EM DIA COM O MACHADO 603:
Moutinho e o Bom Senso na Prática Mediúnica (Irmão Jó)
No dia 21 de novembro
de 2022, faleceu em Brasília o Sr. João de Jesus Moutinho em avançada idade.
Mineiro de Araguari, o Sr. Moutinho, como era conhecido, estava na faixa dos 96
anos, quando desencarnou de madrugada.
Ele começou sua
atividade espírita aos 20 anos, como palestrante e pesquisador. Então, foram 76
anos de prolífica atuação na seara espírita.
Conforme lemos no
site da Federação Espírita Brasileira (FEB), que publicou resumidamente sua
atuação, aqui em Brasília, desde 1973, Moutinho atuou nessa casa. E, em 1978,
foi eleito seu diretor, ficando no cargo até 1986, quando assumiu a direção da
Federação Espírita do Distrito Federal, permanecendo nessa função até 2004.
Moutinho publicou,
pela FEB, quatro obras: Notícias do Reino, Os profetas, Respigas
de Luz e O Evangelho sem Mistérios nem véus.
Em crônica irônica,
publicada na Gazeta de Notícias, em 5 de outubro de 1885, Machado de
Assis afirma que esteve na Federação Espírita Brasileira e, entre outras
coisas, disse que ia fundar uma “igreja espírita” em Santo Antônio de Pádua,
mas foi impedido pelo código de posturas da Câmara Municipal da cidade, onde se
lia, no artigo 113 do código: “Fica proibido fingir-se de inspirado por
potências invisíveis, ou predizer cousas tristes ou alegres”.
E você pergunta, alma
amiga: O que isso tem a ver com o Sr. Moutinho? Até o final desta crônica
ficará sabendo...
Allan Kardec afirmou
que o Espiritismo é uma ciência de observação que não se aprende em poucos
anos. Para ser um sábio, diz o Codificador, é necessário três quartas partes da
existência dedicada à pesquisa teórica e prática. Como ¾ de 96 dá 72, e
Moutinho dedicou 76 anos de sua vida ao estudo e divulgação do Espiritismo,
podemos dizer que ele foi autêntico sábio.
Pois bem, quando
cheguei a Brasília em 1980, Moutinho era o coordenador das reuniões de estudo e
prática mediúnica na FEB. Eu viera de Barreiras, BA, onde o Espiritismo
começava a ocupar seu espaço e, mesmo sendo bastante jovem aos 28 anos, como
Moutinho, desde os 20 anos, eu atuava na seara espírita. Após cerca de oito
anos de estudo e prática da Doutrina Espírita, por já tentar alguns ensaios na
área mediúnica, ingressei no curso coordenado por Moutinho, e a lição que
recebi dele serviu-me como parâmetro por toda a atual existência.
Juntamente com outros
irmãos e irmãs, tentei a psicografia, no curso oferecido pela FEB, mas, como já
ocorrera antes, ao invés de ser influenciado por uma entidade estranha, tudo o
que eu escrevia era fruto de minhas leituras acendradas, como verdadeiro
“devorador” de obras espíritas. Já havia lido as obras do chamado “pentateuco
kardequiano” diversas vezes, além de Chico, Divaldo Franco, Yvonne Pereira etc.
Por outro lado, como dizem que “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, na
Bahia, a cadeira de palestrante das reuniões públicas era quase cativa minha.
Também dirigia reuniões mediúnicas, mas atuava como “doutrinador”...
Como não era médium,
na acepção verdadeira da palavra, e não percebia a influência de entidades
espirituais enfermas ou desequilibradas, tudo o que eu psicografava, bem como
minhas poucas manifestações psicofônicas, refletia a vontade anímica de ser
“influenciado por potências invisíveis”, como dizia Machado de Assis. E essas
supostas entidades, refletindo meu parco conhecimento espírita, só produziam
textos ou falas que eu, o pretenso médium, considerava de grande elevação.
Percebendo isso,
nosso saudoso irmão Moutinho, agora no plano espiritual, alertou-me na época:
“Tudo isso é seu. Não há Espírito, a não ser o seu em suas mensagens”. E eu me
convenci definitivamente que, embora Allan Kardec tenha dito que, de certa
forma, todos somos médiuns, seria hipocrisia de minha parte atribuir minhas
ideias aos espíritos.
Precisa-se observar
atentamente o que é falado ou escrito numa reunião mediúnica, bem como submeter
ao “consenso universal”, proposto por Allan Kardec, as mensagens mediúnicas,
sejam elas escritas ou faladas. Por outro lado, assim como o médium que não
estuda pode ser vítima de fraude espiritual, o que estuda muito pode também ser
transmissor de mensagens anímicas. Principalmente quem só “recebe” mensagens de
“espíritos elevados”.
Por esse motivo, é
raro o médium autêntico, como Chico Xavier, a pouco lembrada Zilda Gama,
Yvonne Pereira e Divaldo Franco. Mas há inumeráveis médiuns simples e pouco
badalados no movimento espírita que nos trazem preciosas informações dos
espíritos, sejam eles perturbados e inferiores, sejam de grande elevação, como
venho observando ao longo de cinco décadas de estudo e divulgação do
Espiritismo. Alguns dos fenômenos transmitidos por eles já pude observar em meu
próprio meio familiar, cuja comprovação seria fastidioso expor aqui. Fenômenos
raros, pois, como disse Chico Xavier, “o telefone toca de lá para cá”. E os espíritos
não estão à nossa disposição para se manifestarem quando exigimos e como
queremos.
Igualmente raro é alguém
como João de Jesus Moutinho, a quem tive o privilégio de conhecer e beber da
água cristalina de seus ensinamentos. Moutinho fora também, como Allan Kardec,
de muito bom senso e sabedoria. Por esse motivo, não aceito cegamente tudo que
é atribuído a uma “potência invisível”, mas continuo observando, estudando,
aprendendo e praticando...
Obrigado, Sr.
Moutinho!
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