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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – 10



Cruz e Sousa era um autêntico nefelibata, mas nefelibata sublime, daqueles que estão acima das nuvens, além do céu visível, para lá do infinito. Este soneto expressa bem seu anseio de imortalidade:

      Triunfo supremo

 

  • Quem anda pelas lágrimas perdido,               
  • Sonâmbulo dos trágicos flagelos,                  
  • É quem deixou para sempre esquecido           
  • O mundo e os fúteis ouropéis mais belos!                  
  •  
  • É quem ficou do mundo redimido,     
  • Expurgado dos vícios mais singelos              
  • E disse a tudo o adeus indefinido                  
  • E desprendeu-se dos carnais anelos!              
  •  
  • É quem entrou por todas as batalhas              
  • As mãos e os pés e o flanco ensanguentando,
  • Amortalhado em todas as mortalhas.             
  •  
  • Quem florestas e mares foi rasgando             
  • E entre raios, pedradas e metralhas,               
  • Ficou gemendo, mas ficou sonhando!

  

Walter M. Barbosa, no artigo intitulado Aspectos Metafísicos no Simbolismo de Cruz e Sousa, compara a poesia deste à de Antero de Quental e Augusto dos Anjos, no que se refere ao destaque elevado da angústia metafísica presente nos sonetos desses três grandes poetas. Mas se Quental não conseguiu conciliar sua alma religiosa com o negativismo filosófico, e Anjos via, na filosofia de Haeckel, o alimento vital fecundante do espírito, Sousa ascendeu do "efêmero para o eterno", conclui Barbosa (1979, p. 354). Para nós, Cruz e Sousa identificou-se tanto com a filosofia socrática e platônica quanto com a do Espiritismo, ainda que, no último caso, inconscientemente.

Em nota de rodapé, na obra Cruz e Sousa: poesia, Tasso da Silveira (1982, p. 90) refere-se aos dois últimos versos deste soneto como sintetizadores do destino do poeta na expressão de "[...] sua total dignidade de sentimento e de espírito". Por isso, foram "recortados em bronze" e inseridos "[...] como legenda no monumento funerário erguido à memória do poeta no Cemitério de S. Francisco Xavier [...]" no Rio de Janeiro.

            E que diríamos, se na prática da alteridade, como nos propõe Mikhail Bakhtin, nos víssemos, como o poeta, em corpo espiritual semelhante ao que deixamos sob a terra? Se percebêssemos, como nos ensina Platão, que o mundo das ideias é real e que nossa alma, liberta do casulo carnal, o conserva, ao adentrar em um plano de existência maravilhoso, como o idealizado pelos santos? Com certeza, nos incentivaríamos, como Cruz e Sousa, a expressar nossa gratidão ao Ser Supremo por nos confirmar tudo o que, enquanto no corpo, sonhamos ser verdadeiro. É o que o poeta faz neste poema psicografado por Chico Xavier:

 

Página de louvor

 

Glória aos heróis da crença soberana

Em cujo amor a terra se redime,

Portadores da fé pura e sublime

De que a luz evangélica se ufana!

 

Glória à dilacerada caravana

Que combate a impiedade, a sombra e o crime,

Embora o mundo que a persegue e oprime

Sob as pedradas de miséria humana!

 

Louvor eterno aos grandes infelizes

Que se cobrem de estranhas cicatrizes

Sem abrigo de paz que os reconforte!

 

São vanguardeiros a que o Céu se ajusta

Resplandecendo de beleza augusta,

Na passagem divina, além da morte...

 

            Diz-nos Jorge de Souza que: "Cruz e Souza [...] retorna do Além pela psicografia para ensinar-nos as verdades capazes de explicar e, sobretudo, de possibilitar-nos uma autêntica postura cristã diante dos verdadeiros desgraçados das tragédias humanas" (SOUZA, 2004, p. 53). Em seguida, completa ensinando que desgraçado, mesmo, é quem pratica crimes e semeia o mal. Esses colherão os frutos do que, por ora, estão plantando. Os grandes missionários, porém, escolhem uma existência de lutas, de perseguições, "pedradas" para nos exemplificar a renúncia, exercitar o perdão e o amor, qualidades que nos farão felizes antes mesmo de retornarmos ao mundo espiritual, onde se situa nossa pátria verdadeira.

 

Referências

BARBOSA, Walter M. Aspectos Metafísicos no Simbolismo de Cruz e Sousa. In: COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa. Coletânea organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979  (Coleção Fortuna crítica, v. 4).

GERALDO, José. Cem anos com Cruz e Sousa. 2. ed. Brasília: CEUB: LGE Editora, 1998, p. 115.

SOUSA, Cruz e. Cruz e Sousa: poesia. Por Tasso da Silveira. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir (Nossos clássicos; 4), 1982.

SOUSA, Cruz e. (Espírito). In: ESPÍRITOS Diversos. Relicário de luz. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 7. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014, p. 98.

SOUZA, Jorge de. Quem é o autor? Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.

 

 

 



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