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sábado, 24 de março de 2012

O Rio de Joaquim Manuel de Macedo - resenha nº 1 Jorge Leite de Oliveira¹

STRZODA, Michele. O Rio de Joaquim Manuel de Macedo: jornalismo e literatura no século XIX. Antologia de crônicas. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2010. 719 p.

Michele é editora e jornalista com nove anos de atuação editorial. Trabalhou para diversos periódicos: Cult, Entrelivros, Folha de São Paulo e O Globo. Esta obra foi considerada o melhor trabalho jornalístico de conclusão de curso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vencedora, em 2005, do prêmio Intercom de Jornalismo “e menção honrosa entre todos os trabalhos de Comunicação Social do país”.
Segundo STRZODA, Joaquim Manuel de Macedo (+ Itaboraí, 1820 – 1882) é pioneiro na edição de crônicas do Rio de Janeiro. Formado em Medicina, no Rio de Janeiro, não se dedicou a essa profissão. É como professor, jornalista e escritor que se destacou. Por mais de trinta anos, trabalhou na imprensa, em especial no Jornal do Commercio onde atuou durante vinte e cinco anos. É patrono da cadeira número 20 da Academia Brasileira de Letras.
A autora objetiva mostrar o trabalho de Macedo “não como o ficcionista que se eternizou nos bancos escolares, autor de A moreninha, primeiro best-seller brasileiro, mas como o jornalista-escritor, o crítico, o articulista, o homem de imprensa e o grande cronista que foi, precursor do jornalismo cultural que começaria a dar seus primeiros passos no Segundo Reinado”. Comenta Strzoda que Macedo é “o primeiro romancista nacional”, destacado por “seu estilo popular” e por uma linguagem lírica inovadora. Embora seja escritor de vasta produção literária é pouco estudado. Sua produção não ficcional configura-se “como importante documento histórico e geográfico do Rio de Janeiro”. Aqui se destaca a análise de suas crônicas, o que é apenas parte de uma vasta produção escrita ainda muito pouco conhecida, embora sejam arrolados, neste compêndio, os trabalhos jornalísticos macedianos ao longo de quarenta anos.
O Rio de Joaquim Manuel de Macedo convida o leitor a entrar nesse cenário de efervescência e de transformações culturais e urbanas do século XIX, e visa inspirá-lo a sair pelas ruas do Rio de Janeiro com os olhos de quem flanou, observou e defendeu a alma da cidade por meio da literatura e do jornalismo. Macedo usufruiu muito bem da natural vocação do Rio para a crônica e para a atmosfera de viagem, de cosmopolitismo e de confluências culturais, quesitos que ainda hoje favorecem os grandes cronistas de nosso tempo (STRZODA, 2010. p. 14- 15).
A obra está estruturada em duas partes: a primeira com dois capítulos, com a inclusão das publicações de Macedo na imprensa; a segunda com oito capítulos. Nessa parte, destacam-se, no capítulo I, o tema intitulado “Um passeio pelas crônicas de Joaquim Manuel de Macedo”, inspirado na vida sociocultural e paisagem carioca urbana e, no capítulo 5, os temas “Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro” e “Memórias da rua do Ouvidor”.

Destaques da obra.
Na primeira parte, capítulo primeiro, Strzoda informa-nos que
Como na imprensa oitocentista, a literatura tem seu lugar no jornal do século XXI. Os suportes e os espaços ocupados mudaram e se diversificaram. A crônica ocupa o lugar que já pertenceu ao romance-folhetim, à poesia e à dramaturgia, gêneros mais facilmente encontrados em blogs e sites voltados para a produção literária contemporânea (p. 20).
Explica-nos a autora adiante que “a paisagem urbana carioca foi configurada em muitos periódicos, em textos folhetinescos e em crônicas de escritores-jornalistas, como Alencar, Macedo e Machado de Assis” (p. 24).
O capítulo seguinte disserta sobre o tratamento dado às mulheres no século XIX. Primeiramente, de que não havia uma educação voltada ao desenvolvimento intelectual e profissional das moças. Com precária educação escolar, o domínio das letras pelo público feminino era muito baixo. Só a partir da segunda metade desse século, em especial, no final do Império, surgiram as primeiras escolas normais, destinadas à formação de professoras (p. 34). Esclarece ainda a autora aqui que a expressão “literatura pública”, cunhada por Antonio Candido é utilizada na definição de quase tudo o que foi criado no início do século XVIII. Pouca coisa, porém, podia circular sem censura. A literatura de massa, todavia, só teve início após a Independência, quando aumentou consideravelmente o número de periódicos, em especial, com a publicação de “folhetins” e das crônicas de “jornalistas-escritores”. Surge o romance que, por ter um alto custo, de início, passou a ser publicado na forma de folhetins nos rodapés (terço inferior das páginas) de jornais e revistas. A moreninha, de Macedo, é considerado o primeiro romance brasileiro, “não só pelo tom lírico, mas pela intimidade do dia a dia que a obra conseguiu incorporar” (p. 38). Nessa época, a mulher passa a fazer parte do público leitor e, mesmo, protagonista dos romances.
O livro começou a ser publicado no Romantismo e teve em Macedo, Alencar, Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre seus primeiros autores (p. 41). “O Jornal do Commercio, periódico para o qual Macedo colaborou por cerca de 25 anos, publicou uma série de anúncios divulgando livros do autor – não só romances, mas peças de teatro, dramas, volumes de poesia e livros de história”. O prestígio de Macedo expressava-se na grande quantidade de anúncios sobre seus trabalhos: romances de costumes, livros didáticos de história e de geografia, peças, “dramas, poesias e, em seu estilo de produção literária na imprensa mais sofisticada, crônicas” (p. 42). As crônicas macedianas, “mescla de história, memória, literatura e jornalismo”, embora seu destaque no espaço urbano cotidiano do Rio do século XVIII, ainda não obtiveram o merecido reconhecimento de nossos críticos. Segundo Antonio Candido “Num país como o Brasil, onde se costumava identificar superioridade intelectual e literária com grandiloquência e requinte gramatical, a crônica operou milagres de simplificação e naturalidade, que atingiram o ponto máximo nos nossos dias” (apud STRZODA, 2010, p. 53).
Strzoda opina que contrariamente ao que se supõe “a boa crônica não é efêmera ou superficial”. Crônicas publicadas por grandes escritores da época de Macedo, juntamente com as deste, são hodiernamente consideradas “documentos de valor histórico, com grande importância na formação do sentimento de nacionalidade”. Finalizando suas considerações deste capítulo, diz essa autora que, em virtude de seu caráter criativo, as crônicas consagraram diversos escritores, em nosso País, “como José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, entre tantos outros”. Falta um reconhecimento de nossos críticos a Joaquim Manuel de Macedo (p. 59). Em seguida, a autora elenca as publicações macedianas na imprensa, de 1844 a 1880 (p. 61- 75): poemas, contos, romances e crônicas, entre outros textos literários, anúncios de publicações didáticas (História e Geografia), artigos políticos e jornalísticos.
Segunda parte, cap. I – Um passeio pelas crônicas de Macedo
Foi em 1844 (Machado de Assis ainda tinha cinco anos de idade), aos 24 anos, que Macedo publicou seu romance A moreninha, reconhecido pela crítica como o primeiro romance tipicamente brasileiro. Foi pioneiro em tipificar a sociedade carioca para o gênero romance, o que se fazia pela primeira vez em nosso país. Embora tendo produzido uma grande quantidade de crônicas, esse gênero teve pouca atenção da crítica. Há, porém, uma tese de doutorado de Tânia Serra, que produz uma pesquisa de bom nível sobre esse gênero macediano. Também Flora Süssekind aborda os aspectos políticos e satíricos das crônicas desse autor direcionadas principalmente à classe média carioca (p. 84- 85).

Cap. II – Ostensor brasileiro
Sua primeira crônica faz a descrição de S. João de Itaboraí, povoação assentada numa colina a cerca de 50 km de Niterói. Como o próprio nome indica, nesse capítulo, o autor mostra ou ostenta a cidade onde nasceu em prosa e versos sobre seu espaço e costumes.Em seguida, fala do povo alegre, rico de Itaboraí que, entretanto, não progride porque, no Brasil, tudo que é grande e nobre é desprezado. Conclui sua crônica com um soneto de exaltação e gratidão a Itaboraí.
Capítulos III e IV – Revistas Guanabara e A Nação
Nos dois capítulos seguintes, são transcritas as crônicas publicadas na Revista Guanabara e em A Nação. No cap. III temos as crônicas “Conservatório de Música”, “Costumes Campestres I” e “Costumes Campestres II”. Na primeira são feitas críticas políticas, aos costumes sociais, à cultura insipiente e exaltação à natureza. Há porém um ufanismo quanto ao futuro grandioso do Brasil. Enaltece os artistas da Sociedade de Música e a criação do Conservatório de Música Brasileiro, inaugurado em 13 de agosto de 1838, graças aos subsídios governamentais que tiveram o apoio de alguns políticos, ministros de Estado, mas que, à época da primeira crônica, ainda necessitava de auxílio governamental para que se formassem os artistas e poetas brasileiros de nível elevado.
Nas crônicas sobre os “Costumes Campestres”, começa com uma crítica ao caráter de algumas mulheres e aos costumes sociais. Em seguida, compara a “vida política” à “vida do lar doméstico”. A primeira com seus acontecimentos grandiosos: feitos, revoluções, mas também a mistura de “triunfos e derrotas, opulência e misérias” (p. 97), cujo teatro principal pode estar nas cidades. A segunda, a vida do lar doméstico, apresenta-nos “o quadro gracioso dos costumes, das festas de família, das agrestes folganças de povo”, tradições encontradas na sociedade do campo. Mais adiante, esclarece que “a corte é bela e ruidosa”, todavia, com vida artificial; e o “campo é igualmente belo, mas sossegado; a vida é aí feliz, embora monótona e igualmente nela há ilusões, embora em menor número “porque ilusões acompanham por toda parte o homem”. Por fim, relata o que viu na fazenda Rio Claro, do município de Campos, que, como os municípios do sul, possuem os mais bem organizados estabelecimentos agrícolas. Faz em seguida uma descrição da estrada bem conservada que o levou a Rio Claro e finalmente, das casas e da “casa de vivenda”, situada na “encosta de uma colina”, que passa a descrever, juntamente com as edificações que a cercam: a “capela modesta e simples”, que “deixa conhecer o estilo dos jesuítas”, as senzalas dos escravos, o engenho, mais adiante, a fábrica, etc. Há um descritivismo local que exalta não somente as construções, mas também a natureza do local: “Diante de mim e à minha direita se desdobrava uma planície imensa toda semeada de belos outeiros, de matas verde-negras, de humildes palhoças e formosos sítios, por entre os quais tortuosamente se deslizam estradas (...)” (p. 100). Continua a descrever a fazenda e circunvizinhança: o rio, a cachoeira, o curral e, por fim, enfatiza as atividades do fazendeiro e seu feitor. Termina contrapondo as mudanças de estações do ano à ideia de que tudo é fertilidade e bonança na vida campestre.
Em A Nação, são relatadas oito “cartas”, publicadas na Coluna do jornal A Nação intitulada “Viagem a Petrópolis”. Os artigos começam com a publicação da 2ª carta e terminam com a 9ª carta, de todas a mais longa. São relatos de impressões de viagem feitos por Macedo. Nas oitava e nova cartas dá uma ênfase especial ao relato sobre a cidade de Petrópolis, sua arquitetura, igreja, atividades artísticas e políticas.
Cap. V – Jornal do Commercio
Este capítulo vai da p. 133 à 656 e é o mais extenso da obra. Nele se encontram as crônicas de “Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro”, de grande importância, haja vista que esse tema deu origem ao livro de mesmo nome. Segundo Strzoda (p. 205), a obra tornou-se referência em estudos sobre a memória da cultura e geografia da cidade.
O Palácio Imperial
A primeira crônica inicia com a citação do Palácio Imperial, no largo do Paço. Passa então à descrição do palácio e sua localização e origem. Após algumas considerações, ficamos sabendo que, segundo se lê em seu pórtico principal, o edifício foi construído no reinado de El-Rei d. João V, em 1743. No início de sua construção, seu nome era Casa dos Governadores e não Palácio, por determinação de El-Rei em carta régia. Somente um século depois, passou-se a chamá-la Palácio Imperial.
Várias “casas” ficavam coladas à casa principal: nos fundos, havia o convento dos carmelitas, ao sul, ficava a Casa da Câmara e Cadeia, depois transformada no paço da Câmara dos Deputados, e “além dessa, a Casa da Ópera, que se tornou uma dependência do palácio”. Moravam na Casa, além dos Governadores, os Vice-reis a “Justiça e a Fazenda”. Por fim, ficava ali o “Tribunal a Relação”, além da “fábrica moedal” e do provedor da moeda.
Mais adiante, esclarece que, “com a família real, porém, chegaram em grande número fidalgos, empregados e criados de todas as ordens, tantos eram que faltavam casas para receber a todos eles”. No pavimento inferior do convento do Carmo, que se ligara ao palácio, ficava a “famosa ucharia”, onde se alojaram, como num grande formigueiro, os criados de menor graduação. “A ucharia não somente serviu para matar a fome de muitos pobres, mas ainda para encher os cofres de muitos ricos” (p. 214).
Para os fidalgos, empregados e criados mais graduados foi criado um sistema chamado “aposentadoria”, que privava o proprietário nativo de sua casa, bastando para isso a manifestação do desejo de um desses privilegiados para que fosse determinado a um meirinho que assinalasse, com um pedaço de giz, a porta da casa desejada com as letras P. R. (príncipe regente). Em vinte e quatro horas, o proprietário da casa tinha que se mudar com sua família. “O privilegiado aposentava-se e ficava à vontade”.
Essa violência contra a população gerou todo o tipo de abuso, como a de “aposentado” que chegou a desalojar quatro famílias de suas casas. Isso gerou queixa de um célebre aposentador, o desembargador Agostinho Petra de Bittencourt a Sua Majestade, D. João VI, que proibiu os abusos de seus áulicos. Esclarece-nos Macedo, por fim, que “Por ocasião da sua elevação ao trono, o Sr. D. João VI reformou ainda este sistema, concedendo aos habitantes da cidade do Rio de Janeiro as aposentadorias passivas”.
O antigo convento dos carmelitas foi ligado ao palácio por um passadiço, mas seu primitivo aspecto monástico foi mantido, o que, arquitetonicamente, o manteve em desarmonia com o palácio ao qual ficou ligado. Macedo critica tal anexação, por considerar que os carmelitas nada tinham a ver com a política. Em seguida faz a descrição de outros edifícios, como “a igreja de Nossa Senhora do Carmo, que é a Capela Imperial” (p. 220).
Havia sobre a torre da Capela Imperial um galo metálico inconstante, que girava por efeito da ação dos ventos e lhes indicava a direção. A inconstância do galo (p. 221) é comparada à “inconstância e volubilidade de muitos políticos”, que agem de acordo com suas conveniências inconfessáveis. Filosofa que, ao encontrar um desses políticos que mudam de opinião ao sabor de seus interesses pessoais, dirá a si próprio: “Ali vai um galo da capela” (p. 222). Outras crônicas se sucedem a esta, com relatos descritivos e narrativos sobre conventos e suas histórias, algumas remontando às origens da sociedade carioca, baseadas na tradição popular, entre outros assuntos e críticas sociopolíticas.

As crônicas são extensas, entram em minúcias sobre os costumes da época, como a chegada da Corte Imperial de D. João VI ao Brasil, em 1822, quando era vice-rei do Brasil o Conde dos Arcos e das providências tomadas por ele: desalojar os moradores da Casa dos Governadores, a quem foram destinadas outras residências, e lá passaram a residir todas as famílias da corte imperial.
É uma obra densa, extremamente descritiva, mas bastante criativa, às vezes carregada de detalhes minuciosos que, certamente, inspirou não somente Machado de Assis, o “Bruxo do Cosme Velho”, como muitos outros autores da época a elaborar suas crônicas, contos e romances. Às narrativas baseadas na tradição popular, associa o autor os fatos políticos da época do Império na Capital do Brasil, o Rio antigo. É recomendada sua leitura a alunos de cursos de pós-graduação em jornalismo e, principalmente, de literatura, que desejem informar-se sobre as origens da literatura romântica, no Brasil, e das crônicas jornalístico-literárias.

¹ Jorge Leite de Oliveira é Especialista em Literatura Brasileira, Mestre e Doutorando em Literatura e Práticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB)

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