Em dia com o Machado 138 (jlo)
Amigos
leitores, conta-nos Joteli que, na juventude, após passar a frequentar uma
"Mocidade espírita", certo dia, há quarenta anos, foi visitado, em
sua casa por uma senhora, sua prima, chamada Benedita, que era membro de Igreja
Evangélica no Rio de Janeiro e leitora assídua da Bíblia. Ela era a mãe de
Samuel, Pedro e João. Os dois primeiros, protestantes; o último, sem uma crença
definida, para não se dizer ateu.
Dos
três irmãos, João era o mais intelectualizado. Já naquele tempo, ele era mestre
em Letras.
Entusiasmado
com a oportunidade de realizar um diálogo esclarecedor com dona Benedita, meu
ingênuo secretário guardava a ilusão de convertê-la ao Espiritismo, mas ela,
por certo, pensava em afastá-lo do "diabo" e batizá-lo em sua Igreja.
Assim foi que Joteli abriu O Evangelho
segundo o Espiritismo e pôs-se a lê-lo ostensivamente, enquanto dona
Benedita conversava com a mãe do meu tolo secretário.
Não
sabia ele, porém, o que o aguardava.
Como
se fora desafiada, a evangélica dirigiu-se ao nosso herói e começou sua
pregação:
—
Nosso Salvador é Jesus Cristo, você aceita sua salvação?
Ainda
meio confuso, Joteli balbuciou um "nunca o neguei como Salvador", sem
mais chance de falar o que quer que fosse, pois a inquisidora, entusiasmada
pela "rendição" do oponente, disparou sua metralhadora, como se
estivesse em guerra contra o soldado ímpio, que se atrevera a desafiá-la com
aquela obra, para ela, produto demoníaco...
Ignorava,
Benedita, que ali, no Evangelho espírita, estava a essência dos ensinos do
mesmo Jesus de sua crença, tão amado por todos os cristãos: o ensino moral.
Durante
cerca de uma hora, a protestante falou e falou sem parar um só momento. Contou
a história da Bíblia desde o Gênesis
até o Apocalipse bíblicos (Os atos
dos apóstolos ficariam para outra ocasião).
A
Joteli, só restou a opção de ouvir e nada dizer. Até porque, se o desejasse,
sua idosa prima não o escutaria.
Há
uma diferença básica entre ouvir e escutar, que não nos cabe aprofundar aqui. Mas
para matar a curiosidade da leitora, digo-lhe que a primeira está ligada à percepção
dos sons; a segunda à sua assimilação, ao seu entendimento, ao que Mikhail
Bakhtin chama de dialogismo, salvo melhor juízo.
Não
houve, portanto, interação entre os dois, mas, se de sua parte Joteli ficara
decepcionado por não ter tido qualquer chance de falar, para sua interlocutora,
Jeová, mais uma vez, tinha vencido o demônio.
O
tempo passou, Benedita desencarnou,
Joteli mudou-se do Rio, casou-se, teve três filhos e veio morar definitivamente
em Brasília.
Vinte
anos após, encontrou o primo João, filho caçula de Benedita, que lhe dissera
ter-se tornado espírita após o falecimento materno.
—
Como se deu tua conversão, se eras tão incrédulo? Perguntou-lhe Joteli.
—
Numa noite inesquecível, ainda cheio de dúvidas, resolvi visitar um centro
espírita no bairro de Bonsucesso. Ali adentrando, por primeira vez, tremendo de
medo, pois mamãe quando viva sempre
demonizou o Espiritismo, eu não disse uma só palavra a ninguém sobre quem eu
era, minha família, origens, cultura e crença.
Entretanto,
ao se realizar a reunião mediúnica, um dos médiuns que, como os demais
participantes, eu jamais vira antes, virou-se para mim e disse-me, com o modo
de falar próprio de mamãe:
—
João, meu filho, eu não já lhe disse para não participar dessas reuniões
demoníacas? Isso é coisa de satanás, afaste-se daqui antes que você seja
lançado nas fornalhas do inferno.
—
Não tive mais dúvida alguma. Aquela era mamãe...
A
partir desse dia, concluiu, estudo as obras de Allan Kardec e busco divulgá-las
com inabalável convicção.
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