Em
dia com o Machado 199 (jlo)
Em
visita à TV Globo, entrei pelo buraco da fechadura da porta, para ver e ouvir,
sem ser visto, a reprise de antigo programa humorístico, dessa emissora, com sátira
do Jô à entrevista do antigo programa governamental para financiamento carioca de
casa própria. Então resolvi parodiá-lo:
–
O que deseja? – pergunta o corretor da agência financiadora.
–
Eu quero comprá uma casa na avenida Vieira Souto – responde o proletário
iludido.
–
Ah, o senhor quer uma casa de frente
para a praia e com o metro quadrado mais caro da América Latina?
–
Isso mermo qui eu queria...
–
Sei, mas o senhor tem renda
suficiente?
–
Dispois que o sinhô falô, si eu não tivé, minha mulé
completa.
–
E qual é o trabalho da sua mulher?
–
Ela vende picolé na praia, por isso vai sê
ótimo comprá esse imóvel, pois ela
vai trabaiá di frente da nossa casa.
–
E quanto é que o senhor ganha por mês?
–
Três salários mínimos!
O
agente financeiro puxa um mapa do Rio de Janeiro e começa a percorrê-lo com os
dedos, até parar em Itaperuna, que fica do outro lado do mapa, a 313 km da
capital carioca. Então, diz para o proletário:
–
É aqui que você deve morar, com o
salário-família apresentado. Percebeu, leitora atenta, a mudança no tratamento
ao proletário? O “senhor” virou “você”, mas o proletário...
–
É mermo? Intonce eu num posso morá na Vieira Souto? Pergunta o desiludido sonhador.
–
Não, mas o bairro onde você e sua
mulher vão morar é excelente!
–
Cum certeza, lá tem mar e praia pra
minha mulé vendê picolé, não é, doutô?
–
Não, mas tem o rio Muriaé e a segunda maior estátua do Cristo Redentor do
Brasil, com vinte metros de altura.
–
Ah, bão... Só tem um porblema, doutô, a estátua num chupa
picolé e no rio num tem praia...
–
Sim, mas isso são meros detalhes. O importante é que você vai poder comprar sua casa ali, de longos 30m², incluído um
jardim na frente, onde cabe uma bananeira.
–
Mas nós não come só banana, doutô...
–
Então vá plantar batatas!
–
Doutô, nós vai morar na Vieira Souto
nem que seja debaixo da ponte.
–
Só tem um problema, meu jovem...
–
Qual?
–
Não existe ponte na Vieira Souto!
...
Que
saudades do Jô humorista!
Em
solidariedade aos proletários de todo o mundo, acrescento o poema joteliano, que revisei após edição em Poemas e poetas II: antologia poética. Rio
de Janeiro: Littteris, 1990; “prêmio de edição”. A renda será utilizada para
comprar o apartamento dos sonhos da Maria e de você, proletário sonhador:
Maria de Ponte (Joteli)
Seu
nome é Maria...
Debaixo
da ponte,
Maria
ficou
Sem
teto e sem fonte...
As
suas crianças,
Coitadas,
também...
Maria
e os filhos
Estão
sem ninguém.
Ninguém
que socorra
A
pobre – na cruz –
Que
foi despejada
Após
dar à luz.
Maria,
coitada,
Perdeu
o seu lar
E sonha voltar
E sonha voltar
Lá
para o Pará...
Pois
eis que uma empresa
Com
base em sentença...
Tombou
sua casa
Sem
sua licença.
E,
desanimada,
Sem
grana, sem nada,
Contando
seis filhos,
Se
sente cansada...
Miséria
total,
Jamais
poderia
Pagar
pra morar
A
pobre Maria.
O
seu barracão
De
sobras de tábuas
Foi
fruto do amor
De
bondosas almas.
E
agora, Maria,
Que
deixou nascer
Seu
novo bebê,
Nem
pode morrer...
Oh!
Deus, diga aonde
Pode
esta coitada
Ter
dignidade
Com
a filharada...
A
pobre Maria
Outrora
tão linda,
Sem
ter trinta anos
Jaz
envelhecida.
Outrora
sonhara
Poder
se casar,
Ter
vida tranquila,
Ter
filho, ter lar...
Outrora
viera
Lá
do seu Pará
E
fora estuprada
No
Paranoá.
Agora,
enjeitada,
Com
rugas na fronte,
Está
com seis filhos
Debaixo
da ponte.
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