ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE
SONETOS DE CRUZ E SOUSA – VII
Amiga leitora, para a análise de hoje vou reproduzir uma frase de Allan Kardec em obra que recomendo a todo neófito e incipiente leitor ávido de conhecer ou mesmo "desmontar um por um os argumentos" de nossa amada Doutrina Espírita, como se ela fosse fruto da imaginação do Codificador do Espiritismo, como é conhecido Kardec. A seguir, transcreverei a frase de um visitante cético, indicado pela letra V abaixo, após diversas considerações do Codificador (A.K.) com suas respostas de denodado respeito e humildade:
V. — Tínheis razão de dizer, senhor, que das mesas girantes saiu uma
doutrina filosófica, e longe estava eu de suspeitar as consequências que
poderiam surgir de um fato encarado como simples objeto de curiosidade. Agora
vejo quanto é vasto o campo aberto pelo vosso sistema.
A. K. — Nisso vos contesto, caro senhor; dais-me subida honra
atribuindo-me esse sistema quando ele não me pertence. Ele foi totalmente
deduzido do ensino dos Espíritos. Vi, observei, coordenei e procuro fazer que
os outros compreendam aquilo que compreendo; esta é a parte que me cabe. Entre
o Espiritismo e outros sistemas filosóficos há esta diferença capital: que
estes são, todos, obra de homens, mais ou menos esclarecidos, ao passo que
naquele que me atribuís, eu não tenho o mérito da invenção de um só
princípio. Diz-se: a filosofia de Platão, de Descartes, de Leibnitz;
nunca se poderá dizer: a doutrina de Allan Kardec; e isto felizmente, pois que
valor pode ter um nome em assunto de tamanha gravidade? O Espiritismo tem
auxiliares de maior preponderância, ao lado dos quais não passamos de simples
átomos (KARDEC, 2009, p. 102). Destaque meu.
Ou seja, a doutrina (e não teoria) e
suas consequências filosófico-científica e moral são dos Espíritos.
Carlos Dante de Moraes diz sobre o
Simbolismo em Cruz e Sousa que "A espiritualização progressiva da sua
poesia não o leva a comunicar-se com o mundo envolvente, mas a fugir dele, a
fechar-se em si mesmo, numa depuração moral quase ascética, e a desejar
obsessivamente o outro mundo" (MORAES, in COUTINHO, 1979, p. 283).
Confirma essa impressão o que lemos no soneto abaixo do Cisne Negro,
epíteto dado a Cruz e Sousa por Andrade Muricy (COUTINHO, op. cit., p. 61).
Passemos, então, à análise dos próximos
sonetos de Cruz e Sousa.
- Crê!
- Vê como a Dor te transcendentaliza!
- Mas do fundo da Dor crê nobremente.
- Transfigura o teu ser na força crente
- Que tudo torna belo e diviniza.
- Que seja a Crença uma celeste brisa
- Inflando as velas dos batéis do Oriente
- Do teu Sonho supremo, onipotente,
- Que nos astros do céu se cristaliza.
- Tua alma e coração fiquem mais graves,
- Iluminados por carinhos suaves,
- Na doçura imortal sorrindo e crendo...
- Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
- De uma Esfera de cânticos, bendita,
- Para andar crendo e para andar gemendo!
Informa-nos Andrade Muricy (id, p. 73)
que o americano Samuel Putnan escreveu, in Marvelous Journey: Four
Centuries of Brazilian Literature, de Nova Iorque, em 1948, que Cruz e
Sousa é "[...] one of the most unusual and fascinating poets that ever
wrote in any country in any age"[1].
Depois que voltou ao Mundo de
Origem de todos nós, pela psicografia de Chico Xavier, o Espírito Cruz
e Sousa, liberto das algemas da carne, recomenda-nos
- Ama e Espera
- Emudece o teu pranto. Cala o grito
- De revolta na dor que te encarcera...
- Por mais negra, mais rude, mais sincera
- A mágoa estranha de teu peito aflito.
- Em toda a Terra há lágrima e conflito,
- Ruínas do mundo que se desespera...
- Ama e sofre, trabalha e persevera
- Na esperança de paz e de infinito.
- Peregrino de campo atormentado,
- Rompe os elos e as trevas do passado,
- Fita a luz do porvir resplandecente...
- Muito além do terrível sorvedouro,
- Nas estradas liriais de acanto e louro,
- O sol do amor refulge eternamente.
- (XAVIER, 2014, p. 138)
Esclarece-nos Sousa
(2004, p. 29) que o Espírito comunicante "[...]
transmite ideias que devem ser expressas na forma ou linguagem própria do
médium e devendo ser obrigatoriamente, por razões éticas, as mais fiéis relativamente
às intenções do comunicante". Esse mesmo meio de comunicação estaria
"[...] na raiz das ideias expressadas por Noam Chomsky e por Henri
Saussure relativamente à distinção entre língua e linguagem". Completa
Sousa que, para Chomsky, a "linguagem é universal", mas lembramos que
seu uso é individual. Para captarmos o mais fielmente possível o pensamento do
Espírito comunicante, é preciso muito preparo intelectual e moral. É o que
encontramos em médiuns como Chico Xavier, Zilda Gama, Divaldo Franco,Yvonne
Pereira, Raul Teixeira e outros médiuns brasileiros do passado e do
presente.
Dentre estes, os de pouquíssima
escolaridade foram Chico Xavier e Yvonne Pereira que, obedientes à orientação
espiritual de seus mentores, liam muito. Dessa forma, seus arquivos mentais
tornaram-se facilmente sintonizados com o que os Espíritos lhes desejavam
comunicar.
Segundo Allan Kardec, o conhecimento e
prática da Doutrina Espírita requerem seriedade, perseverança, assiduidade e
observação atenta durante muito tempo. O Espiritismo não é uma ciência como a
Física, a Matemática, a Química ou a Biologia. Requer todo um estudo teórico e
a metodologia baseada na observação, comparação e análise dos fatos para, em
decorrência destes, conhecer as leis que os regem, deduzir-lhe as consequências
e aplicá-las utilmente. Entretanto, completa:
Os Espíritos gostam dos observadores assíduos e conscienciosos; para
estes, eles multiplicam as fontes de luz; o que os afugenta não é a dúvida que
nasce da ignorância, mas a presunção desses supostos observadores que nada
observam, que desejam colocá-los no banco dos réus e fazê-los se moverem como
marionetes; é, sobretudo, o sentimento de hostilidade e descrédito que
alberguem em seus pensamentos, quando não o traduzem por palavras. Para esses
tais, os Espíritos nada fazem, pouco se importando com o que possam dizer ou
pensar, porque a vez deles também chegará. É por isso que eu vos dizia, poucas
linhas atrás, que não é a fé antecipada o que estamos pedindo, mas sim a
boa-fé. (KARDEC, 2009. p. 61)
O Espírito, enquanto encarnado, tem uma
visão da vida que depende muito de seus conhecimentos trazidos de vidas
anteriores. É o que se esconde no id (inconsciente) desde que se é criança,
para se manifestar no ego (consciente). O superego será o elemento do ser que o
fará transcender os conhecimentos adquiridos na existência atual, estimulados,
entretanto, por estes. Em Cruz e Sousa, o superego foi estimulado em vida pelos
estudos que fez relacionados aos aspectos místico e transcendente. Tanto é
assim que os críticos da obra desse poeta se vêm perplexos com a manifestação
de seu estilo metafísico e religioso que, no entanto, se afasta da crença
católica, mas se harmoniza com o Budismo e o Espiritismo.
Referências
COUTINHO,
Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4).
KARDEC, Allan. O
que é o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB,
2009. Boa ou má vontade dos Espíritos para convencer.
SOUSA, Jorge
de. Quem é o Autor? Um ensaio sobre as mediunidades
intuitiva e de inspiração. Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.
XAVIER, Francisco
Cândido. Relicário de Luz. Por Espíritos diversos. 7. ed. 2. imp.
Brasília: FEB, 2014. Cruz e Souza.
[1] Em Jornada Maravilhosa:
Quatro Séculos de Literatura Brasileira: um dos mais singulares e fascinantes
poetas de qualquer país e de qualquer tempo.
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