A Arte Humana e a
Arte Divina
Jorge
Leite de Oliveira
A arte bem compreendida é um poderoso
meio de elevação e de renovação. É a fonte dos mais puros prazeres da alma; ela
embeleza a vida, sustenta e consola na provação e traça para o espírito,
antecipadamente, as rotas para o Céu (DENIS, 2008, p. 56).
Na questão 521 d'O livro dos espíritos, Allan Kardec deseja saber se existem Espíritos protetores dos que se dedicam às artes. Em resposta, é informado de que sim, quando os que os invocam são julgados dignos, mas essas entidades espirituais não podem fazer “os cegos verem, nem os surdos ouvirem”. Abaixo dessa resposta, o Codificador do Espiritismo comenta que
[...] Onde quer que as leis
consagrem coisas injustas, contrárias à Humanidade, os Espíritos bons ficam em
minoria, e a massa dos maus, que para ali aflui, mantém suas ideias e paralisa
as boas influências parciais, que ficam perdidas na multidão, tal como uma
espiga isolada entre espinheiros. Estudando-se o costume dos povos ou de
qualquer agrupamento humano, facilmente se forma ideia da população oculta que
se intromete nos seus pensamentos e atos (KARDEC, 2017, q. 521).
No século XX, a arte passou por grandes
transformações, no mundo, em especial, no Brasil, onde, antes mesmo da Semana
de Arte Moderna, em 1922, Monteiro Lobato publicou artigo no Jornal O Estado de São Paulo, em 20 de dezembro
de 1917, sob o título A Propósito da
Exposição Malfatti, também citado em algumas obras como Paranoia ou Mistificação. Crítica
contundente que, entre outras coisas, afirmava o seguinte:
Embora eles se deem como novos
precursores duma arte a vir, nada mais velho de que a arte anormal ou
teratológica: nasceu com a paranoia e com a mistificação. De há muito já que a
estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos
que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que
nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados
pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas,
zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há
sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura (LOBATO, 1917).
Lobato foi considerado conservador e
antimodernista por Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Di Cavalcanti, que não
aceitaram o conservadorismo do autor de Sítio
do picapau amarelo, Urupês, Cidades mortas e outras obras famosas da
literatura infantil e adulta.
Atualmente, o conceito de arte e de
estética subordina-se a parâmetros humanistas, baseados no materialismo. Tais
concepções condicionam a criação artística aos sentimentos humanos e ao gosto pessoal.
Diz Harari (2016, p. 234) que, no passado,
“[...] as pessoas acreditavam que a arte era inspirada em forças sobre-humanas,
e não em sentimentos humanos [...]. Os mais belos hinos, canções e melodias
eram em geral atribuídos não ao gênio de algum artista humano, mas à inspiração
divina [...]”. Hoje, os artistas “[...]
procuram entrar em contato com eles mesmos, com seus sentimentos e não com
Deus” (id., p. 236). Desse modo, o entendimento do que seja arte, na
atualidade, seria “[...] qualquer coisa que pessoas achem que é arte, e a
beleza está nos olhos do espectador”. Conclui daí que se alguém considerar que “um
urinol é uma bela obra de arte — então ele é”, pois “o cliente sempre tem
razão” (id., p. 237).
Tratando sobre a “influência
perniciosa das ideias materialistas”, Kardec cita o caso de um comediante,
Carmouche, que, embora tenha escrito centenas de comédias e musicais, seu nome
já se tornara quase desconhecido, no século XIX, em virtude da fugacidade de
obras dramáticas que não sejam verdadeiras “obras-primas”. E o Codificador prossegue em suas sábias
deduções: “[...] Para o materialista, a realidade é a Terra; seu corpo é tudo,
visto que, além dele, nada há, pois que a sua própria mente se extingue com a
desorganização da matéria, como o fogo com o combustível. Não pode, portanto,
com a linguagem da arte, exprimir senão o que vê e sente [...]” (KARDEC, 2016,
p. 142).
Por não acreditarem na própria
sobrevivência, o músico, o poeta, o pintor não associam seus nomes a obras
imortais, como as de Rafael, Miguel Ângelo, Fídias e outros artistas, explica o
Codificador. Por isso, “É rigorosamente exato dizer-se que, sem crença, as
artes não têm vitalidade e que toda transformação filosófica acarreta
necessariamente uma transformação artística paralela” (op. cit., p. 143). As
artes atuais laicas, infelizmente, confirmam essa afirmação kardequiana. A
forte influência materialista na Filosofia atual tem deturpado o conceito de
arte como a representação do belo, “um dos atributos divinos” segundo Léon
Denis.
A situação atual de degradação
artística, porém, é transitória, pois são inesgotáveis as fontes de inspiração
superior. E cabe ao Espiritismo abrir à arte esse “[...] campo inteiramente
novo, imenso e ainda inexplorado”. Allan Kardec deduz das informações dos
Espíritos que:
Quando o artista houver de
reproduzir com convicção o mundo espiritual, colherá nessa fonte as mais
sublimes inspirações, e seu nome viverá nos séculos vindouros, porque às preocupações materiais e efêmeras
da vida presente sobrevirá o estado da vida futura e eterna da alma (id. p.
145).
Também Léon Denis, autor de verdadeiros
poemas em prosa, expressos em suas obras, como O problema do ser, do destino e da dor; No invisível; Cristianismo e
espiritismo; entre outros livros seus traduzidas pela Federação Espírita
Brasileira (FEB), esclarece-nos que:
A arte é a busca, o estudo, a
manifestação dessa beleza eterna da qual percebemos, aqui na Terra, apenas um
reflexo. Para contemplá-la em todo o seu esplendor, em todo o seu poder, é
preciso subir de grau em grau em direção à fonte de onde ela emana, e isso é
uma tarefa difícil para a maioria entre nós. Pelo menos podemos conhecê-la pelo
espetáculo que o Universo oferece aos nossos sentidos e também pelas obras que
ela inspira aos homens de gênio (DENIS, 2008, p. 21).
Esse mesmo autor confirma as revelações emanadas
da Espiritualidade Superior e de Kardec, expressas nos seguintes capítulos do
livro Obras póstumas, também
publicado pela FEB: Influência perniciosa
das ideias materialistas; Teoria da beleza; Música celeste; e Música espírita.
Diz Denis que o Espiritismo abre à arte horizontes ilimitados e novos aspectos,
tendo em vista as condições de vida no Além que nos são mostradas pelo concurso
dos médiuns. Mais adiante, esclarece-nos ele:
Em nossa Terra, os artistas não se
inspiram todos nesse ideal superior. A maior parte limita-se a imitar o que
eles chamam “a natureza”, sem perceber que ela não é mais que um dos aspectos
da obra divina. No espaço, porém, a arte reveste formas ao mesmo tempo mais
sutis e mais grandiosas e se ilumina com um reflexo divino (DENIS, 2008, p. 26).
Lembra Denis (op. cit., p. 31) que todos
nós, além da “centelha da inteligência divina”, desfrutamos também de “uma
parcela do poder criador”. E se na Terra “essa inteligência e esse poder são
diminuídos”, no Mundo Espiritual, quanto mais elevado é o Espírito mais
poderoso é esse poder criador. Mais à frente, lemos nessa obra esta
preciosidade:
As grandes obras só se elaboram no
recolhimento e no silêncio, à custa de longas meditações e de uma comunhão mais
ou menos consciente com o mundo superior. O alarido das cidades não é conveniente
ao voo do pensamento; ao contrário, a calma da Natureza, a paz profunda das
montanhas facilitam a inspiração e favorecem a eclosão do talento. Assim,
confirma-se, uma vez mais, o provérbio árabe: “O barulho é para os homens, o
silêncio é para Deus!” (DENIS, 2008, p. 57).
É no silêncio e na oração que entramos em
sintonia com os Emissários Divinos. Eles inspiram todos os artistas, escritores
e poetas. “A consciência dessa colaboração dá a medida da nossa fraqueza; ela
nos faz compreender qual parte cabe à influência de nossos irmãos mais velhos,
de nossos guias espirituais [...]. Ela nos ensina a ficar humildes no sucesso”,
diz Denis (op. cit., p. 58) que, em seguida, conclui:
O artista espírita conhece sua
própria indigência, mas sabe que acima dele abre-se um mundo sem limites, pleno
de riquezas, de tesouros incalculáveis, perto dos quais todos os recursos da
Terra não são mais que pobreza e miséria. O espírita também sabe que esse mundo
invisível — se ele souber tornar-se digno dele, purificando seu pensamento e
seu coração — pode tornar mais intensa a ação do Alto, fazê-lo participar de
suas riquezas pela inspiração e pela revelação e delas impregnar as obras que
serão como um reflexo da vida superior e da glória divina (DENIS, 2008, p. 59).
Todas as artes, no espaço, são
manifestações do Amor e do Belo. Dentre todas, porém, destaca-se a música como
“expressão sublime do Pensamento Divino” (op. cit., p. 125). Pelo pensamento,
podemos sintonizar-nos com as esferas mais baixas do Mundo Espiritual, onde
imperam a luxúria e a ambição, mas também é possível alcançarmos as regiões
superiores desse mundo onde o amor prevalece e abrange “todos os seres e todas
as coisas”.
O Espiritismo aborda inumeráveis
temas obtidos pela inspiração e sensação superiores. Ele inicia os seus
estudiosos e praticantes de sua moral no entendimento da finalidade da vida,
que é a ascensão para o belo, para a perfeição, pela prática do amor e da
sabedoria. Bem entendida, bem sentida e praticada, a Doutrina Espírita é a mais
potente força colocada por Deus à nossa disposição para erradicarmos da Terra a
influência das teorias materialistas.
Como diz Denis (op. cit., p. 142), o
Espiritismo “[...] dá ao pensamento um novo e vigoroso impulso. Ele traça, na
história dos seres e dos mundos, um círculo imenso, que permite todos os
sonhos, todos os voos da imaginação; ele abre novas saídas para tudo o que faz
o poder, a grandeza, a beleza do Universo” (id. ibid.).
Diz o Espírito Emmanuel, pelas
palavras de Chico Xavier: “Indubitavelmente, vemos o Espiritismo influenciando,
não apenas no campo da arte, mas em todos os setores da inteligência humana”
(XAVIER, 201l, p. 48). Podemos dizer que Chico Xavier, eleito “O maior
brasileiro de todos os tempos”, em pesquisa feita pelo sistema Brasileiro de
Televisão (SBT), na arte literária mediúnica, foi um dos médiuns que mais se
aproximou da sintonia divina. E seu guia espiritual, Emmanuel, brindou-nos com
algumas das mais belas páginas, em poesia e prosa, sobre acontecimentos
vivenciados durante e após a vinda à Terra de Jesus Cristo, o Messias Divino
responsável pela formação e direção de nosso mundo perante Deus.
Em bela página sobre a arte musical,
Emmanuel recomenda:
Deixa que o teu coração voe, além
do horizonte, nas asas da música sublime que verte do Céu à Terra, a fim de
conduzir-nos da Terra ao Céu...
Ouve-lhe os poemas de eterna
beleza, em cuja exaltação da harmonia tudo é gloriosa ascensão [...].
Cede à cariciosa influência da
melodia que te impele à distância da sombra, para que a luz te purifique, pois
a música que te eleva a emoção e descerra a grandeza da vida significa, entre
os homens, a mensagem permanente de Deus.
(XAVIER, 2009, cap. 6 Música)
Junto à melodia musical, a poesia se
destaca, na arte, como a mais elevada manifestação do sentimento humano. Chico
Xavier iniciou sua produção literária com a produção da obra Parnaso de além-túmulo, na qual mais de
cinquenta poetas demonstram à Humanidade a beleza da arte espiritual. Diversas
outras obras literárias psicografadas pelo médium mineiro atestam a realidade e
a beleza da vida no Além. Neste mês em que se comemora o Natal de Jesus,
encerramos estas notas com o apelo ao Senhor deste soneto do Espírito Auta de
Souza:
Rogativa
Volta ainda, Senhor, à sombra densa
E acende a Tua luz eterna e pura
Nos caminhos de treva e desventura,
Dominados de dor e de descrença!...
Não repares, Jesus, a pedra, a
ofensa...
Vem, mesmo assim, às sendas de amargura
E estende as mãos à mísera criatura
Que se perde, sem rumo, em noite
imensa!
Nas estradas de lágrimas e dores,
Eis que esperam por Ti os
sofredores,
Sequiosos de pão que os reconforte.
Ainda uma vez, perdoa, Mestre
Amado,
E atende ao velho mundo atormentado
No torvelinho de miséria e morte. (XAVIER, 2011, p. 48.)
Referências
DENIS, Léon. O espiritismo na arte. Tradução
Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: Léon Denis – Gráfica e
Editora, 2008.
HARARI, Yuval
Noah. Homo Deus: uma breve história
do amanhã. Trad. Paulo Geiger. 1. ed., 11. reimp. São Paulo: Companhia das
Letras, 2016.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília: FEB, 2017.
______. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed., 1. imp. Brasília: FEB, 2016.
LOBATO, Monteiro. O Estado de São Paulo, 20 de dezembro de
1917, A Propósito da Exposição Malfatti,
p. 4. Coluna Artes e Artistas.
PROENÇA FILHO,
Domício. Estilos de época na literatura.
11. ed. São Paulo: Ática, 1989.
XAVIER, Francisco
Cândido. Palavras de Chico Xavier. Pelo
Espírito Emmanuel. 14. ed. Araras (SP): IDE, 2011.
______. Trilha de luz. Pelo Espírito Emmanuel.
2. ed. Araras (SP): IDE, 2011.
______. Vereda de luz. Pelo Espírito Auta
de Souza. 3. ed. São Bernardo do Campo (SP): GEEM, 2011.
(Publicado
em Reformador/FEB, 2018.)
Texto inspirador
ResponderExcluirEspiritismo e arte
Transformação é parte
Escritos com primor
Viva o codificador
Profunda doutrina
Que a vida ensina
Tal como matemática
Nos espera a prática
Para nossa medicina