Em dia com o Machado
175 (jlo)
Você
deve estar lembrada, leitora amiga, da conversa que tive com as pombas, no Rio
de Janeiro, no dia 23 de agosto de 1896. Há poucos dias, portanto... Saiu n’A Semana.
Passara
num banco onde estivera para obter notícias do câmbio e... para encurtar a
história, relatei-lhe que o câmbio oscilava, mas não subia dos nove réis.
Repentinamente, fui informado que o câmbio baixara à casa dos oito, o que, para
os especuladores era mau agouro, principalmente pela possibilidade desse fato ocorrer
avant la lettre[1].
O
que poderia suceder quando o estado definitivo fosse definido para baixo? O
preço das minhas calças, na Rua Primeiro de Março subiria aos céus.
Fui
andando e vi a igreja da Cruz dos Militares... Cruz! Deus me livre de nova
intervenção... Já basta o Ministério Público, o juiz Sérgio Moro, o STF... Ops,
esqueci-me de que estou no século XIX, embora as coincidências com o século XXI...
Pause!
De
repente, o que vejo hoje? Não três pombas, mas sete corvos. Lembrei-me, então,
de um dos versos do soneto “Budismo moderno”, de Augusto dos Anjos: “Ah! um
urubu pousou na minha sorte”. Foi quando pensei: Que são os devaneios bachelardianos
ante tais aves? Também a elas se
referiu, entretanto, Jesus, quando nos pediu para olhar “as aves do céu”.
Sim,
amigo leitor, “elas não semeiam, não segam, não ajuntam nos celeiros os
provimentos”... antes, observam do espaço os seres que aqui embaixo jazem sem
vida e insepultos para se banquetearem de suas carcaças. Já imaginou se todos
agissem com a sabedoria dos urubus? Ninguém precisaria se preocupar com a alta
do dólar, pois não comemos dólar.
Foi
quando ouvi a proposta de um dos sete urubus que “pousaram em minha sorte”:
—
Propomos ao povo brasileiro que não mais trabalhe. Basta-lhe observar a natureza
e suas sábias leis. No momento oportuno, pegue uma mandioca, nos vastos campos
da nação e alimente-se dela. Ou melhor, com os conhecimentos inúteis que a
civilização atual alcançou, reproduza seus alimentos, em três dimensões, num
dos modernos computadores que o Estado colocará, por minha sugestão, à
disposição de todo o povo brasileiro e... bom apetite.
Outro
corvo falou:
—
Quanto aos estudos, “ó gente incrédula, até quando te suportarei?” Atém-te
àquilo que te proporcione ser mais esperto que teu semelhante. Não haverá mais
escolas, pois o real sumiu do país, os preços das mensalidades estão
exorbitantes e o Estado aboliu a escola pública. Deixemos os 30 ou 40 bilhões
desviados (versão oficial) nos bancos dos “paraísos fiscais”. Ninguém mais aqui
precisará de papel moeda. Afinal, cá, em se plantando, tudo dá.
—
Hospital para quê, criatura de Deus? Disse uma terceira ave preta. Se é que
você acredita nesse Ser que nos enviou um Messias em que quase ninguém mais
crê. Ora, já se viu! andar sobre águas, ressuscitar mortos, multiplicar quatro
pães e dois peixes e, com eles, alimentar cerca de 4 ou 5 mil pessoas? Absurdo!
Isso são histórias... A não ser que os pães e peixes fossem de Itu, onde tudo é
gigantesco... Adoeceu, trate-se com ervas. Morreu, enterre em qualquer buraco,
para adubar esta terra que já existia e era povoada por seus antepassados muito
antes de Cabral aqui chegar.
Foi
então que percebi haver ali urubus de outras cores: um era branco; outro,
amarelo; outro mais era azul e o último... vermelho. O branco trazia no pescoço
uma fita onde se lia paz; o amarelo ostentava uma espiga de milho descascada em
seu bico; o azul estava de costas para os demais (Crocitaram seus colegas que
era devido à sua mania de grandeza.); e, por fim, o vermelho liderava todos os
demais. Fora ele quem passara as instruções a seus colegas para acalmarem o
nosso povo. Suas últimas palavras foram as seguintes:
—
Povo tupiniquim! a partir de hoje, nossa bandeira terá uma só cor: a minha.
Tudo será de todos e todos serão de tudo...
Foi
quando resolvi pegar meu jatinho e me mudar para a Suíça. Mas, então, me
lembrei: que jatinho?!
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