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domingo, 11 de março de 2012

Eu também já fui torneiro mecânico (jlo)

Eu nasci em Olaria, RJ, em 1960. Lembro-me da época em que moramos na Rua Toneleros, aos cinco anos, quando começaram a chamar-me “valente”, ato iniciado por minha prima de vinte anos, que morou conosco uns três, até conhecer um advogado, casar-se e ir para Minas Gerais, de onde nunca mais saiu. Chamava-se Gizely e era loura, olhos azuis, branca como açúcar mascavo, linda, enfim. Pura bobagem de criança, que acabaria me custando uns ossos quebrados...
Antes de completar seis anos, brincava na sala de casa, no momento em que meu padrinho abriu a porta e por ela entrou um policial fardado. Enquanto brincava com uma caixa de fósforos, meu carrinho imaginário, ouvia o que os dois homens diziam:
“Seu Palhares, o senhor tem que mudar desta casa o mais rápido possível, pois a proprietária não mais deseja mantê-la alugada.”
“Mas como é que vou fazer, seu guarda? não posso pagar aluguel de outra casa como esta. Além do mais, já moro aqui há sete anos...”
“Isso não é comigo. D. Maria quer a casa sem demoras e deu-lhe o prazo de quinze dias para desocupá-la. Pela quantidade de móveis que vejo aqui, o prazo é muito elástico...”
“Sim senhor, vou pegar mulher, filhos, meu afilhado Zezinho, a mesa com quatro cadeiras, o guarda roupas, o fogão, as três camas e antes mesmo desse prazo a gente já estaremos debaixo da ponte.”
“Passe bem, seu Palhares. Espero não ter que voltar aqui.”
“Fique tranquilo, Deus há de nos encaminhar um lugar para se escondermos.”
“Isso é com o senhor. Se Deus não lhe ajudar, eu é que não vou fazê-lo. Daqui a duas semanas estarei aqui para receber as chaves da casa. Se o senhor desocupá-la antes, pode entregá-las a sua senhoria. Adeus.”
“Adeus.”
E, em pensamento: “Ah! Deus, por que Tu não joga um raio na cabeça desse cabra da peste?”
O tempo passou, meu padrinho morreu, voltei para a casa de minha mãe, também viúva, que já cuidava de outros oito filhos. Aos 14 anos, comecei a trabalhar, para ajudar em casa, numa loja de móveis, mas o gerente não ia com minha cara. Às vezes, dizia que eu não gostava de tomar banho (nem água tinha lá em casa); outras vezes, com razão, dizia que eu quebrava os móveis da loja. Por fim, acusava-me de tratar mal os clientes do estabelecimento comercial, que era de propriedade de um tio meu. Este, para contornar a situação e não deixar de ajudar sua cunhada viúva, um dia, chamou-me à parte e perguntou-me se eu não gostaria de fazer um curso de eletrônica e me tornar um técnico em aparelhos elétricos, com possibilidades, segundo ele, de ganhar muito dinheiro futuramente. Não pensei duas vezes, topei o desafio.
Ele, então, encaminhou-me para uma seleção no Senai, em convênio com a Light. Feita a prova, em seguida a um psicotécnico, fui aprovado, junto com outros cerca de vinte aprendizes.
Como os cursos oferecidos deveriam ser preenchidos rigorosamente de acordo com a nota obtida na prova, sobraram para minha escolha carpintaria, eletricista e torneiro mecânico. Escolhi este, por verificar que quem trabalhava na carpintaria ficava com o macacão, que nos fora oferecido, cheio de serragem de madeira e os que optaram pelo ofício de eletricista eram chamados de “trepa-paus”, porque seriam treinados para subir em postes e instalar fios condutores de eletricidade nas ruas dos bairros do Rio de Janeiro. Desse modo, minha primeira profissão, originada de aulas teórico-práticas foi a de torneiro-mecânico.
Agora penso em filiar-me a algum partido político. Quem sabe, se com o curso de torneiro mecânico e o segundo grau completo eu não tenha uma chancezinha de ser um grande político aqui em Pasárgada? Dizem que falo muito bem a língua popular. E precisa mais que isso para ser eleito? Pra escrever não vai faltar cabo eleitoral de minha campanha no meu gabinete de deputado federal. Isso eu agarantio, sô!

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