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sábado, 11 de maio de 2013


Em dia com o Machado 49 (jlo)

               

                Boa-noite!

                Amigo leitor, hoje quero testar minha capacidade de comovê-lo. Se conseguir que ao menos um dos meus cinco ou seis leitores derrame uma só lágrima no que escrever, dou-me por satisfeito.
                Aliás, já deves ter notado que meus recados raramente provocam o riso e escassamente a ironia, não é mesmo, amiga leitora? Do lado de cá, descobri que o sentimento pode ser trabalhado sem subterfúgios. E resolvi tirar o véu da letra que mata e trabalhar o espírito que edifica.
                Vamos, pois, ao que interessa! Conversemos um pouco sobre aquela que é a verdadeira desgraça da humanidade: o consumo das drogas.
                No meu tempo, esse era um assunto quase completamente ignorado, pois pouco se sabia sobre a influência das drogas nas dopaminas, noradrenalinas, fenilalanina...
                Na época de minha adolescência, o máximo que presenciei, no morro do Livramento, nas proximidades da chácara de d. Maria, minha madrinha, foi o uso de marijuana, vulgo, maconha. Ainda assim, os poucos cidadãos que faziam uso do baseado, escondiam-se atrás das árvores, mortos de medo de serem presos pela polícia, que já naquele século baixava o porrete nos vagabundos que encontrava burlando a lei.
                O simples fato de não ter uma ocupação já era falta grave, punida com o xilindró.
                Infelizmente, porém, o tempo é cúmplice da inoperância das autoridades. No decurso dos anos, a repressão foi diminuindo, o contrabando das drogas foi aumentando, junto com seus usuários, e as drogas tornaram-se donas do pedaço.
                Com as informações sobre o barato dos entorpecentes, a adesão da classe média e alta crescendo cada vez mais, outras drogas foram surgindo, muito mais poderosas. Agora, o chique era consumir cocaína, mais tarde, LSD...
                Por fim, o crac se popularizou, e a miséria moral da sociedade ficou exposta nas ruas do meu belo Rio de Janeiro.
                Com o desencanto mundial sobre a finalidade mais elevada da vida, em virtude da falência da filosofia e das religiões e, consequentemente, do crescimento cada vez maior do materialismo, muitas pessoas perderam o entusiasmo pela conquista de um ideal superior e entraram em depressão. Não se sentindo confiantes nas aparências falaciosas dos templos religiosos e de seus correligionários, optaram pela autodestruição e buscaram, nas drogas, escapar das responsabilidades pessoais.
                Nem mesmo o sofrimento dos seus familiares, a angústia materna comoveu tais pessoas. Quem tinha algum bem consumia-o nos entorpecentes; quem não o tinha, sujeitava-se em ser usado por traficantes inescrupulosos. Surgem as mulas, verdadeiros trapos humanos, bestializados, vivendo como animais de carga, em troca de um pouco de crac, que os aliena deste mundo sem sentido em sua visão limitada pelo materialismo.
                Passados os anos, a maioria, senão todos, percebem que entraram num beco sem saída. Agora já não têm família, nem dignidade própria e vivem como verdadeiros zumbis, não sabendo se estão no corpo ou fora dele, se na vida terrena ou na espiritual que tanto negaram, mas que já a entrevêm pelo seu lado mais tenebroso: um verdadeiro inferno de espectros horripilantes, de animais e seres des-humanos, monstruosos. Não conseguem discernir nem mesmo a figura do provável companheiro ou companheira de infelicidade que está à sua frente e, não mais que de repente, transformam-se em um horripilantes monstros prontos a matar ou serem mortos. É quando, perdendo a noção da realidade, o filho mata o próprio pai, ou a própria mãe e vice-versa.
                Muitos já não têm residência fixa, vivem pelas ruas, anos a fio, do que conseguem por bem ou por mal, pois quando não lhes dão o suficiente para a compra das drogas não veem outra saída senão a de roubar ou assaltar. Até que, um dia, percebem estar num abismo sem fim, então querem socorro, mas não conseguem subsistir sem o tóxico que os consome.
                Se você, amiga leitora, deseja saber o que é o sofrimento moral levado ao extremo da resistência nas zonas umbralinas, confundidas com o inferno dantesco, sente, por alguns segundos que seja, o drama de uma mãe, que vagava, esqueleticamente, pelas ruas, quando foi encontrada por sua filha, escoltada pelos bons samaritanos de uma ONG voltada à desintoxicação e reabilitação social de drogados.
                Aquela criatura, negra, esquelética, desdentada, há dias que deambulava pelas encruzilhadas e becos, viadutos e sarjetas, disputando a tapas um pouco de crac para cheirar. Já não sabia o que era alimento para o corpo esquálido, só pensava em cheirar e viajar às regiões sombrias, para, depois, estirar-se, extenuada,  dormir um pouco, e, logo em seguida recomeçar sua interminável via-crucis.
                Não temos conta de quantas vezes, a filha a procurara, levara para seu modesto e digno lar, tentando tirá-la daquela vida e ela fugira. Quantas vezes a filha já a submetera a tratamento de desintoxicação química contra a sua vontade... Tudo isso agora lhe passava rapidamente pela vaga lembrança.
                Estava no fundo do poço... Ah, se pudesse encontrar novamente a filha querida...
                Da última vez, saíra de casa e dissera-lhe:
                — Vê se me esquece. Se estou nessa é porque gosto. Não se meta na minha vida... Fui... E foi-se, para não mais retornar.
                Isso ocorrera há alguns anos, mas agora lhe pareciam séculos.
                A filha, esgotados todos os recursos, apenas lhe deu o que pôde em roupas e dinheiro e pediu-lhe que ao menos não abandonasse o barraquinho onde ainda tinha alguns móveis velhos, um fogão, uma cama para dormir... Não sabia a jovem que a infeliz mulher optara por vender o que tinha para poder continuar sua vida de drogada, inclusive o próprio barraco.
                Agora, quando já nada possuía, quando até alguns dentes lhe foram arrancados por outros dependentes, agora, que até a roupa do corpo era a única que tinha, agora que sua vida era tão triste quanto a da mais triste mendiga, pensava na filha e vagava, chorava e caminhava sem rumo, desesperançada de qualquer amparo de quem quer que fosse vivo neste mundo. Pois, há dias, que lhe pareciam séculos, perambulava como um trapo, pelas ruas, dementada, faminta, intoxicada e  suplicava mentalmente:
                 — Socorro, meu Deus, socorro!... Não sou digna de procurar minha filha, de receber de novo seu carinho, pois infernizei sua vida, mas agora já não sei se estou viva ou morta... socoooro... soc...
                De repente, vê a distância um vulto, robusto, que se aproxima, acompanhado de perto por diversas pessoas com uma expressão de piedade no olhar. Era ela, meu Deus, era ela... Então diz-lhe, nas vascas da agonia, fala-lhe do fundo da alma, como se já não estivesse na terra. Sua voz soa como se viesse do além, comovendo-nos e levando-nos ao choro convulsivo:
                 — KELLY, KELLY... ME TIRA DAQUI! Tenho fome, minha filha... socorro... socorro...
                A filha abraça-a, chorando, e lhe diz, com profundo amor:
                — Sim, mamãe, nunca mais quero vê-la nesse estado...
                — Você está com nojo de mim, Kelly?
                — Não, mamãe, eu te amo...
                — E essas pessoas que estão atrás de você, quem são elas?
                — São médicos e enfermeiros que vão tratá-la com todo o carinho, para que a senhora nunca mais sofra.
                A Bondade Divina, mais uma vez, compensara, em sentimento, a Justiça! E a compaixão humana, novamente, renovara as esperanças num mundo melhor e mais fraterno.
 
               Passemos a palavra a Cruz e Sousa, vez que, na arte da poesia, tiro-lhe o chapéu:
 
                               Piedade
               O coração de todo ser humano
                Foi concebido para ter piedade,
                Para olhar e sentir com caridade,
                Ficar mais doce o eterno desengano.
 
Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade
De consolo e de afeto soberano.
 
               Sim! Que não ter um coração profundo
               É os olhos fechar à dor do mundo,
               Ficar inútil nos amargos trilhos.
 
É como se o meu ser compadecido,
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!
 
                Ao que nós completamos: Ou para amar e socorrer mamãe!
               
                Feliz dia das mães, leitora mãe!
 
                 Até a quinquagésima crônica, amigos leitores!

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