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quarta-feira, 30 de julho de 2014


Em dia com o Machado 115 (jlo)

 

            Amigo leitor e bela leitora, houve um tempo em que recomendei aos jovens para não serem tão açodados na elaboração de seus textos. Lembrei-me agora de ter lido uma frase do Senhor Allan Kardec sobre a formação intelecto-moral de um sábio. Dizia ele que, para se produzir um médico medíocre, são necessários alguns anos de estudos compenetrados, mas para se formar um sábio é preciso dedicar três quartas partes da existência. E isso não somente no aprendizado teórico, como também no aspecto prático (O livro dos espíritos, introd., item XIII).

            Logicamente, o mestre lionês não se referia a uma curta existência e, sim, a alguém que tenha alcançado ao menos meio século de vida na matéria. Fazendo-se as contas, o sábio necessitaria de 37,5 anos de estudos aplicados se só vivesse 50 anos.

            Alhures, afirmou José de Alencar que "A mocidade é uma sublime impaciência. Diante dela, a vida se dilata, e parece-lhe que não tem para vivê-la mais que um instante. Põe os lábios na taça da vida, cheia a transbordar de amor, de poesia, de glória, e quisera estancá-la de um sorvo".[1] Porém, em seguida, acrescentou Alencar que "A sobriedade vem com os anos; é virtude do talento viril. Mais entrado na vida, o homem aprende a poupar sua alma".[2]

            Quero relembrar-lhes, leitores, minhas considerações sobre a pureza da linguagem. Está na crônica intitulada A língua[3]. O problema é muito sério, em especial para os críticos e revisores textuais.

            Suponhamos que uma obra para revisão e avaliação crítica tivesse duzentas páginas, e cada página tivesse 30 linhas, e cada linha, setenta toques e doze palavras em média. Calculei, a grosso modo, 420.000 toques e 72.000 palavras por obra. Toots, toots, and words, words... 

            Por aí se vê a dureza do trabalho do crítico, que também deve ser a do revisor. Além das ideias, ele igualmente precisa estar atento à forma. E ai do revisor que, nesses mais de quatrocentos mil toques, deixar passar erros em apenas 0,001% deles... O crítico tem de ir além disso; precisa ver, naquelas 72.000 palavras, se elas não se repetem muito, em cada frase, se a sua morfossintaxe está correta e, sobretudo, se expressam, com objetividade e singeleza um pensamento criativo, uma alma sensível, um senso de humor elevado, uma originalidade...

            Há algum tempo, meu secretário estava revisando uma obra tão mal digitada que se deparou, logo de início, com o seguinte verso de um poema: "Triste vi meti pai morrendo na bigorna". Sem entender nada, conferiu com o texto da obra original, cujo verso correto era o seguinte: "Triste, vendo meu pai morrendo na bigorna". Era o relato de um filho sobre a contemplação de sua mãe diante da morte do esposo em acidente de trabalho em sua oficina mecânica.

            Se até para copiar os outros, nossos jovens têm dificuldade, quanto mais grave é o que eles mesmos escrevem, de modo precipitado, como se estivessem disputando uma corrida a cujo vencedor fossem concedidas as láureas de campeão, embora o percurso percorrido por este fosse bem mais curto do que o dos seus demais concorrentes. No domínio linguístico, isso é improvável e mesmo impossível. Não basta a inteligência, é preciso o esforço persistente, para se obter sucesso nas lides literárias, como em tudo na vida.

            O Espírito Thomas Édson acaba de me pedir para lembrar-lhe, amiga leitora, sua frase memorável: "O gênio se faz com 99% de transpiração e 1% de inspiração.

            A não ser na psicografia...

            De tout mon coeur.




[1] AZEVEDO, Sílvia Maria; DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro. Orgs. Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Unesp, 2013, p. 335.
[2] Idem, ibidem.
[3] ASSIS, Machado. O Novo Mundo, vol. III, nº 30, 24 mar. 1873. In: AZEVEDO; DISILEK; CALLIPO, op. cit., p. 441.

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