Em
dia com o Machado 225 (jlo)
No
meu tempo, após os 50 anos, já se era considerado velho. E não havia essa
história de idoso, não. Era-se velho
mesmo e ponto final. Afinal, estávamos no século XIX.
Pois
bem, um dia, mais exatamente naquele último sábado, 1º de abril de 1893, do
alto dos meus quase 54 anos, fui convidado por Mário de Alencar a participar de
um baile comemorativo do seu casamento no Club
Beethoven. Naturalmente, em nome de nossa velha amizade, e do meu gosto por um
baile, ali compareci, acompanhado de Carolina.
Estávamos
rodeados de grandes amigos, além do Mário e esposa: Rui Barbosa, Sílvio Dinart (Visconde de Taunay), Belmiro Braga, Salvador de
Mendonça, Joaquim Nabuco e... no salão do baile, entre outras formosas
mulheres, uma linda sobrinha de Carola, no auge de suas dezoito primaveras. Enquanto,
na sala ao lado, Carolina conversava com as ilustres damas, esposas de nossos
amigos, vi sua sobrinha acenar-me para segui-la à sala de dança. Ali entrando,
convidei-a para bailar, mais como troça, em vista de nossa grande diferença de
idade. Para minha surpresa, ela não somente aceitou o convite, como também me pediu
outro beijo, quando lhe pespeguei um respeitoso ósculo na linda bochecha.
Sim,
leitor, para meu espanto, Corina, como se chamava a jovem, sussurrou-me ao
ouvido estas doces palavras: — Outro beijo, querido, quero outro beijo.
Naquele
instante, o mundo girou 360º à nossa volta e, sem me importar com mais nada,
atendi seu pedido com todo o meu afeto que, a bem da verdade, já remontava a alguns
anos.
Dançamos.
E enquanto bailávamos, ela perguntou-me, cheia de emoção:
—
Você me ama muito, muito mesmo?
Naquele
instante, suas palavras de dois anos atrás vieram-me à memória, quando lhe
perguntei se me amava:
—
Amo-o muito e muito mesmo.
Não
é preciso lhe dizer, leitora curiosa e maldosa, que minha resposta, agora, não
foi outra:
—
Amo-a muito e muito mesmo.
É
impressionante como o amor faz-nos repetir sempre as mesmas palavras, enquanto
o coração canta sinfonias divinas.
Depois
dessa confissão, Corina se afastou. Talvez para não a notarem e fazerem mau
juízo de nós. Talvez... não, amiga, não posso crer que ela fosse leviana, mesmo
em se tratando de um amor a alguém tão maduro, enquanto ela reverdecia e se
abria em flor.
Cerca
de uma hora após, Carolina chamou-me para retornarmos a casa, pois estava com
forte dor de cabeça. Coisa da maturidade, amiga, reforçada pelas longas
leituras, à luz do lampião, que a amada esposa fazia para mim, também já com as
vistas cansadas pelo ofício das letras.
Três
dias após o baile, levei a esposa querida a uma loja, na rua do Ouvidor, para
renovar-lhe o figurino com as roupas da última moda francesa. Ali, fomos
atendidos por gentil e bela jovem que, certamente, ainda não ouvira notícias
sobre mim. As comunicações, nessa época, não possuíam a celeridade da TV e da
internet atuais. A saia e blusa compradas por Carolina precisavam de pequenos
ajustes, desse modo, ficamos de retornar à loja meia hora depois.
Regressei
à casa comercial só, a pedido da esposa, que desejava ver umas bolsas francesas em outra
loja. No meu retorno ao estabelecimento comercial, ao adentrar o recinto, a
jovem vendedora reconheceu-me imediatamente e atendeu-me com um belo e brejeiro
sorriso. Recebi a encomenda e, de saída, ouvi-a dizer baixinho a um colega,
ao tempo que apontava seu lindo dedinho em minha direção:
—
Lindão!
Foi
o bastante para que o amor juvenil recrudescesse em minha alma de velho, mas
não velha alma. Porém não era ela o troféu cobiçado...
O
olhar da vendedora fez-me acreditar no amor de Corina.
Ao
chegar a casa, enquanto Carolina descansava de sua nova cefaleia em nosso tálamo,
dei vazão aos meus devaneios e reescrevi os últimos oito “Versos a Corina”:
Corina,
ao teu poeta, esta doce ilusão
Que
acalenta e rejuvenesce o coração
É
como o céu sem nuvem, suave, tranquilo,
Que
em toda a sua glória e paz há de atraí-lo.
E
nada mais no mundo é como teus prazeres,
Pois tu só, puro
amor,
acima de outros seres,
Fazes-me
despertar dos sonhos como a flor
Mais
bela do jardim edênico do amor.
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