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sexta-feira, 29 de março de 2013


Em dia com o Machado 43 (jlo)

            Boa-tarde!

            No meu tempo, ali pela segunda metade do século XIX, quando um casal se apaixonava, era sempre o homem a tomar a iniciativa da sedução. Pelo menos nos contos e romances.
            Querem um exemplo? Imaginemos a seguinte cena: José Perfeito caminha pela Rua do Ouvidor, na Cidade Maravilhosa, quando vê uma linda moça morena, olhos verdes, bolsa carpe diem, chapeuzinho da mesma marca francesa, e pensa:
            — Meu Deus! As deusas estão descendo dos céus para trazerem mais beleza à Terra.
            Repentinamente, a jovem tropeça e cai de joelhos. Ou, então, seu lencinho de rendas (importado da França, logicamente) cai ao chão (Sem falar na possibilidade de surgir, a sua frente, uma “poça” d’água, quando, então, é o lenço do rapaz que lhe servirá de tapete.).  É a senha. O guapo rapaz — pois ainda não lhe dissera, amiga leitora, mas ele era um guapo rapaz — imediatamente se abaixa, estende a mão cabeluda à delicada mão da formosa deusa dos seus sonhos... Ou então, pega o lenço dela no chão e o devolve, sempre de olhar fixo nos verdes olhos da musa, que teimam em não encará-lo, mas lhe profere um tímido — Obrigada!
            É a segunda dica para o inútil início de conversa, quase sempre um monólogo, ante uma figurinha esbelta e assustada:
            — Meu nome é José Perfeito, e o seu?
            Silêncio...
            — Pois bem, sou advogado (impressiona), solteiro e moro em Copacabana. Se precisar dos meus préstimos, estou a sua inteira disposição...
            De cabeça baixa, ela olha-o furtivamente.
            Tentava continuar a conversa, convidá-la para um almoço, mas a moça, nesse primeiro encontro, ainda que de coração palpitante de emoção, sai correndo, sem se virar para trás, com medo de se transformar em estátua de gelo, como a mulher de Ló do Antigo Testamento, ou temendo que o príncipe vire sapo.
            A partir desse momento, é preciso uma dose imensa de perseverança e paciência. Perfeito olha as horas no relógio, identifica bem o local (que, aliás, nem é muito preciso, pois a Rua do Ouvidor é o lugar preferido de passeio das beldades da época), sobretudo, o ponto da rua em que houve o encontro e...  adivinha, respeitável leitora, onde ele estará passando, no dia seguinte e nos próximos dias, naquele mesmo horário?
            Mas Cremilda não lhe ficará atrás. A primeira reação foi só uma forma de tornar a conquista mais apreciada. No fundo, ela sabe que seu príncipe nunca mais deixará de tentar conquistá-la. E o procedimento é tão meticulosamente calculado que, a cada dia de espera, mais palpita o coração dos futuros amantes.
            É provável que, no dia seguinte, e mesmo nos próximos dias, José não a encontre ali. É possível que haja um baile no teatro nacional e Cremilda para lá se dirija, acompanhada de sua mãe. É a oportunidade tão ansiosamente aguardada (por ambos).    Certamente, o rapaz não faltará a esse baile. Será um dos primeiros a chegar e, antes de entrar, ficará observando cada jovem que chega para ver se sua preferida está entre elas.
            Caso ela chegue, com sua mãezinha a tiracolo, Perfeito observará em que poltrona sentar-se-ão e sentar-se-á o mais próximo de ambas.
            Ao ter início a primeira música, José dirigir-se-á à mãe da jovem, apresentar-se-á e pedir-lhe-á a honra de ser o primeiro parceiro de dança com sua linda filha (Veja, leitora, que até nossa linguagem é arcaica, cheia de mesóclises.).
            Concedida a honra, inicia-se o diálogo (finalmente!) e ele pergunta-lhe se ela se lembra do seu primeiro encontro, na Rua do Ouvidor.
            Ruborizada, responde-lhe, com o coração aos saltos:
            — Nunca me esqueci de sua gentileza (ou seja, de você, meu lindo), José!
            — E como te chamas?
            — Cremilda.
            — Oh! Que nome maravilhoso (E, por dentro: “Nem tudo é perfeito...”). Sonhei contigo muito antes de conhecer-te, ó linda Cremilda...
            Pronto! Esses dois estavam arrumados, quiçá para sempre.
            Ainda assim, a conquista levava, por vezes, meses (em alguns casos até anos, pois os imprevistos sempre podiam ocorrer). Até que um dia, os pombinhos se acertavam e, se o cavalheiro se mostrasse digno, o casal seria feliz para sempre.
            Atualmente, nas novelas de uma grande emissora, e nas demais, a coisa é um pouco diferente. A iniciativa é, as mais das vezes, das moças (principalmente quando é para o casal se beijar). E isso acontece, amiúde, também, na vida real.
            Afinal, com a conquista da liberdade sexual, o que elas têm a perder se experimentarem namorar muuuito, antes de se casarem?
            — O problema é que os Josés Perfeitos estão cada vez mais indecisos e preferem, também, pegar todas...
            Com isso, nem os rapazes casados estão livres do assédio sexual, pois, no desespero, algumas jovens se sentem até mais seguras em ter um relacionamento com um homem comprometido do que com outro, que nada promete.
            O problema é que essa segurança é ilusória e, por vezes, catastrófica, senão deprimente, pois quem tem de repartir alguém não tem ninguém.
            Então, fica aqui um conselho (se é que se deve dar conselho em termos amorosos ou mesmo em quaisquer assuntos): moças e moços, valorizem seus corpos, pois o envolvimento físico, ainda que não creiamos nisso, implica envolvimento afetivo, psicológico e espiritual. Não tentem se envolver com quem tenha um relacionamento estável, pois com isso vocês poderão também se desestabilizar, desestruturando o relacionamento alheio.
            Voltar um pouquinho aos tempos antigos é uma forma de se construir um futuro envolvimento amoroso em bases psicológicas seguras. Ou, ao menos, em não se desiludirem a todo o instante, quando se experimentam tod@s e não se têm nenhum(a).
            Há controvérsia, mas this is a difference of opinion.

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