Continuação da tradução livre da terceira edição de L'Évangile selon le Espiritisme pelo Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira
7.3 Mistérios
ocultos aos sábios e aos prudentes
"Em seguida, disse Jesus: Graças lhe dou, Pai, Senhor do Céu e da
Terra, por ter escondido estas coisas aos sábios e prudentes, e as ter revelado
aos simples e aos pequenos" (Mt, 11:25).
Pode parecer estranho
que Jesus renda graças a Deus por haver revelado essas coisas aos simples e pequenos, que
são os pobres de espírito, ocultando-as aos sábios e prudentes, mais aptos,
aparentemente, a compreendê-las. É que devemos entender
pelos primeiros os humildes, os que se humilham perante Deus
e não se consideram superiores a todo o mundo; e, pelos segundos, os orgulhosos, envaidecidos
de seu saber mundano, que se julgam prudentes, porque negam e tratam
a Deus, de igual para igual, quando não o rejeitam. Isso porque, na
Antiguidade, sábio era sinônimo de douto. Por isso, Deus lhes deixa a
pesquisa dos segredos da Terra, e revela os do Céu aos simples e aos humildes
que se inclinam perante Ele.
Assim acontece, atualmente, com as
grandes verdades reveladas pelo Espiritismo. Alguns incrédulos se admiram de que
os Espíritos se esforcem tão pouco para os convencer. É que esses
últimos se ocupam com os que buscam a luz com boa-fé e com humildade, de
preferência aos que julgam possuir toda a luz e imaginam, talvez, que Deus
deveria ficar muito feliz de os conduzir a Ele, provando-lhes Sua existência.
O poder de Deus se manifesta nas
pequenas como nas maiores coisas. Ele não põe a luz sob o alqueire,
mas a derrama em ondas por toda a parte; de modo que somente os
cegos não a veem. Deus não lhes quer abrir os olhos à força, pois lhes apraz
mantê-los fechados. Chegará sua vez, mas antes é preciso que
sintam as angústias das trevas, e reconheçam Deus, e não o acaso,
na mão que lhes fere o orgulho. Para vencer a incredulidade, Ele emprega
os meios mais convincentes, conforme os indivíduos. Não cabe ao
incrédulo Lhe prescrever o que deve fazer, ou Lhe dizer: Se quiser me
convencer, deve proceder desse ou daquele modo, em tal ocasião e não noutra,
porque essa ocasião é a que mais me convém.
Que os incrédulos não se espantem de que
nem Deus, nem os Espíritos, que são os agentes da Sua Vontade, não se
submetam às suas exigências. Perguntem a si mesmos o que diriam, se o
último dos seus servos quisesse impor-se a eles. Deus impõe Suas
condições, e não se submete às dos outros. Ouve com bondade os que o
procuram humildemente, e não os que se julgam mais do que Ele.
Deus, dirão, não poderia tocá-los
pessoalmente por meio de sinais brilhantes, em presença dos quais o
incrédulo mais endurecido teria de curvar-se? Sem dúvida que o poderia,
mas, nesse caso, onde estaria o seu mérito? e ademais, de que serviria
isso? Não se veem diariamente criaturas que recusam a evidência, chegando
até mesmo a dizer: Ainda que eu visse, não acreditaria, pois sei que é
impossível? Se esses se recusam a reconhecer a verdade, é porque seu espírito
ainda não está maduro para compreendê-la, nem seu coração para a sentir. O orgulho é
a venda que obscurece sua visão. De que serve apresentar
a luz a um cego? É preciso, pois, curar primeiro a
causa do mal. É por isso que, Médico Hábil que é, Deus castiga primeiramente o
orgulho. Não abandona Seus filhos perdidos, pois sabe que, cedo ou tarde,
seus olhos abrir-se-ão; mas quer que o façam de sua própria vontade, e, então, vencidos pelos
tormentos da incredulidade, atirar-se-ão por si mesmos em Seus braços, e, como
o filho pródigo, pedir-Lhe-ão que os perdoe.
7.4 Instruções
dos Espíritos
O orgulho e a humildade
7.4.1 Lacordaire
Constantine, 1863.
Que a paz do Senhor esteja com vocês, meus queridos amigos!
Venho até vocês para encorajá-los a seguir o bom caminho.
Deus concedeu a missão de vir esclarecê-los aos pobres Espíritos
que outrora habitaram a Terra. Bendito seja Ele pela graça que nos dá de
podermos ajudar o adiantamento de vocês. Que o Espírito Santo me ilumine e me
ajude a tornar minha palavra compreensível, e me conceda a graça de pô-la ao
alcance de todos. Todos vocês, encarnados, que estão sob prova e procuram a
luz, que a Vontade de Deus me ajude a fazê-la brilhar ante seus olhos!
A humildade é uma virtude muito esquecida, entre vocês. Os
grandes exemplos que lhes foram dados são bem pouco seguidos. E, no entanto,
sem humildade, vocês podem ser caridosos com seu próximo? Oh, não, porque esse
sentimento nivela os homens, ele diz-lhes que são irmãos, que se devem ajudar
mutuamente, e leva-os ao bem. Sem a humildade, vocês enfeitam-se de virtudes
que não possuem, como se usassem um vestuário para ocultar as deformidades do
seu corpo. Lembrem-se d'Aquele que nos salvou; lembrem-se da sua humildade que
o fez tão grande e o elevou acima de todos os profetas.
O orgulho é o terrível adversário da humildade. Se o Cristo
prometeu o Reino dos Céus aos mais pobres, é porque os grandes da Terra imaginam
que os títulos e as riquezas são a recompensa de seus méritos, e que a sua
essência é mais pura que a do pobre. Creem que essas coisas lhes são devidas, e
por isso, quando Deus as retira, acusam-no de injustiça. Oh, zombaria e
cegueira! Deus distingue vocês pelos corpos? O envoltório do pobre não é da
mesma essência que o do rico? O Criador terá feito duas espécies de homens?
Tudo aquilo que Deus faz é grande e sábio. Não lhe atribuam jamais as ideias
concebidas por seus cérebros orgulhosos.
Oh, rico, enquanto você dorme em seus aposentos dourados, ao
abrigo do frio, não sabe que milhares de irmãos seus, que valem tanto quanto você,
jazem sobre a palha? O infeliz faminto não é seu igual? A essa palavra, bem sei
que seu orgulho se revolta. Concordará em dar-lhe uma esmola; mas jamais, em apertar-lhe
fraternalmente a mão. “O quê! dirá, eu nascido dum sangue nobre, grande da
Terra, ser igual a esse miserável esfarrapado? Vã utopia de pretensos filósofos!
Se fôssemos iguais, por que Deus o teria colocado tão baixo e a mim tão alto?”
É verdade que suas roupas não são nada iguais, mas se ambos se despissem, qual
a diferença que haveria entre vocês? A nobreza do sangue, dirá. Mas a Química ainda
não encontrou diferenças entre o sangue do nobre e o do plebeu, entre o do
senhor e do escravo. Quem lhe garante que você também não foi miserável e
infeliz como ele? Que não tenha também pedido esmola? Que não a pedirá um dia a
esse mesmo que hoje despreza? As riquezas são eternas? Elas não acabam com o
corpo, invólucro perecível de seu Espírito? Oh, volte-se humildemente sobre si
próprio! Lance enfim os olhos sobre a realidade das coisas desse mundo, sobre o
que faz a grandeza e a humilhação no outro; lembre-se de que morte não o poupará
mais do que aos outros; que seus títulos não o preservarão dela; que ela o pode
ferir amanhã, hoje, dentro de uma hora; e se você ainda enterra-se no seu orgulho, oh! quanto então, eu o
lamento, pois será digno de piedade!
Orgulhosos! Que vocês foram, antes de serem nobres e poderosos?
Talvez vocês fossem menores que o último de seus criados. Curvem, portanto, suas
frontes altivas, que Deus pode rebaixar, no momento mesmo em que as elevam mais
alto. Todos os homens são iguais na balança divina; as virtudes somente os
distinguem aos olhos de Deus. Todos os Espíritos são da mesma essência, e todos
os corpos foram feitos da mesma massa. Seus títulos e seus nomes em nada a
modificam; eles ficam no túmulo; não são eles que dão a felicidade prometida aos
eleitos; a caridade e a humildade são os seus títulos de nobreza.
Pobre criatura! Você é mãe, e seus filhos sofrem. Estão com
frio. Têm fome. Você vai, curvada ao peso da sua cruz, humilhar-se para
conseguir um pedaço de pão. Oh, eu me inclino diante de você! Como é nobre, santa
e grande aos meus olhos! Espere e ore; a felicidade ainda não é deste mundo.
Aos pobres oprimidos, que nele confiam, Deus concede o Reino dos Céus.
E você, jovem menina, pobre criança lançada ao trabalho,
entregue às privações, por que esses tristes pensamentos? Por que chora? Que seus
olhos se voltem, piedosos e serenos, para Deus; às aves do céu Ele dá o
alimento. Confia nele, e Ele não a abandonará. O som das festas, dos prazeres
mundanos, faz bater seu coração. Você queria também enfeitar de flores a fronte
e misturar-se aos felizes da Terra. Diz que poderia, como as mulheres que vê passar,
estouvadas e alegres, ser rica também. Oh, cale-se, criança! Se soubesse
quantas lágrimas e dores sem conta se ocultam sob esses vestidos bordados,
quantos suspiros se asfixiam sob o ruído dessa orquestra feliz, preferiria seu
humilde retiro e sua pobreza. Conserve-se pura aos olhos de Deus, se não quer
que seu anjo da guarda volte para Ele, escondendo o rosto sob as asas brancas,
e a deixe com seus remorsos, sem guia, sem apoio, neste mundo, em que estaria
perdida, esperando a punição no outro.
E todos vocês que sofrem as injustiças dos homens, sejam
indulgentes com as faltas dos seus irmãos, lembrando que vocês mesmos não estão
livres de culpas; isso é caridade, mas é também humildade. Se sofrerem
calúnias, curvem a fronte diante da prova. Que lhes importam as calúnias do
mundo? Se sua conduta é pura, Deus não lhes pode recompensar por isso? Suportar
corajosamente as humilhações dos homens é ser humilde e reconhecer que somente
Deus é grande e poderoso.
Oh, meu Deus, será preciso que o Cristo volte novamente à Terra,
para ensinar aos homens as tuas leis, que eles esqueceram? Deverá Ele ainda
expulsar os vendilhões do templo, que maculam tua casa, esse recinto de orações?
E, quem sabe, oh, homens, se Deus lhes concedesse essa graça, se não o renegariam
de novo, como outrora? Se não o acusariam de blasfemo, por vir abater o orgulho
dos fariseus modernos? Talvez, mesmo, o fariam seguir de novo o caminho do Gólgota.
Quando Moisés subiu ao Monte Sinai, para receber os mandamentos
da Lei de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo abandonou o verdadeiro
Deus. Homens e mulheres entregaram suas joias e seu ouro, para a fabricação de
um ídolo que abandonaram. Homens civilizados, vocês fazem como eles. O Cristo lhes
deixou sua doutrina, deu-lhes o exemplo de todas as virtudes, mas vocês abandonaram
exemplos e preceitos. Cada um de vocês, carregando suas paixões, fabricou um
deus de acordo com sua vontade; para uns, terrível e sanguinário; para outros,
indiferente aos interesses do mundo. O deus que fizeram é ainda o bezerro de ouro,
que cada qual adapta aos seus gostos e às suas ideias.
Despertem, meus irmãos, meus amigos! Que a voz dos Espíritos lhes
toque os corações. Sejam generosos e caridosos, sem ostentação, isto é, façam o
bem com humildade. Que cada um vá demolindo pouco a pouco os altares que foram
elevados ao orgulho. Numa palavra: sejam verdadeiros cristãos, e atingirão o
reino da verdade. Não duvidem mais da bondade de Deus, agora que Ele lhes envia
tantas provas. Viemos preparar o caminho para o cumprimento das profecias.
Quando o Senhor lhes der uma manifestação mais esplendente da
sua clemência, que o Enviado
celeste já os encontre reunidos numa grande família; que seus corações, brandos
e humildes, sejam dignos de receber a palavra divina que Ele lhes trará; que o Eleito
não encontre em
seu caminho senão as palmas dispostas pelo retorno de vocês ao bem, à caridade,
à fraternidade; e então o seu mundo tornar-se-á um paraíso terrestre. Mas se
permanecerem insensíveis à voz dos Espíritos, enviados para purificar e renovar
sua sociedade civilizada, rica em ciência e, entretanto, tão pobre de bons
sentimentos, ah! nada mais nos restará do que chorar e gemer pela sua sorte.
Mas, não, assim não acontecerá. Voltem-se para Deus, seu Pai, e então todos nós,
que trabalhamos para o cumprimento da Sua Vontade, entoaremos o cântico de
agradecimento ao Senhor, por sua inesgotável bondade, e para glorifica-lo por todos
os séculos dos séculos. Assim seja.
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