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terça-feira, 20 de agosto de 2019




EM DIA COM O MACHADO 381:
 ensino e democracia (jó)

— Quando eu era mais jovem... Isso significa que ainda sou jovem, apenas me refiro à época em que era menos velho, ou, melhor dizendo, quando tinha menos idade...
— Mas agora o senhor tem mais idade e, portanto, é idoso?
— De jeito nenhum! Jovialidade é cousa que não se mensura pelos anos dum gajo...
— Está vendo, galego? Até seu vocabulário é arcaico: “cousa” e não “coisa”; “mensura” e não “mede”; “pelos anos” e não “pela idade”; “ dum gajo” e não “de uma pessoa”. Será que o senhor ainda não percebeu que estamos no tempo em que não se admite machismo, nem mesmo na linguagem?
Esse diálogo hipotético, em Lisboa, entre mim e minha interlocutora portuguesa, demonstra que até mesmo as línguas mais conservadoras evoluem com o passar do tempo. No Brasil, principalmente, a transformação da língua evolui com a velocidade da internet. Precisei elaborar um artigo, baseado em comunicado de congresso literário do qual participei, em julho deste ano, e confesso que a praticidade com que moldei meu artigo, sobre o modelo a mim remetido, pós-congresso, por E-mail, permitiu-me, em poucas horas, fazer o que levaria, há quarenta anos, dias de trabalho.
Fico imaginando a possibilidade de um cidadão comum, do século XIX, de Machado de Assis, entrar numa máquina do futuro e, desejoso de participar duma atividade literária qualquer, ver-se, hoje, diante de um computador. Após abrir a tela, aparece-lhe, no site dessa máquina, diversas palavras: home page, login, upload... O cidadão brasileiro do passado nada entenderia sobre esses vocábulos, atualmente conhecidos por nossas crianças, que já nascem segurando um fone e passando seu dedinho sobre os vários links dessa maquininha, que substitui seus pais na função de educar. Estes, por sua vez, nessa hora, estão ocupados com algum chat da rede mundial de comunicação, onde quase tudo é postado, em especial fakes.
O homem, assustado, pediria: — Moço, traduz para mim essas palavras, por favor.
— Simples assim, amigo ultrapassado: home page é página inicial, login significa entrar e upload nada mais é que envio. É o que lhe diríamos.
            E o pobre, sentindo-se indisposto, proporia: — Não seria melhor falar tudo em português? Desse jeito, prefiro retroagir ao período que antecedeu meu tempo e correr pelas planícies ledas do século XIII, em busca de Dom Dinis, o rei poeta de Portugal. Sou mais o cancioneiro desse tempo feliz, que esse linguajar de máquina ultriz.
            E não duvido muito que não lhe faltariam boas companhias.
            Aqui no Distrito Federal, o secretário de educação foi dispensado por considerar antidemocrático obrigar uma escola da região administrativa de Samambaia a adotar o sistema militar de ensino.
Nada tenho contra os militares, mas, no meu tempo de professor de língua portuguesa para crianças e jovens, duma dessas escolas de Samambaia, presenciei coisas bastante democráticas. Uma delas foi, um dia, deparar-me, no trânsito, com uma viatura da polícia acionando sua sirene, quando me aproximava, de automóvel, da escola. Ao olhar, rapidamente, para aquele carro, em alta velocidade, ainda tive tempo de ver o braço armado de um policial fora da sua janela dianteira.
            Ao chegar à instituição, soube que um professor havia levado um tiro de aluno que se evadira após o crime. Isso foi há 25 anos. Depois, pedi demissão, mas as crianças da escola eram uns amores e tinham-me o maior respeito. É certo que, por vezes, eu quase quebrava minha régua de 50 cm na mesa, exigindo silêncio, o que pouco adiantava, mas elas me adoravam...
Nunca me esqueço do dia em que a diretora daquele núcleo escolar providenciou um tratamento para erradicação de piolhos que residiam nas cabeças de lindas meninas e meninos. Quase apanhou de algumas mães... Quanto amor...
De anos para cá, tenho visto na TV notícias de que diversas professoras vêm sendo surradas por seus alunos. Alguns mestres são hospitalizados em estado grave. Há casos de alunos que vão armados para as escolas. Não somente com facas, como até mesmo com revólveres. E tanto sobram balas para os colegas como para professores e diretoras.
Isso para mim, também, nunca foi novidade, pois quando lecionei na rede de ensino particular chamada Compacto, agora extinta,  certa noite, uma de minhas alunas exibiu uma pistola 45, que retirou de sua bolsa. Ao ser questionada sobre o uso do “cospe fogo”, respondeu que era para garantia de sua própria segurança. Ainda bem!
Então, caros leitores, concluo esta já longa crônica expressando minha estranheza pela demissão do secretário de educação de Brasília. Afinal, coitadas de nossas crianças e jovens. Ensino nos moldes militares para quê? Cadê a democracia?

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