Em
dia com o Machado 114 (jlo)
Tenho aqui à minha frente nada
mais nada menos que Augusto dos Anjos, a quem pedi uma entrevista exclusiva.
— Boa-noite, Augusto! Como te
defines e de onde vens?— Boa-noite, Bruxo!
Sou uma
Sombra! Venho de outras eras,
Do
cosmopolitismo das moneras...
Pólipo
de recônditas reentrâncias,
Larva
de caos telúrico, procedo
Da
escuridão do cósmico segredo,
Da
substância de todas as substâncias!
(In: ANJOS,
Augusto. Eu e outras poesias.
Poema: Monólogo de uma sombra).
— Acreditaste na sobrevivência do Espírito
um dia?
— Como não crer se
Morri!
E a Terra - a mãe comum - o brilho
Destes
meus olhos apagou!... Assim
Tântalo,
aos reais convivas, num festim,
Serviu
as carnes do seu próprio filho!
[...]
Hoje
que apenas sou matéria e entulho
Tenho
consciência de que nada sou!
(In:
ANJOS, Augusto. Eu e outras poesias.
Poema: Vozes de um túmulo).
— Como se pode ter consciência de que nada
se é?
— Isso dizia eu da carne putrescível; / retornando,
porém, para esta dimensão, / voltando para o plano etéreo onde ora estamos, /
continuei com consciência indestrutível (jlo).
— Ah, sim, nada somos como “matéria e
entulho”, pois não somos um corpo carnal que tem uma alma e, sim, uma alma que vive,
temporariamente, num corpo físico, certo? E o que mais a consciência lhe mostrou?
— Mostrou-me ela que
Há,
sim, a inconsciência prodigiosa
Que
guarda pequeninas ocorrências
De
todas as vividas existências
Do
Espírito que sofre, luta e goza.
Ela é a
registradora misteriosa
Do
subjetivismo das essências,
Consciência
de todas as consciências,
Fora de
toda a sensação nervosa.
Câmara
da memória independente,
Arquiva
tudo rigorosamente
Sem
massas cerebrais organizadas,
Que o
neurônio oblitera por momentos,
Mas que
é o conjunto dos conhecimentos
Das
nossas vidas estratificadas.
(In:
XAVIER, F. C. Parnaso de além-túmulo.
Soneto:
A subconsciência)
— Que recado gostarias de dar ao amigo
leitor?
— Quando estive no ergástulo da carne, afirmei
peremptório com escárnio:
A
Esperança não murcha, ela não cansa,
Também
como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se
sonhos nas asas da Descrença,
Voltam
sonhos nas asas da Esperança.
Muita
gente infeliz assim não pensa;
No
entanto o mundo é uma ilusão completa,
E
não é a Esperança por sentença
Este
laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade,
portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te
a Crença do fanal bendito,
Salve-te
a glória no futuro — avança!
E
eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também
espero o fim do meu tormento,
Na
voz da Morte a me bradar: descansa!
(In:
ANJOS, Augusto. Eu e outras poesias.
Soneto:
A esperança).
—
Agora que a esperança se tornou certeza, tens algo mais a declarar?
—
Concluo tua pergunta inicial com novos versos deste plano astral:
Donde venho? Das eras remotíssimas,
Das substâncias elementaríssimas,
Emergindo das cósmicas matérias.
Venho dos invisíveis protozoários,
Da confusão dos seres embrionários,
Das células primevas, das bactérias.
Venho da fonte eterna das origens,
No turbilhão de todas as vertigens,
Em mil transmutações, fundas e enormes;
Do silêncio da mônada invisível,
Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,
Vitalizando corpos multiformes.
Sei que evolvi e sei que sou oriundo
Do trabalho telúrico do mundo,
Da Terra no vultoso e imenso abdômen;
Sofri, desde as intensas torpitudes
Das larvas microscópicas e rudes,
À infinita desgraça de ser homem.
[...]
E apesar da teoria mais abstrusa
Dessa ciência inicial, confusa,
A que se acolhem míseros ateus,
Caminharás lutando além da cova,
Para a Vida que eterna se renova,
Buscando as perfeições do Amor em Deus.
(In: XAVIER, F. C. Parnaso
de além-túmulo.
Poema: Vozes de uma sombra.)
Divulgas a imortalidade navegando nas ondas literárias entre dois mundos.
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