Em dia com o
Machado 335 /jÓ]
Trabalho, solidariedade e tolerância
Jorge
Leite de Oliveira
jojorgeleite@gmail.com
— Amigo Jó, quando fui
sacristão na igreja da Lampadosa, no Rio de Janeiro, o padre dava-me uma sacola
e, no final da missa, após comovente prece em prol dos pobres deserdados da
sorte, eu recolhia, num saco, os óbolos das pessoas que frequentavam as missas
dos domingos. Nem de longe passava pela cabeça de qualquer dos beatos a possibilidade
de alguém entrar ali e assaltar todo o mundo. O medo das penas do inferno e o
respeito a Nosso Senhor Jesus Cristo eram enormes. É, amigo Jó, os tempos estão
chegados...
— Concordo, Bruxo. Há
poucos dias, um amigo disse-me que fora à igreja assistir à missa hebdomadária
do último domingo. Pois bem, em plena missa, entraram dois jovens armados. A
primeira coisa que fizeram foi tomar a sacola do sacristão e exigir que todos
os presentes colocassem dentro dela seus relógios, carteiras e celulares.
— Isso acontece, meu
caro Jó, devido ao crescimento incomensurável das ideias materialistas, não
somente no Brasil, como também no mundo afora. Muitas pessoas preferem beneficiar-se dos
vários programas sociais promovidos pelo Estado, a trabalhar.
Outras não se contentam
com isso e acham mais fácil roubar, nem que, para isso, precisem matar... Ora,
onde todos vivem das benesses do Governo ou dos bens alheios não há produção.
— Isso mesmo, Machado.
É muito justo lutar pelos nossos direitos, mas, antes disso, precisamos cumprir
com nossas obrigações. Segundo Cortella, o importante, na vida, “não é ser
famoso, nem acumular coisas e propriedades, em uma obsessão consumista”. Bom
mesmo “é ser importante para alguém, ou seja, fazer falta para alguém”[1]
— Segundo esse autor,
Jó, sendo muito curta a vida, precisamos aproveitá-la na convivência, e
exercitarmos o amor, a fraternidade e a solidariedade. O que me fazia feliz,
além de ler e escrever, eram os encontros memoráveis que tinha com meus amigos
e amigas. Eram os jogos de xadrez no clube Beethoven, eram os saraus literários
dos quais participava. Tudo isso, aliado à ternura e bondade de Carolina, com
quem reparti os melhores momentos de minha última existência, fez de mim um
homem muito feliz.
Entretanto, desde o
século XIX eu já havia percebido que, sem família e sem Deus, nenhuma sociedade
sobrevive muito tempo.
Para vivermos bem, não
é preciso ter muita coisa. Basta ter o suficiente para boa relação com todos,
sem ser pesado a ninguém. Sugiro-lhe buscar no conhecimento, aliado à ética, e
no trabalho digno os recursos a serem utilizados sem desperdício, mas também
sem usura.
— Concordo plenamente
com isso, Machado. Cortella[2]
também nos lembra que somos o que fazemos, o que fica de nós nos nossos
relacionamentos com outrem. De que nos vale a teoria sem a prática, não é
mesmo? Nada de consumismo obsessivo, de ambições pelo poder ou riqueza. Devemos
viver de tal modo que, quando não mais estivermos no corpo físico, muita gente
sinta a nossa falta. Para isso, não é preciso ficar famoso ou rico.
— E que você considera
importante para que sua reencarnação atual deixe as marcas de sua personalidade,
sem ser mascarado, amigo Jó?
— Aprendi com Jaques
Delors, da UNESCO, em seu relatório da Comissão Internacional sobre a Educação,
desde o século XX, que a boa educação se baseia em quatro pilares: 1) aprender
a aprender; 2) aprender a fazer; 3) aprender a conviver; e 4) aprender a ser.
Quem aprende a aprender
precisa ter, antes de tudo o mais, muita humildade e exercitar a leitura
crítica.
Quem aprende a fazer
não se limita a repassar a outrem teorias, por mais brilhantes que sejam, mas
também a pô-las em prática diariamente
Quem aprende a conviver
percebe que é na convivência que exercitamos a paciência, a tolerância com os
que têm ideias diferentes das nossas, por mais que as julguemos ingênuas.
Assim, trabalhamos
o amor e a fraternidade. Por fim, observando atentamente a impressão causada no
outro, aprende a conhecer-se pelo exercício da autocrítica.
Quem aprende a ser já
percorreu as etapas anteriores e, agora, está plenamente capacitado a entender
o objetivo da vida: servir para vir a ser cada vez melhor e mais feliz.
— Muito bem, Jó, nada
tenho a acrescentar. Apenas lhe recomendo aproveitar bem o tempo no exercício
desse importante objetivo: servir. Mas se nada tenho a acrescentar, Emmanuel
sempre tem algo mais a nos dizer.
— Boa noite, amigos. É
com grande alegria que, no momento do repouso corporal, possamos falar como
Machado: Nada mais temos a dizer que não já tenhamos dito. Entretanto, relembro
o comentário que fiz ao lema proposto por Allan Kardec:
Trabalho,
Solidariedade e Tolerância
O
trabalho edifica.
A
solidariedade aperfeiçoa.
A
tolerância eleva.
Trabalhando,
melhoramos a nós mesmos.
Solidarizando-nos,
enriqueceremos o mundo.
Tolerando-nos,
engrandeceremos a vida
Para
trabalhar com êxito, é necessário obedecer à Lei.
Para
solidarizar-nos com proveito, é indispensável compreender o bem e cultivá-lo.
Para
tolerar-nos, em sentido construtivo, é imprescindível amar.
Em
vista disso, o Mestre Divino, há quase dois milênios, afirmou para o mundo:
“Meu Pai trabalha, até hoje, e eu trabalho também.
Estarei
convosco até o fim dos séculos.
Amai-vos,
uns aos outros, como eu vos amei”.
Trabalhemos,
então, construindo.
Solidarizemo-nos,
beneficiando.
Toleremo-nos,
amando sempre.[3]
[1] CORTELLA,
Mário Sérgio. Viver em paz para morrer em
paz. São Paulo: Planeta, 2017.
[2]
Id., p. 12
[3]
XAVIER, Francisco Cândido. Luz no Caminho.
Pelo Espírito Emmanuel. Ed. IDEAL.
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