Em dia com o Machado 346 (Jó*
Eu corria no
parque da cidade de Brasília, quando percebi ao meu lado um vulto luminoso: era
Emmanuel. Cumprimentei-o, ele respondeu-me, e logo começamos a conversar, enquanto
os quilômetros da pista se escoavam...
— Dileto amigo
espiritual, que me tens a dizer sobre esta frase do Cristo: “O que foi gerado da carne é carne, o que foi gerado do espírito é
espírito” (João, 3:6)?
— Digo-te que
Atingido o plano
espiritual, depois da morte, sentimentos indefiníveis nos senhoreiam o coração.
Nos recessos do espírito, rebentam mágoas e júbilos, poemas de ventura e gritos
de aflição, cânticos de louvor pontilhados de fel e brados de esperanças que se
calam, de súbito, no gelo do sofrimento...
Rimos e choramos,
livres e presos, triunfantes e derrotados, felizes e desditosos... Bênçãos de
alegria, que nos clareiam pequeninas vitórias alcançadas, desaparecem, de
pronto, no fundo tenebroso das quedas que nos marcaram a vida. Suspiramos pela
ascensão sublime, sedentos de comunhão com as entidades heroicas que nos
induzem aos galardões fulgentes dos cimos, todavia trazemos o desencanto das
aves cativas e mutiladas. Ao invés de asas, carregamos grilhões, na penosa condição
de almas doentes...
Na concha da saudade,
ouvimos as melodias que irrompem das vanguardas de luz, entretecidas na glória
dos bem-aventurados, no entanto austeras admoestações nos chegam da Terra pelo
sem-fio da consciência. Nas faixas do mundo, somos requisitados pelas obrigações
não cumpridas. Erros e deserções clamam, dentro de nós, pedindo reparos
justos...
Longe das esferas
superiores que ainda não merecemos e distanciados das regiões positivamente
inferiores em que nossas modestas aquisições evolutivas encontraram início,
concede-nos, então, a Providência Divina o refúgio do lar, entre as sombras da
Terra e as rutilâncias do Céu, por um instituto de tratamento, em que se nos
efetive a necessária restauração.
É assim que,
reencarnados em nova armadura física, reencontramos perseguidores e
adversários, credores e cúmplices do pretérito na forma de parentes e
companheiros para o resgate de velhas contas. Nesse cadinho esfervilhante de
responsabilidades e inquietações, afetos renovados nos chamam ao reconforto,
enquanto que aversões redivivas nos pedem esquecimentos...
À vista disso, no
mundo, por mais atormentado nos seja o ninho familiar, abracemos nele a escola
bendita do reajuste, onde temporariamente exercemos o ofício da redenção.
Conquanto crucificados em suplícios anônimos, atados a postes de sacrifícios ou
semiasfixiados no pranto desconhecido das grandes humilhações, saibamos sustentar-lhe
a estrutura moral, entendendo e servindo, mesmo à custa de lágrimas, porque é
no lar que, esteja ele dependurado na crista de arranha-céus, ou na choça tosca
de zinco, que as leis da vida nos oferecem as ferramentas do amor e da dor para
a construção e reconstrução do próprio destino entregando-nos, de berço em
berço, ao carinho de Deus que verte inefável, pelo colo das mães (XAVIER, F. C.
O Livro da Esperança, cap. 8).
Após essa
verdadeira aula sobre o elo entre a vida física e a espiritual, indaguei de
Emmanuel se suas palavras significavam que não existe acaso nas ligações
familiares em nosso plano físico. Em resposta, disse-me ele:
— Meu caro Jó, “Os laços de família não sofrem destruição alguma com
a reencarnação, como o pensam certas pessoas. Ao contrário, tornam-se mais
fortalecidos e apertados”. O princípio da existência única na Terra, sim, é que
destruiria esses laços, como disse Allan Kardec (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 4, it. 18).
De repente,
percebi que chegáramos ao fim da pista e da conversa, pois Emmanuel entrou por
uma porta invisível, acenou-me adeus e desapareceu.
Nota do autor: À exceção das citações, todos os textos de minhas crônicas
são fictícios, ou seja, de minha elaboração pessoal ou por mim parafraseados.
Nada há neles que se possa dizer ter sido psicografado, exceto o que for
mediúnico e, nesse caso, referenciado.
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