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domingo, 14 de maio de 2023

 


AMOR PARA SEMPRE 

A senhora viúva, dia a dia,
Sob os efeitos de uma hemiplegia,
Trazia a própria vida concentrada
Na cadeira de rodas, manejada
Por amiga enfermeira.
 
Dos parentes mais íntimos
Um filho lhe restava, um filho só,
O filho que ela amava enternecidamente...
Marido, pais, irmãos, chamados pela morte,
Deixaram-lhe na vida
Muita emoção frustrada
E aquele moço forte
Que não lhe confortava a existência dorida,
Muito embora abastada.

Achando-nos na véspera do dia
Que marcaria o enlace do rapaz,
A mãezinha doente
Num misto de alegria,
De esperança e de paz
Entregou-lhe, feliz, tudo quanto possuía:
A fazenda, as ações de grande companhia,
Os créditos de banco e a linda moradia,
 A dizer-lhe, contente:
 — Filho, tudo o que tenho é seu...
 De amanhã para a frente,
 Passo a morar no estreito pavilhão
 Que seu pai construiu ao fundo da mansão.
 Desejo ver você e a jovem companheira
 Sempre felizes, sem cuidados...
 Toda alegria agora para mim
 Será sabê-los sossegados,
 Ante a bênção de Deus, na visão do futuro...
 
 O filho comovido
 Beijou-lhe as mãos num gesto de amor puro
 E agradeceu a doação materna,
 Prometendo-lhe em voz macia e terna,
 Pela jovem com quem se casaria
 Segurança, carinho, convivência
 Para todas as horas da existência
 Que desejava fossem
 Adornadas de paz e de alegria.
 
Depois do enlace, a enferma recebia
Cartões lindos da Europa...O casal de viajores
Via a lua-de-mel por um mundo de flores...
Ambos davam notícias da beleza
De Lisboa e Paris, de Florença e Veneza...
 
 Mas de retorno ao lar, após a festa
 De comemoração do regresso feliz
 A dama recebeu na vivenda modesta
 O jovem par... E a nora exigente lhe diz:
 — Minha sogra, ouça bem!...
 Seu filho e eu
 Pensando em seu descanso,
 Resolvemos agora transferi-la
 Para um lar de repouso, um abrigo claro e manso
 Onde a senhora viva mais tranquila.
 Precisamos aqui viver a sós,
 Não pretendemos tê-la junto a nós.


 Porque a pobre espantada procurasse
 O olhar do filho amado para ver
 A atitude interior que lhe viesse à face,
 Ele mesmo aduziu:
 — É um pouso geriátrico, mãezinha,
 A senhora, por lá, não estará sozinha.


 Nada disse a velhinha, posta a um canto,
 Tão somente mostrou silêncio e pranto...
 
 No dia imediato,
 Mudara-se-lhe o trato...
 Internada num belo casarão,
 Apesar da gentil acompanhante,
 Eis que saudade enorme a domina e consome...
 O recinto de luxo para ela,
 Alma nobre e singela,
 Tinha apenas um nome:
 "Exílio e solidão".
 
 Seis meses transcorreram, lentamente,
 Não mais tornou a ver o filho ausente
 E sem que a pompa, em torno, a reconforte,
 A velhinha mais triste e mais doente,
 De mágoa em mágoa, vagarosamente,
 Entregou-se, de todo, às mãos da morte...

 Ante as indagações do verniz social,
 Deu-se-lhe sobre a Terra um lindo funeral...
 
 A pobre repousou num sono longo e raro;
 Mais tarde, despertou solicitando amparo.
 Junto dela, um Emissário de Vigia,
 Descortinou-lhe os Céus, comentando a alegria
 Que a esperava na Altura...

 A pobre mãe, porém, perguntou com ternura:
 — E meu filho onde está?

 — Sem dúvidas quaisquer – falou-lhe o mensageiro –
 Tanto quanto ficou, seu filho ficará
 Por muito tempo ainda em franco cativeiro,
 Tem muito que lutar, nos encargos que leva,
 Entre as forças da Luz e as tentações da treva...
 Mas você, minha irmã, pode elevar-se agora,
 Pelo sacrifício e devoção ao Bem,
 Mundos da Eterna Aurora
 Esperam-na no Além...
 
 A senhora, porém,
 Expressando respeito àquelas diretrizes,
 Disse, calma e sincera:
 — Não aspiro a viver entre os mundos felizes!...
 Voltar a ver e acompanhar meu filho,
 Sem qualquer empecilho,
 É todo o Céu de minha longa espera.
 
 O Mensageiro que lhe conhecia
 Os tempos de doença e de agonia
 Anotou com brandura:
 — Irmã, descer da Altura Imensa
 A fim de trabalhar sem recompensa
 Em favor dessa ou daquela criatura
 É conquistar maior merecimento...
 Para estar com seu filho, em constante união,
 Precisará viver
 Sob o regime da reencarnação...
 E, acaso, aceitará por mãe a própria nora?
 
 — Como não, anjo bom? – replicou a senhora –
 Se Deus me consentir, assim regressarei,
 Creio que a luz do amor é o princípio da Lei;
 Se tenho no meu filho a bênção que procuro,
 Como menosprezar a jovem que ele adora?
 Amá-lo-ei melhor por minha nora
 De quem devo ser filha no futuro...
 Hei de amá-la também, voltando a ser criança,
 Sempre encontrei no amor divina maravilha,
 Minha nora no lar me acolherá por filha,
 Serei nos braços dela uma nova esperança...
 Envolverei meu filho e ela em meu sorriso,
 Todo berço na Terra aponta o Paraíso...
 
 Cinco anos passaram sobre o Tempo...
 Hoje anotei um trio encantador:
 Ante a filhinha: - luz recém-nascida –
 Disse o pai ao beijá-la: "Minha vida!"...
 A criança sorriu no berço cor-de-rosa
 E a mãezinha, a enfeitar-lhe o corpinho de flor,
 Exclamou comovida e venturosa:
 — "Deus te abençoe, meu anjo, meu amor!..."


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