Páginas

quinta-feira, 11 de maio de 2023




RENÚNCIA MATERNAL
 
A senhora ofegante agoniza no leito.
Ministrara-lhe o filho
Para acalmar-lhe a dor medicação suposta...
Agora compreendia...
Era um crime perfeito
E o coma inesperado
Atingia-lhe, em cheio, por resposta.
 
Ali estavam ambos. Noite alta.
O rapaz não percebe
Toda a extensão da própria falta.
Na câmara trancada, ela jaz consciente;
Não teria suposto o filho, amigo e inteligente,
Que ela criara aos mimos,
Entre risos e beijos,
Para brilhar nos grandes cimos
Do campo social,
Capaz de impor-lhe assim,
Tão doloroso fim
Na moldura do mal.
 
Ao derradeiro olhar da vítima que sofre,
O rapaz abre o cofre
E retira o dinheiro ali depositado,
Além da grande soma de contado,
Ele, o moço infeliz,
Furta os brilhantes e os rubis,
Os adereços de ouro, as pedras raras
E as coleções mais caras
Que falavam tão alto ao coração materno...
Vendo que a genitora nele fixa o olhar piedoso e terno
Ao entregar-se a morte,
Ele, calmo, efetua o lúgubre transporte
Do tesouro que passa a usufruir
Para local
Que ninguém, mas ninguém da moradia enorme
Poderá descobrir.
 
Logo depois, enquanto a casa dorme,
Ante a mãe morta, agora enrijecida,
Ele prepara a cena pela qual
Ela será interpretada
Na condição de pobre dementada
E doente suicida.
Por detalhe final,
Coloca junto dela
Uma taça de estranho corrosivo,
Um veneno letal
Tisnando o guaraná inofensivo.
Em seguida, abre a porta,
Conclama servidores,
Grita clamando a dor que o desconforta,
Diz que a mãe se fizera
Lamentável suicida,
Por sofrer grande tédio em toda a vida...
Roga estejam presentes
Autoridades competentes,
E, após o barulhento funeral,
Ei-lo rico, afinal,
Na sede de fazer no mundo o quiser,
Sem recordar, sequer,
Que acima das criaturas e das cousas
Outra vida palpita além das lousas.
 
 Mas, no Além, oh! Segredo soberano,
Aquela mãe liberta,
Sente falta do filho desumano,
Reconhece que o ama e nota que o perdoa,
Imensamente terna e imensamente boa...
Mostrando o coração por brilhante luzeiro
Ante as Mansões da Paz, encontra um mensageiro
Que lhe oferece os Céus por recompensa...
Em sublimes tarefas de eleição,
Nas quais encontre paz, felicidade,
Alegria e mais luz ao coração...
Ela, porém, humilde,
Disse não esperar
Poder subir, sozinha, aos sóis do Eterno Lar;
E porque o mensageiro lhe indagasse
Sobre o que mais desejaria,
A explicar-lhe
Que o mérito alcançado
Não lhe impunha incerteza ou qualquer empecilho.
A pobre replicou, timidamente:
— Creio eu que o Senhor
Coloca o nosso céu onde está nosso amor!...
Anjo bom, se Jesus terno e clemente,
Pode ainda me ouvir, por imensa piedade,
Quero dizer que não desejo
Outra felicidade,
Outro céu e outro brilho,
Nem qualquer redenção,
Além da permissão
De voltar para a Terra e proteger meu filho!...
 
DOLORES, Maria (Espírito). Coração e vida. Psicog. Chico Xavier. Brasília: FEB: São Paulo, SP: IDEAL, 2022.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Viva a Cruz Vermelha! (Irmão Jó)   A Terra é um cipoal De ervas daninhas do mal.   A dor internacional Faz do mundo um hospital....