Em dia
com o Machado 113 (jlo)
— Meu caro
Joteli, se não fosses tão esquecido, ter-te-ias lembrado, como a mim me
lembra, de que o poema postado na revista Reformador, de 2009,
não é um soneto e sim um poema com quatro estrofes de seis versos, que
terminam com o refrão "É preciso coerência". Releia-o, por favor. E
brinda também teus leitores com um dos teus mais
metafísicos poemas.
— É verdade,
amigo Bruxo do Cosme Velho. Redimir-me-ei, então, com meus leitores, e o
transcreverei abaixo:
É
preciso coerência
Ao contemplar a
vastidão do espaço,
Em bela noite,
um sábio refletia:De que me vale toda esta ciência,
Se o mais das vezes, falo o que não faço?
Então ouviu a voz que lhe dizia:
É preciso coerência...
E disse ao vento
com estardalhaço:
De que me vale, ó
Deus, tanta teoria?E ouviu de novo a voz, que bem sabia
Provir de sua própria consciência,
Que, novamente, a sós, lhe repetia:
É preciso coerência...
Eu bem sei
disso, mas o que queria
Para, envolvendo
todos num abraço,Poder lhes alertar sobre o que via,
É ter, como Jesus, a presciência.
Mas a voz, implacável, insistia:
É preciso coerência...
Então
compreendeu o que não via:
Ninguém alcança
a luz sem persistência.Tão bem como saber, Jesus fazia
E nisso estava toda a sua Ciência,
Pois, para alguém segui-lo, passo a passo,
É preciso coerência.
— Exatamente
assim, meu caro Joteli... Agora é com vós, amiga leitora e leitor amigo:
Sabeis
o que é poesia?
É difícil explicá-la: é um sentir sem definição; é uma palavra que o
anjo das harmonias segreda no mais íntimo d'alma, no mais fundo do coração, no
mais recôndito do pensamento. A alma, e o coração, e o pensamento
compreendem essa palavra, compreendem a linguagem em que lhe foi revelada —
mas não a podem dizer nem exprimir[i].
— Só não entendi
uma coisa, Machado, por que você resolveu escrever sua crônica sobre um texto
poético deste aprendiz de poeta tão simplório?
— Ora, Joteli,
fui eu quem to inspirou; não percebeste? "É comum aos discípulos tirarem
aos mestres o mau de envolta com o bom, como ouro que se extrai de envolta com
a terra"[ii]. Fui tão coerente em minha última encarnação na
Terra, que recusei a extrema-unção proposta por um padre no momento em que eu
expirava...
— Mas você não
foi criado na Igreja Católica, tendo sido coroinha? Não conhecia a Bíblia como
poucos? Não frequentou inúmeras missas? Não foi amigo de bondosos padres e
bispos, que homenageou em suas crônicas?
— Também
poderias inculcar-me espírita, embora conheças algumas crônicas, especialmente
escritas em minha mocidade, nas quais ataquei a nova Doutrina. Um dos meus
melhores romances é Memórias póstumas de
Brás Cubas e, se leres atentamente todos os meus livros que se seguiram a
este, verás a presença de personagens e fenômenos espíritas que prestavam
minha reverência e respeito ao Espiritismo como ciência, filosofia e religião definitivas.
— Então,
Machado, em seus últimos dias de vida física na Terra...
— Afastei-me da
igreja, dos maus religiosos, mas a terra me foi leve: mantive a minha convicção
de que reencontrar-me-ia não somente com Carolina[iii],
como de fato reencontrei, mas também com todos os bons amigos de nossa
extensa família espiritual.
— Então, até
breve, meu bom amigo...
— Adeus, Joteli.
Vejo-te nesta outra dimensão... Se mereceres...
[i]
AZEVEDO, Sílvia Maria; DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro
(Orgs.). Machado de Assis: crítica
literária e textos diversos. São Paulo: Unesp, 2013, p. 53.
[ii]
_____; _____; _____ (Orgs.). _____. São Paulo: Unesp, 2013, p. 98.
[iii] ASSIS, Machado de. Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar
Editora, 1973, vol. 3, p. 1070- 1071.
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