Estudo d'O Livro dos Espíritos
130.
Sendo errônea a opinião dos que admitem a existência de seres criados perfeitos
e superiores a todas as outras criaturas, como se explica que essa crença
esteja na tradição de quase todos os povos?
—
Fica sabendo que o mundo onde te achas não existe de toda a eternidade e que,
muito tempo antes que ele existisse, já havia Espíritos que tinham atingido o grau supremo. Acreditaram os homens
que eles eram assim desde todos os tempos.
Comentário
Espíritos mais adiantados do que os que foram criados depois, por terem aproveitado a oportunidade de evoluir, tornaram-se perfeitos em relação àqueles e, em consequência do desconhecimento disso, os seres humanos da época os consideravam anjos ou mesmo deuses.
131.
Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra?
— Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. Mas, porventura, Deus seria justo e bom se houvera criado seres destinados eternamente ao mal e a permanecerem eternamente desgraçados? Se há demônios, eles se encontram no mundo inferior em que habitais e em outros semelhantes. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo e que julgam agradá-lo por meio das abominações que praticam em seu nome.
Comentários
Como já vimos antes, Deus criou todos os espíritos partindo igualmente da simplicidade e da ignorância, cujo livre-arbítrio se desenvolve com o tempo. Os chamados demônios são aqueles espíritos que, fazendo uso do seu livre-arbítrio, optaram pelo mal.
A
palavra demônio não implica a ideia de Espírito mau, senão na sua acepção
moderna, porquanto o termo grego daïmon, donde ela derivou, significa gênio,
inteligência e se aplicava aos seres incorpóreos, bons ou maus,
indistintamente.
Por
demônios, segundo a acepção vulgar da palavra, se entendem seres essencialmente
malfazejos. Como todas as coisas, eles teriam sido criados por Deus. Ora, Deus,
que é soberanamente justo e bom, não pode ter criado seres prepostos, por sua
natureza, ao mal e condenados por toda a eternidade. Se não fossem obra de
Deus, existiriam, como Ele, desde toda a eternidade, ou então haveria muitas potências
soberanas.
A primeira condição de toda doutrina é ser lógica. Ora, a dos demônios, no sentido absoluto, falta esta base essencial. Concebe-se que povos atrasados, os quais, por desconhecerem os atributos de Deus, admitem em suas crenças divindades maléficas, também admitam demônios; mas é ilógico e contraditório que quem faz da bondade um dos atributos essenciais de Deus suponha haver Ele criado seres destinados ao mal e a praticá-lo perpetuamente, porque isso equivale a lhe negar a bondade. Os partidarios dos demônios se apoiam nas palavras do Cristo. Não seremos nós quem conteste a autoridade de seus ensinos, que desejaramos ver mais no coração do que na boca dos homens; porém estarão aqueles partidários certos do sentido que Ele dava a esse vocábulo? Não é sabido que a forma alegorica constitui um dos caracteres distintivos da sua linguagem? Dever-se-á tomar ao pé da letra tudo o que o Evangelho contém? Não precisamos de outra prova além da que nos fornece esta passagem:
Logo
após esses dias de aflição, o Sol escurecerá e a Lua não mais dará sua luz, as
estrelas cairão do céu e as potências do ceu se abalarão. Em verdade vos digo
que esta geração não passará, sem que todas estas coisas se tenham cumprido (Mateus,
24:29 e 34).
Não
temos visto a Ciência contraditar a forma do texto bíblico, no tocante a Criação
e ao movimento da Terra? Não se dará o mesmo com algumas figuras de que se
serviu o Cristo, que tinha de falar de acordo com os tempos e os lugares? Não e
possivel que Ele haja dito conscientemente uma falsidade. Assim, pois, se nas
suas palavras há coisas que parecem chocar a razão, e que não as compreendemos
bem, ou as interpretamos mal.
Os
homens fizeram com os demônios o que fizeram com os anjos. Como acreditaram na
existência de seres perfeitos desde toda a eternidade, tomaram os Espíritos
inferiores por seres perpetuamente maus. Por demônios se devem entender os Espíritos
impuros, que muitas vezes não valem mais do que as entidades designadas por
esse nome, mas com a
diferença
de ser transitório o estado deles. São Espíritos imperfeitos, que se rebelam
contra as provas que lhes tocam e que, por isso, as sofrem mais longamente, porém,
que, a seu turno, chegarão a sair daquele estado, quando o quiserem.
Poder-se-ia, pois, aceitar o termo demônio com esta restrição. Como o entendem
atualmente, dando-se-lhe um sentido exclusivo, ele induziria em erro, com o
fazer crer na existência de seres especiais criados para o mal.
Satanás
é evidentemente a personificação do mal sob forma alegórica, visto não se poder
admitir que exista um ser mau a lutar, como de potência a potência, com a
Divindade e cuja única preocupação consistisse em lhe contrariar os designios.
Como precisa de figuras e imagens que lhe impressionem a imaginação, o homem
pintou os seres incorpóreos sob uma forma material, com atributos que lembram
as qualidades ou os defeitos humanos. E assim que os antigos, querendo
personificar o tempo, o pintaram com a figura de um velho munido de uma foice e
uma ampulheta. Representá-lo pela figura de um mancebo fora contrassenso. O
mesmo se verifica com as alegorias da fortuna, da verdade etc. Os modernos
representaram os anjos, os puros Espíritos, por uma figura radiosa, de asas
brancas, emblema da pureza; e Satanás com chifres, garras e os atributos da
animalidade, emblema das paixões vis. O vulgo, que toma as coisas ao pé da
letra, viu nesses emblemas individualidades reais, como vira outrora Saturno na
alegoria do tempo.
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