Fugindo da Seca[1]

(Irmão Jó)

— Juazeiro! Juazeiro!
Onde está seu belo gado
E o que é feito do seu povo?
 
— Juazeiro! Juazeiro!
Onde está seu imenso lago?
 
— Meu lago secou-se todo!
 
— Juazeiro da Bahia,
Que me diz de Irecê?
 
— Só indo lá para ver
A seca dura em que está,
Tal como as terras daqui,
Lá nem se pode cantar.
Lá não existem mais aves,
Suas gargantas secaram
E seus gorjeios calaram
Por falta até da saliva,
Pois o calor inclemente
Seca até os ossos da gente!
 
— Vou mudar pro Ceará.
Talvez lá haja mais verde,
Talvez lá eu encontre água,
Água boa pra danar,
Vendo meu gado a pastar
Sem morrer de fome e sede!
Se não, vou pro Piauí,
Que há de ser melhor que aqui.
 
Por certo, verei as aves
Que não sejam urubus
A devorar as carcaças
De esqueléticos bois.
.......................................
 
Juazeiro! Juazeiro!
Percorri todo o sertão
Constatando o desespero
Que lhe vai no coração!
É comum ao sertanejo
Sonhar sempre com o brejo!
 
— Por que não vai para o Sul?
Lá, sim, a vida é serena,
Com temperatura amena:
Maringá, no Paraná,
Brusque, em Santa Catarina,
Ou Cachoeira do Sul.
 
— Ó sim, é lá que eu vou!
Lá tem o verde dos pampas,
Lá tem do mar o azul.
 
As aves podem cantar
E o gado pode pastar
Naquelas terras do Sul!
 
— Adeus, seca do Nordeste!
Adeus, querida Bahia!
Talvez eu volte um dia
Pra lhes falar lá do Sul,
Terras férteis e famosas
Onde o céu é mais azul.
.........................................
 
— Juazeiro! Juazeiro!
Que horrível inundação!
Todo o Sul se afogou
Num enorme aguaceiro,
Minha sede até findou!
Antes cá no seu sertão.
 
In: OLIVEIRA, Jorge Leite de. Mirante. Brasília: Ed. do autor, 1984, p. 19.
 
Brasília, DF, 08 de outubro de 2024.
Dia do Nordestino.

[1] Este poema foi publicado, sem nenhum acréscimo, há 40 anos, ou seja, em 1984, assim que concluí o curso de Letras no CEUB. Três anos depois, terminei lá o curso de Especialização em Língua Portuguesa e passei a lecionar naquela Faculdade. Ali, ainda cursei Direito, antes de concluir nova Especialização, Mestrado e Doutorado na UnB. Escrevo isto por gratidão ao CEUB, depois UniCEUB, que, com tristeza, fiquei sabendo estar à venda, após formar milhares de alunos em diversos cursos, alguns desses alunos vindo a ocupar relevantes cargos públicos, como os de desembargadores e ministros.