Em dia com o Machado 196 (jlo)
Amigo
leitor, hoje vou falar-lhe sobre a importância da literatura em sua formação
cultural. Oscar Niemeyer criticava os acadêmicos que somente se interessam por
assuntos relacionados à sua formação e atuação profissional. Se é certo que se
pode perfeitamente viver sem muita leitura, vive bem melhor quem desenvolve o
gosto de ler. Está sempre bem informado, é admirado e não passa vergonha quando
a conversa muda do futebol para a poesia, dos acontecimentos cotidianos para a
crônica, dos casamentos para os romances, dos políticos fracassados e ditadores
para a história, da linguagem popular ou coloquial para a culta, sem os
exageros do eruditismo...
Há
excelentes profissionais que, como desculpa para sua insipiência, dizem que não
faz muita diferença deixar de acentuar uma palavra ou trocar um e por um i ou um s por um c numa petição ou numa receita.
–
Fas cim, ocê podi mata de reiva o
meretríssimo juiz ô desqualifica o dotô...
– Quem
disse isso não fui eu e, sim, o estrupício do meu secretário. É que ele
lecionou português, redação, linguística e sociolinguística durante 22 anos...
E admite que, na literatura, a representação de sua fala, quando morou no morro
da Penha, no Rio de Janeiro, é plenamente justificável no ato comunicativo.
Traduzindo: Faz, sim, você pode matar de raiva o meritíssimo juiz ou desqualificar o
doutor...
–
Calma aí, “Machado”, também não é assim. Fui e sou pobre, mas nem por isso
falava “errado”. Mamãe dizia, mesmo, que eu gostava de falar “difícil”.
–
Esse é um outro equívoco linguístico, o de se considerar apenas a norma culta
como a correta e as demais “erradas”. Todas as línguas: popular, coloquial e
culta são variações da linguagem que dependem de quem, onde e quando se fala ou
escreve. Daí ser considerado pelos estudiosos da linguística um baita
preconceito você dizer que fulano ou sicrana falam “errado” por não utilizarem
a norma culta em sua conversa sobre a pintura de sua sala ou a lavagem de sua
rica louça burguesa.
O
que não se pode é redigir o texto de um relatório médico ou administrativo, por
exemplo, de uma obra didática, ou de uma petição jurídica que estejam repletos
de desvios gramaticais, como o do uso da palavra houveram, opondo-se a
existiram, este no lugar de esse, menas em vez de menos, mais no lugar de mas, mau em vez de mal, uso da segunda pessoa na
concordância com o tratamento V.Sa ou V.Ex.ª, erros de concordância, de
regência, de pontuação, ortografia. Ou seja, tudo o que esteja em desacordo com
a gramática oficial.
–
Você quer dizer que fora desses casos “oficiais” a linguagem pode, como se diz
na gíria, “soltar a franga”?
–
Não, energúmeno, na literatura, há momentos em que todas as modalidades linguísticas
têm seu espaço. Entretanto, ninguém pode se expressar como bem entender, em
especial nas correspondências administrativas e oficiais, nas obras didáticas,
mas também nos e-mails, blogs, twitters, etc. Porque as palavras, o vento leva, entretanto,
“escreveu, não leu, pau comeu”. Você só não precisa é se preocupar em “falar
difícil”...
–
Já entendi. A linguagem deve ser culta, mas não necessariamente erudita... E
como falar e escrever na língua culta?
–
Comece pela leitura das revistas em quadrinhos...
–
Inclusive Chico Bento?
–
Inclusive Chico Bento... Mas vá além,
leia os clássicos e os escritores atuais. Por fim, escreva, reescreva, corte o
supérfluo e mantenha a essência. Leia e escreva sempre criticamente.
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