Em dia com o Machado
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Amiga leitora,
você deve estar curiosa para saber algo sobre o Clube Beethoven. Afinal, a que
se destinava esse clube? O que um jovem que mal concluíra quatro anos na escola
poderia oferecer a tal clube?
Vamos
com calma. A primeira resposta é a de que o clube tinha por finalidade promover
saraus musicais. Foi ali que disputei belas partidas de xadrez e ouvi, ao
piano, excelentes interpretações de música clássica compostas por Joaquim
Antônio Callado, Ernesto Nazareth, Robert Schumann, Frederic Chopin, entre
outros grandes autores clássicos. “Mas tudo acaba, e o Clube Beethoven, como
outras instituições idênticas, acabou”.
Em
meu tempo, a criatividade cultural humana era algo “simples como as pombas e
prudente como as serpentes”, como o Mestre Jesus nos aconselha ser. Paula
Brito, meu primeiro incentivador literário, costumava postar em seu jornal
alguns motes para serem glosados por seus leitores. Outro dia, saudoso dos seus
incentivos literários, pedi-lhe:
—
Vem cá, Brito, diga-me uma coisa, que tal propor um mote para ser glosado por
este seu amigo?
O
cabrito não se fez de rogado e mandou esta:
Qual
dos dois tinha mais fé:
O que
diz de Assis Augusto
Sobre
o que escreveu Machado,
Ou
a resposta do Bruxo?
Lendo
isso, Augusto dos Anjos escreveu este soneto:
Eu sou um ser originado das profundas
regiões abissais deste imenso universo...
Já fui molécula atômica, já fui tundras,
perpassei todos os mil reinos que há num verso.
Por fim, parei na existência das nauseabundas
excrescências mentais que teimei descrever,
cujo mau cheiro era pior que sujas bundas,
mas a vaidade e o orgulho me impediam ver.
Vivi no tempo das carroças vis puxadas
por pangarés metidos a corcéis famosos
que carregavam vermes vãos, insidiosos.
Morri descrente, as esperanças malogradas
clamavam vivas contra os fatos mentirosos
que, desde então, propalam seres malcheirosos.
Como
adoro um desafio literário, respondera-lhe deste modo metafrásico:
Como
vida surgida dos abismos,
fui
pedra, mineral, fui vegetal...
Já
fui de tudo um pouco, e o animal
que
em mim reside viu mil cataclismos.
Enfim,
tornei-me, sem anacronismos,
este
moderno e velho ser mental
que,
sendo antigo, também é atual,
avassalado
pelos ironismos.
Porém,
se o orgulho tanto inda me açoda,
já
houve tempo em que puxava roda
como
se fora carroceiro ateu.
Pressinto
agora que ainda está na moda
a
crença que neguei e me incomoda,
pois
vejo, após a morte, o riso teu.
Imediatamente, o enxerido do meu secretário
arrematou com esta paródia:
Como um ser que dizia ter nascido
das profundas dos vermes putrescíveis,
até que não foi mal eu ter vivido
escarnecendo das mazelas cíveis.
Por fim, cansei de ter oferecido
meu tempo precioso a tão horríveis
e verminosos seres que, de ouvido,
sonhei estar melhor com meretrizes...
Ouvi do Conselheiro, meu bom Aires,
que endurecer-se hay, pero no mucho
estou pra mim que está em Buenos Aires...
Chamei Brás Cubas e pedi-lhe: — Venha!
Vou dar-lhe um piparote bem no bucho.
Do jeito que isto está parece lenha.
Depois
dessa, confesso-lhes, meus cinco leitores amigos, que senti uma vontade imensa
de ir correndo ao Clube Beethoven escutar a 5ª Sinfonia, enquanto jogo uma
partida de xadrez com Robert James
Fischer, o Bobby Fischer.
— Ó Joteli, vá ver se estou ali na
esquina!
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