Páginas

terça-feira, 18 de dezembro de 2018



Em dia com o Machado 346 (Jó*

            Eu corria no parque da cidade de Brasília, quando percebi ao meu lado um vulto luminoso: era Emmanuel. Cumprimentei-o, ele respondeu-me, e logo começamos a conversar, enquanto os quilômetros da pista se escoavam...
            — Dileto amigo espiritual, que me tens a dizer sobre esta frase do Cristo: “O que foi gerado da carne é carne, o que foi gerado do espírito é espírito” (João, 3:6)?
            — Digo-te que

Atingido o plano espiritual, depois da morte, sentimentos indefiníveis nos senhoreiam o coração. Nos recessos do espírito, rebentam mágoas e júbilos, poemas de ventura e gritos de aflição, cânticos de louvor pontilhados de fel e brados de esperanças que se calam, de súbito, no gelo do sofrimento...
Rimos e choramos, livres e presos, triunfantes e derrotados, felizes e desditosos... Bênçãos de alegria, que nos clareiam pequeninas vitórias alcançadas, desaparecem, de pronto, no fundo tenebroso das quedas que nos marcaram a vida. Suspiramos pela ascensão sublime, sedentos de comunhão com as entidades heroicas que nos induzem aos galardões fulgentes dos cimos, todavia trazemos o desencanto das aves cativas e mutiladas. Ao invés de asas, carregamos grilhões, na penosa condição de almas doentes...
Na concha da saudade, ouvimos as melodias que irrompem das vanguardas de luz, entretecidas na glória dos bem-aventurados, no entanto austeras admoestações nos chegam da Terra pelo sem-fio da consciência. Nas faixas do mundo, somos requisitados pelas obrigações não cumpridas. Erros e deserções clamam, dentro de nós, pedindo reparos justos...
Longe das esferas superiores que ainda não merecemos e distanciados das regiões positivamente inferiores em que nossas modestas aquisições evolutivas encontraram início, concede-nos, então, a Providência Divina o refúgio do lar, entre as sombras da Terra e as rutilâncias do Céu, por um instituto de tratamento, em que se nos efetive a necessária restauração.
É assim que, reencarnados em nova armadura física, reencontramos perseguidores e adversários, credores e cúmplices do pretérito na forma de parentes e companheiros para o resgate de velhas contas. Nesse cadinho esfervilhante de responsabilidades e inquietações, afetos renovados nos chamam ao reconforto, enquanto que aversões redivivas nos pedem esquecimentos...
À vista disso, no mundo, por mais atormentado nos seja o ninho familiar, abracemos nele a escola bendita do reajuste, onde temporariamente exercemos o ofício da redenção. Conquanto crucificados em suplícios anônimos, atados a postes de sacrifícios ou semiasfixiados no pranto desconhecido das grandes humilhações, saibamos sustentar-lhe a estrutura moral, entendendo e servindo, mesmo à custa de lágrimas, porque é no lar que, esteja ele dependurado na crista de arranha-céus, ou na choça tosca de zinco, que as leis da vida nos oferecem as ferramentas do amor e da dor para a construção e reconstrução do próprio destino entregando-nos, de berço em berço, ao carinho de Deus que verte inefável, pelo colo das mães (XAVIER, F. C. O Livro da Esperança, cap. 8).

            Após essa verdadeira aula sobre o elo entre a vida física e a espiritual, indaguei de Emmanuel se suas palavras significavam que não existe acaso nas ligações familiares em nosso plano físico. Em resposta, disse-me ele:
            — Meu caro Jó, “Os laços de família não sofrem destruição alguma com a reencarnação, como o pensam certas pessoas. Ao contrário, tornam-se mais fortalecidos e apertados”. O princípio da existência única na Terra, sim, é que destruiria esses laços, como disse Allan Kardec (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 4, it. 18).
            De repente, percebi que chegáramos ao fim da pista e da conversa, pois Emmanuel entrou por uma porta invisível, acenou-me adeus e desapareceu.

Nota do autor: À exceção das citações, todos os textos de minhas crônicas são fictícios, ou seja, de minha elaboração pessoal ou por mim parafraseados. Nada há neles que se possa dizer ter sido psicografado, exceto o que for mediúnico e, nesse caso, referenciado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

  A dança é língua internacional (Irmão Jó)   Não há dança que não sirva De inspiração sempre viva.   Vendo um casal a dançar Põe-se o poeta...