ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – 9
Segundo Caldeira (2020, it. 6.3), há 1.500 a.C, ou
seja, 3.520 anos atrás, foram publicados livros com a "experiência
sensorial do sagrado", na Índia, conhecidos como Os Vedas. Os
livros que compõe essa obra são quatro: 1º) Rigveda,
com 1028 hinos, é o mais antigo. Compõe-se de hinos ou louvações; 2º) Yajurveda: obra com fórmulas para serem lidas
durante os sacrifícios à divindade; 3º) Samaveda:
de contos litúrgicos e rituais compõe-se esta obra; e 4º) Atharvaveda: livro sobre magias e
encantamentos destinados a curas, longevidade etc.
São livros elaborados em forma de poesia. Neles,
verificamos que a poética foi uma das primeiras artes na busca de comunicação
entre a humanidade e Deus. Na manifestação lírica, observamos o culto do belo, do
som, no anseio de perfeição e, por consequência, de integração com o Eterno, como
consolo às dores mundanas e esperança de sobrevivência num mundo metafísico,
bem melhor, como vemos nos sonetos simbolistas de Cruz e Sousa, como este:
Clamor
supremo
Vem
comigo por estas cordilheiras!
Põe teu
manto e bordão e vem comigo,
Atravessa
as montanhas sobranceiras
E nada
temas do mortal Perigo!
Sigamos
para as guerras condoreiras!
Vem,
resoluto, que eu irei contigo.
Dentre as
Águias e as chamas feiticeiras,
Só tenho
a Natureza por abrigo.
Rasga
florestas, bebe o sangue todo
Da Terra
e transfigura em astros lodo,
O próprio
lodo torna mais fecundo.
Basta
trazer um coração perfeito,
Alma de
eleito, Sentimento eleito
Para
abalar de lado a lado o mundo!
Cruz e Sousa parece estar
plenamente integrado ao sagrado neste poema. Para alcançar a ventura celeste, é
preciso lutar contra os inimigos que se ocultam na Natureza, purificar-se e,
desse modo, tornar-se eleito. É preciso coragem, nessa empreitada, mas o
convidado não seguirá só. Terá a companhia do poeta, nessa viagem por entre "Águias"
e "chamas feiticeiras".
Porém, como condores, aves
imensas que voam alto, ambos vencerão essa luta do bem contra o mal, este representado
pelas águias devoradoras, que são as inteligências perversas, e seu fogo
enfeitiçador. Para tanto, há uma condição: é preciso ter o "coração
perfeito dos eleitos". Esses são os que já estão na condição de trabalho
interior que, pela sua vitória no combate às mazelas físicas, sorveram o sangue
terreno e se uniram aos que se doam por uma causa nobre. A transformação do
lodo em astros é a superação da matéria pela iluminação do espírito. Eleito só
será o ser que souber vencer, com o poeta, essa "guerra". Somente
assim, o mundo será abalado, ou seja, pelo incentivo à luta contra tudo e
contra todos os seres da Natureza material.
Da vida espiritual, o poeta
confirma a excelência de seu clamor com o convite intitulado
Segue e confia
Vive na
eterna luz que aperfeiçoa
A
compreensão da vida clara e imensa.
Servindo
ao mundo, alheio a recompensa,
Cultivando
a humildade terna e boa.
Seja a
esperança a lúcida coroa
Com que
brilhes na sombra fria e densa
Da noite
da maldade e da descrença
Que
perturba, destrói e amaldiçoa.
Sob as
desilusões, penas e assombros,
Não
sepultes teus sonhos nos escombros
Do amargo
desalento que te invade!
Rota a
veste de carne que redime,
Encontrarás
a luz pura e sublime
No divino
país da Eternidade.
Aos que estranham a preferência do Espírito liberto
da matéria no enfoque temático, agora voltado para a essência espiritual, e não
mais para a luta contra as misérias da matéria, cito para reflexão uma questão d'O
livro dos espíritos e sua resposta abaixo:
— As
ideias dos Espíritos se modificam no estado errante?
— Muito,
sofrem grandes modificações, à medida que o Espírito se desmaterializa. Às
vezes, ele pode permanecer muito tempo com as mesmas ideias, mas, pouco a
pouco, a influência da matéria diminui e o Espírito vê as coisas mais
claramente. É então que procura os meios de se tornar melhor. (KARDEC, 2017, questão
318)
Em relação a Cruz e Sousa, quase nada se modificou
nos planos físico e espiritual. Já desde encarnado, o poeta se espiritualizara.
Apenas o enfoque, que antes estivera mais centrado nas lutas contra o
preconceito racial e as dores causadas pela rejeição da sociedade, a sede,
mesmo, de reconhecimento transcendente à mera questão étnica, agora se volta
para as compensações reservadas a quem tem fé e esperança. O poeta, do além, promete a quem "segue e
confia" um mundo onde são compensados todos os sofrimentos e todas as
humilhações, por nivelar os Espíritos consoante sua elevação moral e espiritual
e não mais pelas aquisições da matéria e poder temporário.
Referências
CALDEIRA, Wesley. Deus: antes e depois de Jesus. Brasília: FEB, 2020 (no prelo), item 6.3 Os Vedas: o fôlego do eterno.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 4. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2017. Livro seg, cap. 6, p. 181.
SOUSA, Cruz e. Cruz e Sousa: poesia. Por Tasso da Silveira. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir (Nossos clássicos; 4), 1982, p. 88.
SOUSA, Cruz e. (Espírito).
In: ESPÍRITOS Diversos. Relicário de luz. Psicografado por Francisco Cândido
Xavier. 7. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014, p. 53.
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