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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – VII

           

            Amiga leitora, para a análise de hoje vou reproduzir uma frase de Allan Kardec em obra que recomendo a todo neófito e incipiente leitor ávido de conhecer ou mesmo "desmontar um por um os argumentos" de nossa amada Doutrina Espírita, como se ela fosse fruto da imaginação do Codificador do Espiritismo, como é conhecido Kardec. A seguir, transcreverei a frase de um visitante cético, indicado pela letra V abaixo, após diversas considerações do Codificador (A.K.) com suas respostas de denodado respeito e humildade:

 

V. — Tínheis razão de dizer, senhor, que das mesas girantes saiu uma doutrina filosófica, e longe estava eu de suspeitar as consequências que poderiam surgir de um fato encarado como simples objeto de curiosidade. Agora vejo quanto é vasto o campo aberto pelo vosso sistema.

A. K. — Nisso vos contesto, caro senhor; dais-me subida honra atribuindo-me esse sistema quando ele não me pertence. Ele foi totalmente deduzido do ensino dos Espíritos. Vi, observei, coordenei e procuro fazer que os outros compreendam aquilo que compreendo; esta é a parte que me cabe. Entre o Espiritismo e outros sistemas filosóficos há esta diferença capital: que estes são, todos, obra de homens, mais ou menos esclarecidos, ao passo que naquele que me atribuís, eu não tenho o mérito da invenção de um só princípio. Diz-se: a filosofia de Platão, de Descartes, de Leibnitz; nunca se poderá dizer: a doutrina de Allan Kardec; e isto felizmente, pois que valor pode ter um nome em assunto de tamanha gravidade? O Espiritismo tem auxiliares de maior preponderância, ao lado dos quais não passamos de simples átomos (KARDEC, 2009, p. 102). Destaque meu.

 

                Ou seja, a doutrina (e não teoria) e suas consequências filosófico-científica e moral são dos Espíritos.

         Carlos Dante de Moraes diz sobre o Simbolismo em Cruz e Sousa que "A espiritualização progressiva da sua poesia não o leva a comunicar-se com o mundo envolvente, mas a fugir dele, a fechar-se em si mesmo, numa depuração moral quase ascética, e a desejar obsessivamente o outro mundo" (MORAES, in COUTINHO, 1979, p. 283). Confirma essa impressão o que lemos no soneto abaixo do Cisne Negro, epíteto dado a Cruz e Sousa por Andrade Muricy (COUTINHO, op. cit., p. 61).

         Passemos, então, à análise dos próximos sonetos de Cruz e Sousa.

 

  • Crê!
  •  
  • Vê como a Dor te transcendentaliza!
  • Mas do fundo da Dor crê nobremente.
  • Transfigura o teu ser na força crente
  • Que tudo torna belo e diviniza.
  •  
  • Que seja a Crença uma celeste brisa
  • Inflando as velas dos batéis do Oriente
  • Do teu Sonho supremo, onipotente,
  • Que nos astros do céu se cristaliza.
  •  
  • Tua alma e coração fiquem mais graves,
  • Iluminados por carinhos suaves,
  • Na doçura imortal sorrindo e crendo...
  •  
  • Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
  • De uma Esfera de cânticos, bendita,
  • Para andar crendo e para andar gemendo!

 

         Informa-nos Andrade Muricy (id, p. 73) que o americano Samuel Putnan escreveu, in Marvelous Journey: Four Centuries of Brazilian Literature, de Nova Iorque, em 1948, que Cruz e Sousa é "[...] one of the most unusual and fascinating poets that ever wrote in any country in any age"[1].

         Depois que voltou ao Mundo de Origem de todos nós, pela psicografia de Chico Xavier, o Espírito Cruz e Sousa, liberto das algemas da carne, recomenda-nos

 

  • Ama e Espera

  • Emudece o teu pranto. Cala o grito
  • De revolta na dor que te encarcera...
  • Por mais negra, mais rude, mais sincera
  • A mágoa estranha de teu peito aflito.
  •  
  • Em toda a Terra há lágrima e conflito,
  • Ruínas do mundo que se desespera...
  • Ama e sofre, trabalha e persevera
  • Na esperança de paz e de infinito.
  •  
  • Peregrino de campo atormentado,
  • Rompe os elos e as trevas do passado,
  • Fita a luz do porvir resplandecente...
  •  
  • Muito além do terrível sorvedouro,
  • Nas estradas liriais de acanto e louro,
  • O sol do amor refulge eternamente.
  • (XAVIER, 2014, p. 138)

 

         Esclarece-nos  Sousa  (2004,  p. 29)  que  o Espírito comunicante "[...] transmite ideias que devem ser expressas na forma ou linguagem própria do médium e devendo ser obrigatoriamente, por razões éticas, as mais fiéis relativamente às intenções do comunicante". Esse mesmo meio de comunicação estaria "[...] na raiz das ideias expressadas por Noam Chomsky e por Henri Saussure relativamente à distinção entre língua e linguagem". Completa Sousa que, para Chomsky, a "linguagem é universal", mas lembramos que seu uso é individual. Para captarmos o mais fielmente possível o pensamento do Espírito comunicante, é preciso muito preparo intelectual e moral. É o que encontramos em médiuns como Chico Xavier, Zilda Gama, Divaldo Franco,Yvonne Pereira, Raul Teixeira e outros médiuns brasileiros do passado e do presente. 

         Dentre estes, os de pouquíssima escolaridade foram Chico Xavier e Yvonne Pereira que, obedientes à orientação espiritual de seus mentores, liam muito. Dessa forma, seus arquivos mentais tornaram-se facilmente sintonizados com o que os Espíritos lhes desejavam comunicar.

         Segundo Allan Kardec, o conhecimento e prática da Doutrina Espírita requerem seriedade, perseverança, assiduidade e observação atenta durante muito tempo. O Espiritismo não é uma ciência como a Física, a Matemática, a Química ou a Biologia. Requer todo um estudo teórico e a metodologia baseada na observação, comparação e análise dos fatos para, em decorrência destes, conhecer as leis que os regem, deduzir-lhe as consequências e aplicá-las utilmente. Entretanto, completa:

 

Os Espíritos gostam dos observadores assíduos e conscienciosos; para estes, eles multiplicam as fontes de luz; o que os afugenta não é a dúvida que nasce da ignorância, mas a presunção desses supostos observadores que nada observam, que desejam colocá-los no banco dos réus e fazê-los se moverem como marionetes; é, sobretudo, o sentimento de hostilidade e descrédito que alberguem em seus pensamentos, quando não o traduzem por palavras. Para esses tais, os Espíritos nada fazem, pouco se importando com o que possam dizer ou pensar, porque a vez deles também chegará. É por isso que eu vos dizia, poucas linhas atrás, que não é a fé antecipada o que estamos pedindo, mas sim a boa-fé. (KARDEC, 2009. p. 61)

           

         O Espírito, enquanto encarnado, tem uma visão da vida que depende muito de seus conhecimentos trazidos de vidas anteriores. É o que se esconde no id (inconsciente) desde que se é criança, para se manifestar no ego (consciente). O superego será o elemento do ser que o fará transcender os conhecimentos adquiridos na existência atual, estimulados, entretanto, por estes. Em Cruz e Sousa, o superego foi estimulado em vida pelos estudos que fez relacionados aos aspectos místico e transcendente. Tanto é assim que os críticos da obra desse poeta se vêm perplexos com a manifestação de seu estilo metafísico e religioso que, no entanto, se afasta da crença católica, mas se harmoniza com o Budismo e o Espiritismo.

Referências

COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4).

KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Boa ou má vontade dos Espíritos para convencer.

SOUSA, Jorge de.  Quem é o Autor? Um ensaio sobre as mediunidades intuitiva e de inspiração. Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.

XAVIER, Francisco Cândido. Relicário de Luz. Por Espíritos diversos. 7. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. Cruz e Souza.

 


[1] Em Jornada Maravilhosa: Quatro Séculos de Literatura Brasileira: um dos mais singulares e fascinantes poetas de qualquer país e de qualquer tempo.

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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