — então ele é”, pois “o cliente sempre tem razão” (id., p. 237).
            Tratando sobre a “influência perniciosa das ideias materialistas”, Kardec cita o caso de um comediante, Carmouche, que, embora tenha escrito centenas de comédias e musicais, seu nome já se tornara quase desconhecido, no século XIX, em virtude da fugacidade de obras dramáticas que não sejam verdadeiras “obras-primas”.  E o Codificador prossegue em suas sábias deduções: “[...] Para o materialista, a realidade é a Terra; seu corpo é tudo, visto que, além dele, nada há, pois que a sua própria mente se extingue com a desorganização da matéria, como o fogo com o combustível. Não pode, portanto, com a linguagem da arte, exprimir senão o que vê e sente [...]” (KARDEC, 2016, p. 142).
            Por não acreditarem na própria sobrevivência, o músico, o poeta, o pintor não associam seus nomes a obras imortais, como as de Rafael, Miguel Ângelo, Fídias e outros artistas, explica o Codificador. Por isso, “É rigorosamente exato dizer-se que, sem crença, as artes não têm vitalidade e que toda transformação filosófica acarreta necessariamente uma transformação artística paralela” (op. cit., p. 143). As artes atuais laicas, infelizmente, confirmam essa afirmação kardequiana. A forte influência materialista na Filosofia atual tem deturpado o conceito de arte como a representação do belo, “um dos atributos divinos” segundo Léon Denis.
            A situação atual de degradação artística, porém, é transitória, pois são inesgotáveis as fontes de inspiração superior. E cabe ao Espiritismo abrir à arte esse “[...] campo inteiramente novo, imenso e ainda inexplorado”. Allan Kardec deduz das informações dos Espíritos que:

Quando o artista houver de reproduzir com convicção o mundo espiritual, colherá nessa fonte as mais sublimes inspirações, e seu nome viverá nos séculos vindouros, porque às preocupações materiais e efêmeras da vida presente sobrevirá o estado da vida futura e eterna da alma (id. p. 145).

            Também Léon Denis, autor de verdadeiros poemas em prosa, expressos em suas obras, como O problema do ser, do destino e da dor; No invisível; Cristianismo e espiritismo; entre outros livros seus traduzidas pela Federação Espírita Brasileira (FEB), esclarece-nos que:

A arte é a busca, o estudo, a manifestação dessa beleza eterna da qual percebemos, aqui na Terra, apenas um reflexo. Para contemplá-la em todo o seu esplendor, em todo o seu poder, é preciso subir de grau em grau em direção à fonte de onde ela emana, e isso é uma tarefa difícil para a maioria entre nós. Pelo menos podemos conhecê-la pelo espetáculo que o Universo oferece aos nossos sentidos e também pelas obras que ela inspira aos homens de gênio (DENIS, 2008, p. 21).

            Esse mesmo autor confirma as revelações emanadas da Espiritualidade Superior e de Kardec, expressas nos seguintes capítulos do livro Obras póstumas, também publicado pela FEB: Influência perniciosa das ideias materialistas; Teoria da beleza; Música celeste; e Música espírita. Diz Denis que o Espiritismo abre à arte horizontes ilimitados e novos aspectos, tendo em vista as condições de vida no Além que nos são mostradas pelo concurso dos médiuns. Mais adiante, esclarece-nos ele:

Em nossa Terra, os artistas não se inspiram todos nesse ideal superior. A maior parte limita-se a imitar o que eles chamam “a natureza”, sem perceber que ela não é mais que um dos aspectos da obra divina. No espaço, porém, a arte reveste formas ao mesmo tempo mais sutis e mais grandiosas e se ilumina com um reflexo divino (DENIS, 2008, p. 26).
           

            Lembra Denis (op. cit., p. 31) que todos nós, além da “centelha da inteligência divina”, desfrutamos também de “uma parcela do poder criador”. E se na Terra “essa inteligência e esse poder são diminuídos”, no Mundo Espiritual, quanto mais elevado é o Espírito mais poderoso é esse poder criador. Mais à frente, lemos nessa obra esta preciosidade:

As grandes obras só se elaboram no recolhimento e no silêncio, à custa de longas meditações e de uma comunhão mais ou menos consciente com o mundo superior. O alarido das cidades não é conveniente ao voo do pensamento; ao contrário, a calma da Natureza, a paz profunda das montanhas facilitam a inspiração e favorecem a eclosão do talento. Assim, confirma-se, uma vez mais, o provérbio árabe: “O barulho é para os homens, o silêncio é para Deus!” (DENIS, 2008, p. 57).

            É no silêncio e na oração que entramos em sintonia com os Emissários Divinos. Eles inspiram todos os artistas, escritores e poetas. “A consciência dessa colaboração dá a medida da nossa fraqueza; ela nos faz compreender qual parte cabe à influência de nossos irmãos mais velhos, de nossos guias espirituais [...]. Ela nos ensina a ficar humildes no sucesso”, diz Denis (op. cit., p. 58) que, em seguida, conclui:

O artista espírita conhece sua própria indigência, mas sabe que acima dele abre-se um mundo sem limites, pleno de riquezas, de tesouros incalculáveis, perto dos quais todos os recursos da Terra não são mais que pobreza e miséria. O espírita também sabe que esse mundo invisível — se ele souber tornar-se digno dele, purificando seu pensamento e seu coração — pode tornar mais intensa a ação do Alto, fazê-lo participar de suas riquezas pela inspiração e pela revelação e delas impregnar as obras que serão como um reflexo da vida superior e da glória divina (DENIS, 2008, p. 59).

            Todas as artes, no espaço, são manifestações do Amor e do Belo. Dentre todas, porém, destaca-se a música como “expressão sublime do Pensamento Divino” (op. cit., p. 125). Pelo pensamento, podemos sintonizar-nos com as esferas mais baixas do Mundo Espiritual, onde imperam a luxúria e a ambição, mas também é possível alcançarmos as regiões superiores desse mundo onde o amor prevalece e abrange “todos os seres e todas as coisas”.
            O Espiritismo aborda inumeráveis temas obtidos pela inspiração e sensação superiores. Ele inicia os seus estudiosos e praticantes de sua moral no entendimento da finalidade da vida, que é a ascensão para o belo, para a perfeição, pela prática do amor e da sabedoria. Bem entendida, bem sentida e praticada, a Doutrina Espírita é a mais potente força colocada por Deus à nossa disposição para erradicarmos da Terra a influência das teorias materialistas.
Como diz Denis (op. cit., p. 142), o Espiritismo “[...] dá ao pensamento um novo e vigoroso impulso. Ele traça, na história dos seres e dos mundos, um círculo imenso, que permite todos os sonhos, todos os voos da imaginação; ele abre novas saídas para tudo o que faz o poder, a grandeza, a beleza do Universo” (id. ibid.).
            Diz o Espírito Emmanuel, pelas palavras de Chico Xavier: “Indubitavelmente, vemos o Espiritismo influenciando, não apenas no campo da arte, mas em todos os setores da inteligência humana” (XAVIER, 201l, p. 48). Podemos dizer que Chico Xavier, eleito “O maior brasileiro de todos os tempos”, em pesquisa feita pelo sistema Brasileiro de Televisão (SBT), na arte literária mediúnica, foi um dos médiuns que mais se aproximou da sintonia divina. E seu guia espiritual, Emmanuel, brindou-nos com algumas das mais belas páginas, em poesia e prosa, sobre acontecimentos vivenciados durante e após a vinda à Terra de Jesus Cristo, o Messias Divino responsável pela formação e direção de nosso mundo perante Deus.
            Em bela página sobre a arte musical, Emmanuel recomenda:

Deixa que o teu coração voe, além do horizonte, nas asas da música sublime que verte do Céu à Terra, a fim de conduzir-nos da Terra ao Céu...
Ouve-lhe os poemas de eterna beleza, em cuja exaltação da harmonia tudo é gloriosa ascensão [...].
Cede à cariciosa influência da melodia que te impele à distância da sombra, para que a luz te purifique, pois a música que te eleva a emoção e descerra a grandeza da vida significa, entre os homens, a mensagem permanente de Deus.
(XAVIER, 2009, cap. 6 Música)
           
Junto à melodia musical, a poesia se destaca, na arte, como a mais elevada manifestação do sentimento humano. Chico Xavier iniciou sua produção literária com a produção da obra Parnaso de além-túmulo, na qual mais de cinquenta poetas demonstram à Humanidade a beleza da arte espiritual. Diversas outras obras literárias psicografadas pelo médium mineiro atestam a realidade e a beleza da vida no Além. Neste mês em que se comemora o Natal de Jesus, encerramos estas notas com o apelo ao Senhor deste soneto do Espírito Auta de Souza:
Rogativa

Volta ainda, Senhor, à sombra densa
E acende a Tua luz eterna e pura
Nos caminhos de treva e desventura,
Dominados de dor e de descrença!...

Não repares, Jesus, a pedra, a ofensa...
Vem, mesmo assim, às sendas de amargura
E estende as mãos à mísera criatura
Que se perde, sem rumo, em noite imensa!

Nas estradas de lágrimas e dores,
Eis que esperam por Ti os sofredores,
Sequiosos de pão que os reconforte.

Ainda uma vez, perdoa, Mestre Amado,
E atende ao velho mundo atormentado
No torvelinho de miséria e morte.  (XAVIER, 2011, p. 48.)

Referências
DENIS, Léon. O espiritismo na arte. Tradução Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: Léon Denis – Gráfica e Editora, 2008.
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. 1. ed., 11. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília: FEB, 2017.
______. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed., 1. imp. Brasília: FEB, 2016.
LOBATO, Monteiro. O Estado de São Paulo, 20 de dezembro de 1917, A Propósito da Exposição Malfatti, p. 4. Coluna Artes e Artistas.
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 11. ed. São Paulo: Ática, 1989.
XAVIER, Francisco Cândido. Palavras de Chico Xavier. Pelo Espírito Emmanuel. 14. ed. Araras (SP): IDE, 2011.
______. Trilha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 2. ed. Araras (SP): IDE, 2011.
______. Vereda de luz. Pelo Espírito Auta de Souza. 3. ed. São Bernardo do Campo (SP): GEEM, 2011.
(Publicado em Reformador/FEB, 2018.)

Um comentário:

  1. Texto inspirador
    Espiritismo e arte
    Transformação é parte
    Escritos com primor
    Viva o codificador
    Profunda doutrina
    Que a vida ensina
    Tal como matemática
    Nos espera a prática
    Para nossa medicina

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