Continuação
da tradução livre d’O Evangelho segundo o
Espiritismo
A força do Espiritismo está nessa universalidade do ensino dos Espíritos, e é também a causa de sua tão rápida propagação. Enquanto a voz de um só homem, mesmo com o auxílio da imprensa, necessitaria de séculos para chegar aos ouvidos de todos, eis que milhares de vozes se fazem ouvir simultaneamente, em todos os pontos da Terra, para proclamar os mesmos princípios e os transmitir aos mais ignorantes e aos mais sábios, a fim de que ninguém seja deserdado. É uma vantagem de que não pôde gozar nenhuma das doutrinas aparecidas até hoje. Se, portanto, o Espiritismo é uma verdade, ele não teme nem a má vontade dos homens, nem as resoluções morais, nem as transformações físicas do globo, porque nenhuma dessas coisas pode atingir os Espíritos.
Mas não é essa única vantagem que
resulta dessa posição excepcional. O Espiritismo ainda encontra nela uma
poderosa garantia contra as discordâncias que poderiam ser suscitadas, quer
pela ambição de alguns, quer pelas contradições de certos Espíritos. Essas
contradições são certamente um escolho, mas carregam em si mesmas o remédio ao
lado do mal.
Sabe-se que os Espíritos, em
consequência de suas diferenças de capacidade, estão longe de possuir
individualmente toda a verdade; que não é dado a todos penetrar certos
mistérios; que seu saber é proporcional à sua depuração; que os Espíritos
vulgares não sabem mais do que os homens; que há, entre aqueles, como entre
estes, presunçosos e falsos sábios, que creem saber aquilo que não sabem;
sistemáticos, que tomam suas próprias ideias pela verdade; enfim, que os
Espíritos da ordem mais elevada, que são completamente desmaterializados, são
os únicos libertos das ideias e das preocupações terrenas.
Mas sabe-se também que os
Espíritos embusteiros não têm escrúpulos para esconder-se atrás de nomes
emprestados, a fim de fazerem aceitar suas utopias. Disso resulta que, para
tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém
possa obter são de caráter individual, sem autenticidade, e devem ser consideradas
como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, sendo imprudência aceitá-las
e propagá-las levianamente como verdades absolutas.
O primeiro controle é, sem
contradita, o da razão, ao qual é necessário submeter, sem exceção, tudo o que
vem dos Espíritos. Toda teoria em contradição manifesta com o bom senso, com
uma lógica rigorosa, e com os dados positivos que possuímos, por mais
respeitável que seja o nome que a assine, deve ser rejeitada. Mas esse controle
é incompleto para muitos casos, em virtude da insuficiência de conhecimentos de
certas pessoas e da tendência de muitos de julgarem suas ideias como as únicas
verdadeiras. Em tais casos, que fazem os homens que não confiam absolutamente
em si mesmos? Aconselham-se com os outros, e a opinião da maioria lhes serve de
guia. Assim deve ser no tocante ao ensino dos Espíritos, que nos fornecem eles
mesmos os meios de controle.
A concordância no ensino dos
Espíritos é portanto o seu melhor controle, mas é ainda necessário que ela se
verifique em certas condições. A menos segura de todas é quando um médium
interroga sozinho numerosos Espíritos, sobre uma questão duvidosa. É claro que
se ele está obsidiado ou se tem relações com um Espírito embusteiro, este
Espírito pode dizer-lhe a mesma coisa sob nomes diferentes. Não há garantia
suficiente, da mesma maneira, na concordância que se possa obter pelos médiuns
de um mesmo centro, porque eles podem sofrer a mesma influência.
A única garantia segura do ensino dos
Espíritos está na concordância das revelações feitas espontaneamente, por meio
de um grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em diversos
lugares.
Compreende-se que não se trata
aqui de comunicações relativas a interesses secundários, mas das que se referem
aos próprios princípios da doutrina. A experiência prova que, quando um novo
princípio deve ser revelado, ele é ensinado espontaneamente, ao mesmo
tempo, em diferentes lugares, e de maneira idêntica, senão na forma, pelo menos
quanto ao fundo. Se, portanto, um Espírito deseja formular um sistema
excêntrico, baseado em suas próprias ideias e fora da verdade, pode-se estar
certo de que esse sistema ficará circunscrito, e cairá diante da
unanimidade das instruções dadas por toda parte, como já mostraram numerosos
exemplos. É essa unanimidade que tem posto abaixo todos os sistemas parciais
surgidos na origem do Espiritismo, quando cada qual explicava os fenômenos do
mundo visível com o mundo invisível.
Essa é a base em que nos
apoiamos, para formular um princípio da Doutrina. Não é por concordar ele com
as nossas ideias, que o damos como verdadeiro. Não nos colocamos,
absolutamente, como juiz supremo da verdade, e não dizemos a ninguém: “Creiam
em tal coisa, porque nós a afirmamos”. Nossa opinião não é, aos nossos próprios
olhos, mais do que uma opinião pessoal, que pode ser justa ou falsa, porque não
somos mais infalíveis do que os outros. E não é também porque um princípio nos
foi ensinado que o consideramos verdadeiro, mas porque ele recebeu a sanção da
concordância.
Nessa posição, recebendo as
comunicações de cerca de mil centros espíritas sérios, espalhados pelos mais
diversos pontos do globo, estamos em condições de ver quais os princípios
básicos dessa concordância. É essa observação que nos tem guiado até hoje, e é
igualmente ela que nos guiará, através dos novos campos que o Espiritismo é
chamado a explorar. É assim que, estudando atentamente as comunicações vindas
de diversos lugares, tanto da França como do exterior, reconhecemos, pela
natureza toda especial das revelações, que há uma tendência para entrar numa
nova via, e que chegou o momento de se dar um passo à frente.
Essas revelações, formuladas às
vezes com palavras veladas, passaram quase sempre despercebidas para muitos
daqueles que as obtiveram; e muitos outros acreditaram tê-las recebido
sozinhos. Tomadas isoladamente, elas seriam para nós sem valor, somente a
coincidência lhes confere gravidade; pois quando chegar o momento de
publicá-las, cada um se lembrará de haver recebido instruções no mesmo sentido.
É esse o movimento geral que observamos e estudamos, com a assistência dos
nossos guias espirituais, e que nos ajuda a avaliar a oportunidade de fazermos
uma coisa ou de nos abstermos.
Esse controle universal é uma
garantia para a unidade futura do Espiritismo, e anulará todas as teorias
contraditórias. É nele que, no futuro, se procurará o critério da
verdade. O que determinou o sucesso da doutrina formulada n’O Livro dos Espíritos e n’O
Livro dos Médiuns foi que, por toda parte, cada qual pode receber,
diretamente dos Espíritos, a confirmação do que eles afirmavam. Se, de todas as
partes, os Espíritos os contradissessem, esses livros teriam, após tão longo
tempo, sofrido a sorte de todas as concepções fantásticas. O apoio mesmo da
imprensa não os teria salvado do naufrágio, enquanto que, privados desse apoio,
não deixaram de fazer rapidamente o seu caminho, porque tiveram o dos Espíritos,
cuja boa vontade compensou, com vantagem, a má vontade dos homens. Assim
acontecerá com todas as ideias emanadas dos Espíritos ou dos homens, que não
puderem suportar a prova desse controle, cujo poder ninguém pode contestar.
Suponhamos, portanto, que alguns
Espíritos queiram ditar, com qualquer título, um livro de sentido contrário;
suponhamos mesmo que, com intenção hostil, e com o fim de desacreditar a
doutrina, a malevolência suscitasse comunicações falsas. Que influência poderiam ter esses escritos, se eles são
desmentidos de todos os lados pelos Espíritos? É da adesão destes últimos que
se precisa assegurar, antes de lançar um sistema em seu nome.
Do sistema de um só ao sistema de
todos, há a distância da unidade ao infinito. Que podem, mesmo, todos os
argumentos dos detratores contra a opinião das massas, quando milhões de vozes
amigas, vindas do espaço, chegam de todas as partes do Universo, e no seio de
cada família os repelem vivamente? A experiência já não confirmou a teoria, no
tocante a esse assunto? Que foi feito de todas essas publicações que deviam,
segundo afirmavam, destruir o Espiritismo? Qual delas conseguiu, pelo menos,
deter-lhe a marcha? Até hoje não se havia considerado a questão desse ponto de
vista, sem dúvida um dos mais graves: cada um contou consigo mesmo, sem contar
com os Espíritos.
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