Em dia com o Machado
86 (jlo)
Bom-dia, amigas e amigos!
Conversávamos,
eu e Joteli, sobre a transcendental questão da brevidade existencial no corpo
físico. Dizia-lhe eu que...
—
Sobre minha vida, todos conhecem por demais. E é inútil dizer-lhe que nasci no
Morro do Livramento, em 21 de junho de 1839, tive como pais Francisco de Assis
e Maria Leopoldina Machado de Assis. Também é sabido que mamãe morreu quando eu
ainda não completara 10 anos (9a. e 7m.) e que papai se casou de novo, mas
desencarnou na época dos meus 25 anos (1864).
Antes de viajar para o reino da luz,
mamãe ainda enterrou minha irmã de apenas quatro aninhos, quando eu ainda
estava com seis. Chamava-se também Maria e morreu de sarampo. Foi chocante... A
ela dediquei, entre outros, o poema intitulado Um anjo, que começa e termina com a seguinte estrofe
(MAGALHÃES JÚNIOR, 2008, p. 17):
Foste a rosa desfolhada
Na
urna da eternidade
Pra sorrir mais animada,
Mais
bela, mais perfumada,
Lá
na etérea imensidade.
Em meu tempo,
morria-se epidemicamente. Quase ninguém podia garantir mais que trinta, trinta
e poucos anos no corpo carnal. Eu mesmo, aos dezesseis anos, cheguei a pensar
que jamais alcançaria a maturidade física e pensei em juntar-me a minha pobre e
querida mãe no céu:
Se perdi minha mãe sendo tão moço,
Se padeço de ti tanta saudade,
Não posso existir no mundo triste,
É melhor eu morrer já nesta idade!
Dos meus dez aos quinze anos,
dizem (eu mesmo nunca falei a respeito) que fui coroinha, que vendi balas e
doces num colégio, onde, da janela, acompanhava atentamente as aulas, as quais
não podia frequentar, que um forneiro de padaria e um padre me ensinaram
francês... Tudo especulação... Não falo, não falo, não falo... Leiam meu Conto de escola e verão que não fora tão
leigo como dizem ter sido. Acessem: www.dominiopublico.gov.br
e cliquem Machado de Assis: obra
completa.
Em 1854, quando eu já
estava com 15 anos, meu pai deu-me uma segunda mãe: dona Maria Inês da Silva.
Papai era pintor e pintava o sete com as mulheres, o bonitão de 46 anos que
tornou a se casar com a nova Maria de 33. A partir de então, deslanchei como
aprendiz de poeta, de tipografia e revisor, com a ajuda do mulato Paula Brito,
também autodidata, que ascendeu ao cargo de jornalista. Brito foi o poeta, dono
de tipografia, editor de jornais e amigo que apostou em meu futuro talento.
Meus primeiros
poemas, entretanto, eram ensaios medíocres que acabariam por me convencer a ser
um bom prosador. Deus, entretanto, tem um plano para cada um de seus filhos.
Comigo não foi diferente. Tive a felicidade de conhecer os mais brilhantes
poetas e romancistas da época, com quem aprendi que meu futuro estava nos
contos e romances, ainda que me chamassem de “poeta Machadinho” nos primeiros
anos de subproduções literárias. Ó tempos! Ó tempos!
Tempos que passaram
velozmente. Conheci o amor de minha vida, portuguesa culta e formosa, Carolina,
minha secretária, revisora, coautora anônima e fã número um. Com ela,
aperfeiçoei meu francês e meu inglês. Como te amo, Carol, flor de meu jardim
celestial. Sem você, não teria alcançado os píncaros da glória literária, minha
alma gêmea!
Tempos em que, além
de Paula Brito, Manuel Antônio de Almeida também me deu emprego na Tipografia
Nacional e me abriu as portas à participação em diversos periódicos, na revisão
de textos, críticas literárias, coautor da edição da obra Brasil pitoresco, autor das primeiras crônicas e dos primeiros
contos...
Tive um bom
relacionamento com Charles Ribeyrolles, Victor Frond e outros amigos franceses, o que
me permitiu aprimorar meu francês. Nunca me esqueço de quando, aos vinte anos,
fui convidado para uma festa em homenagem ao nascimento de seu filho, na casa
de Victor Frond. Nesse dia, Ribeyrolles improvisou um poema, em versos
alexandrinos, com rimas cruzadas, em homenagem ao menino Charles Frond,
intitulado “Souvenirs d’Exil”, com
cinco estrofes que, não fora o espaço curto, as reproduziria aqui.
Imediatamente, traduzi os belos versos franceses para a nossa língua, com as
mesmas rimas cruzadas e também em alexandrinos. Todos nos aplaudiram,
admirados. Coisas da juventude, coisas da juventude... (MAGALHÃES JÚNIOR, 2008,
p. 110- 112).
Estávamos em 27 de
janeiro de 1859... Eu ainda viveria outros 49 anos, que passariam céleres,
desde então.
Ah, você ficou
curioso, amigo leitor, e não tem a obra que narra minha proeza dos vinte anos!?
Se insistir, e pedir-me delicadamente, terei prazer em publicar os dois poemas
no blog do Joteli, o do francês e o meu; mas só se houver ao menos cinco pedidos:
dois masculinos e três femininos. Afinal, estamos na era do matriarcado... ou
não?
Dias depois, eu mesmo
escrevi um poema em francês, com versos alexandrinos, em homenagem ao filho do
nosso amigo Victor Frond (MAGALHÃES JÚNIOR, 2008, p. 113- 114). Esse só
publicarei atendendo ao pedido de ao menos uma leitora francesa. Afinal, mãe é
mãe...
Para não te cansar,
Joteli, e muito menos aos meus seis ou sete leitores, vou ficar por aqui...
— Podemos continuar
na próxima semana, Machado?
— Se meu fígado o permitir, talvez
eu continue esse relato nada original...
— Ainda assim,
gostaria de ouvi-lo, principalmente, saber de você o que o levou a trocar a
poesia pela prosa.
— Aguarda, meu
jovem... Quem sabe um dia eu mate tua curiosidade... Quem o sabe?
— Não sou tão jovem,
mas lhe agradeço a referência...
— Meu caro, estamos
conversando sobre a brevidade da vida. No meu tempo, passou dos cinquenta anos
já estava no lucro; hoje, a vida média do brasileiro é de 75 anos, mas ainda
mesmo que se chegue a 104, como o grande arquiteto Oscar Niemeyer, a vida “é um
sopro”. E não sou eu quem o diz; foi ele mesmo quem o afirmou no momento da
transição para o lado de cá.
— Agora sou obrigado
a discordar de você, meu caro imortal. Como diz Roberto Carlos, em bela música,
“Só se vive uma vez”...
— Você tem toda a
razão, Joteli, a vida é única, o que é múltiplo são as existências.
— Eis aqui um desafio
para o nosso amigo Astolfo resolver, Machado: “[...] o que é múltiplo são as
existências”, ou “[...] o que são múltiplas são as existências”; ou seria "[...]
o que é múltipla é a existência"?
Com a palavra, o
professor Astolfo.
— To be or not to be... Eis a grande
dúvida do ser, meu caro Joteli.
Eu, por mim, fico com
qualquer opção das frases citadas. Afinal, não sou professor de gramática e sim
um defunto escritor... Ou seria um escritor defunto?
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