Em dia com o Machado 204 (jlo)
— Sou descendente de uma família de
dez filhos – disse-me, outro dia, Sebastião. Metade ficou na roça, alguns
desses cinco formaram famílias que foram criadas e educadas com o produto dos
sítios que herdaram de meus pais. Os demais resolveram tentar a sorte nas
cidades grandes, como eu. Não sem antes trabalhar muito na lavoura.
— E você
montou família?
— Sim, mas
antes, montei em muito burro bravo e mula manca. De início, trabalhei como um
escravo para um parente que, em troca, cedeu-me um barraco, nos fundos do seu
sítio, no interior mineiro, onde fui morar com minha mulher. Ali, tivemos três
filhos, duas meninas e um menino caçula. A segunda filha morreu, lá, de
complicações com rubéola, com pouco mais de um ano. Os recursos eram escassos,
não havia médico no interior, e meu parente não me dava salário, só sal...
— E como
você alimentava sua família apenas com sal?
— Eu trocava
o sal por arroz e feijão, pois toda a produção salina era minha, o que mal
chegava para salgar a comida das quatro ou cinco famílias da região... Com o
tempo, cheguei à conclusão de que, se quisesse prosperar, teria que me mudar
dali. E foi o que fiz.
— E para
aonde você foi?
— Fui com a
família para o Rio de Janeiro, onde nasceu meu quarto filho, esse que vos
escreve. Mas a dificuldade de arrumar emprego foi tão grande que, um ano
depois, voltei para Minas Gerais. E tornei a trabalhar, de sol a pino, na
fazenda de um primo, onde nasceu nosso quarto filho dentre os sobreviventes.
— E o
salário, era bom?
— Que nada,
mal dava para o pão... Resolvemos, então, ir morar no Espírito Santo, onde
nasceu nosso quinto filho, em meio às nossas plantações de milho...
— Ah, mas
agora sim, plantando milho, você conseguiu educar seus filhos...
— Consegui
não, meu patrão. A terra não era boa, a seca crestou o milho e meu primo vendeu
a fazenda. Não tive outra saída, voltar para o Rio de Janeiro onde, já esgotado
fisicamente, tivemos nossos dois últimos filhos, de uma só vez.
— Foram
gêmeos, então, meu caro Sebastião?
— Sim,
foram esses. Deus atendeu nossas preces e a prole ficou completa com os sete.
— E o que
você fazia, então, em termos de ganha-pão no Rio, meu caro Sebastião?
— Pintava
paredes de prédios, chamados arranha-céus, no centro da cidade maravilhosa. Mas,
com o tempo, o serviço acabou e passei a fazer biscates, indo de casa em casa,
para ver se havia qualquer coisa para fazer em troca de uns níqueis ou mesmo de
um quilo de arroz ou feijão.
— E
conseguia alimentar esposa e sete filhos com esses trabalhos?
— Muito
mal, mas conseguia. Com o tempo, a idade avançou, a doença do pulmão chegou e,
ainda assim, consegui um emprego como vigia da loja de venda de materiais
elétricos de um primo de coração generoso. Ali fiquei até a morte, cinco anos
após ter retornado ao Rio definitivamente.
— Suponho
que, quando isso ocorreu, seus filhos já estavam crescidos e puderam ajudar sua
mulher...
— É
verdade. Quando morri, minha filha mais velha estava com dezesseis anos de
idade, logo em seguida, vinha um filho de treze anos; abaixo dele, outro com
onze, outro com nove, outro com oito e os gêmeos com três.
— Que vida
dura você teve, meu caro Sebastião.
— Mais duro
ainda foi ver, do plano espiritual, a situação de minha mulher, com aquela
prole enorme, com apenas quarenta anos de idade e sem marido. Mas isso é outra
história.
— E aqueles
familiares para quem você trabalhou durante tantos anos, não ajudaram em nada
sua família órfã de pai?
— Que nada,
até hoje, seus filhos e netos comentam sobre a generosidade de seus pais e
avós, por me proporcionarem trabalho em troca de comida para mim e minha
família. Mas agora estou de volta... E vou escrever uma história muito
diferente.
— Como
assim, você não morreu?
—
Reencarnei!
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