EM DIA COM O MACHADO
610 -
O Agricultor e sua lavra I
Irmão Jó
Meu amigo Agricultor, citado na última
crônica, compareceu com sua família a uma festa familiar, no último fim de
semana. Comemoravam-se os aniversários de alguns membros da família, dentre os
quais estava sua filha Cris.
Durante o evento, nosso personagem conheceu
um senhor septuagenário, como ele, muito simpático, chamado Elias, com quem
conversou sobre diversos assuntos. Em dado momento, enveredaram para o tema
cultura. Então, ambos concordaram que sabedoria, por vezes, nada tem a ver com
conhecimento escolar.
— Machado de Assis — disse Agricultor
— ao que se sabe, não concluiu o antigo primário, e é um dos gênios da
literatura brasileira.
— Jesus — respondeu Elias, adepto da Igreja
Batista — não frequentou escola, no entanto é o filho unigênito de Deus e o ser
mais sábio de todas as épocas da humanidade.
Embora Agricultor discorde da ideia de
“filho unigênito de Deus”, como creem os evangélicos ser o Cristo filho
único de quem ele nos ensinou ser nosso Pai, até aí a conversa fluiu sem
oposição. Em dado momento, porém, Elias saiu-se com esta:
— É preciso começar cedo, no estudo, pois
depois de velho não adianta mais...
Agricultor, modesto como sempre, concordou em
parte, mas adiantou a seu interlocutor que nunca é tarde para aprender algo,
ainda mesmo nos bancos escolares.
Não sei se Elias ficou satisfeito com o que
ouviu, mas, como é muito educado e respeitoso, mudou de assuntos, tais como
futebol e outras amenidades. Então, alma amiga, vou repetir-lhe a história ouvida
do Agricultor, parecida com a minha, neste breve espaço.
Órfão de pai aos 11 anos de idade, tal como outros
seis irmãos, desde então, ele percebeu quanto sua família precisava unir-se em
torno da sobrevivência. Desse modo, assim como seus irmãos, começou a trabalhar
aos 13 anos.
Chegado à idade do serviço militar, imaginou
fazer carreira e engajou-se no Exército, como soldado, após sua aprovação em
primeiro lugar no curso de cabo, sem que nunca o tenham promovido nessa
graduação. Ele que, sem conhecimento da carreira militar, pensava alcançar ali
altos postos, foi depois selecionado para o curso de sargento. E só. Passados dois
anos, como aluno do curso, mas recebendo o soldo de soldado há três anos, ciente
e desiludido com aquela realidade, foi promovido a sargento na área de
“auxiliar de saúde”. A partir disso, sabia que suas novas promoções jamais
dependeriam doutros cursos.
Transferido de estado, morou na Bahia durante
três anos. Então, como eu, mudou-se da Bahia para Brasília, agora já casado, e
replanejou seu futuro. Aqui, retomou seus estudos escolares interrompidos no segundo
ano do ensino médio, no Rio de Janeiro, por força das atividades militares como
soldado.
Estava com 32 anos de idade, quando se formou
em letras. Durante o dia, atuava em sua especialidade militar. À noite, lecionava
no centro de ensino, hoje extinto, chamado Compacto. A diretora dessa
instituição, admirada com a dedicação de nosso amigo, admitiu sua inscrição em
curso de especialização em língua portuguesa na mesma instituição em que ele se
formara. Então, alma boníssima, ela adaptou os dias dele no magistério aos de
aluno na especialização.
Concluído o curso do meu amigo, um professor
que lhe fora colega na instituição em que aquele acabara de se especializar, optou
por cursar mestrado noutro país. Então, Agricultor ocupou sua vaga,
cheio de emoção, ao lembrar-se, no primeiro dia de aula, de seu falecido pai,
semianalfabeto, que sonhara proporcionar boa educação, no lar e na escola, para
seus filhos...
Nosso amigo já estava com 40 anos, quando foi
aprovado na seleção para o cargo de professor de língua portuguesa na
Secretaria de Educação do Distrito Federal. Aos 42 anos de idade, foi empossado
no cargo efetivo de consultor da Câmara Distrital. Aos 52, concluiu a
especialização; aos 55, terminou o mestrado, aos 62, concluiu seu doutorado, todos na
Universidade de Brasília (UnB). Não satisfeito, cinco anos depois, concluiu o
estágio cultural pós-doutoral na Universidade Estadual da Bahia (UNEB).
Por fim, lembra ao novo amigo Elias que tudo
isso começou quando Agricultor já estava com 30 anos de idade, continuou
nas décadas seguintes e não quer parar nem mesmo após a desencarnação, por sua
certeza de que “a morte não existe”. Apenas trocará temporariamente a roupa
física pela espiritual.
Na próxima crônica, relatarei um
acontecimento extraordinário narrado pelo Agricultor durante a festa de
aniversário de sua filha, citada no início desta narração. Apenas concluo que
nunca é tarde para aprender, pois o corpo envelhece, mas a alma proativa e
reativa está sempre em busca de novidades.
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