Em dia com o Machado 363 (jó)
Quando era pequeno, ouvi um alerta de mamãe,
gente de família simples, do qual nunca me esqueci, após papai cair na boa
conversa de um vigarista que lhe vendeu um bilhete vencido da loteria. O
farsante mostrou-lhe os números impressos no jornal do dia, Gazeta de Notícias, que lhe faziam supor
serem os mesmos do bilhete. Era tudo falsificado, e meu velho gastou o salário
do mês de minha família, pensando que havia encontrado um caipira bobo que lhe
vendera, ao preço do salário mínimo, o bilhete do milhão. Eis o alerta: “Bobo é
quem cai no conto do vigário”.
A partir daí, fiquei esperto e percebi que, em
se tratando de dinheiro, besta é quem pensa ganhar milhão fácil à custa alheia.
Em geral, os estelionatários, quando encontram alguém ambicioso e metido a
esperto, fazem miséria com essa pessoa.
Não é à toa que existem milhares de fakes na internet. Vivemos num mundo
bestial, em que para cada pessoa boa há cem más. Um dos meios de enganar os
trouxas é publicar, nalguns desses diversos sites, de preferência os da última moda, um perfil falso, que depois
será deletado. Ali, o 171 publica,
sem pudor, tudo que quiser: títulos acadêmicos inexistentes, milhares de
seguidores, negócios da China, lucros que forjam sua imagem como a de grande
empresário etc.
Depois disso, é só ir atrás dos “espertos” e
fazê-los crer que se tornarão, muito em breve, milionários. Então, começa a
extorsão. Hoje é um empréstimo de x, amanhã de y e, quando a pessoa se dá conta
de que caiu no conto do vigário, o prejuízo já é irreparável. Então, vem a
vergonha de dizer a seus familiares que os milhões que esperava receber voaram
mais alto do que Fernão Capelo Gaivota.
As únicas formas indiscutíveis que conheço de
alguém ficar rico, sem tisnar suas mãos e consciência, é ganhar na loteria, com
bilhete comprado em loja credenciada; herdar milhões de parente próximo ou a
fortuna do Quincas Borba, personagem
de um dos meus romances.
Ganhar na loteria não é bom para quem é
pródigo, pois em pouco tempo distribuirá dinheiro
a rodo. Herdar é coisa muito comum em romances, contos, novelas e filmes. Mas
se a herança é como a do Quincas,
cuidado! Não faltarão parentes e amigos batendo na porta de sua casa para lhe
pedir ajudinha na compra dum
barraquinho, dum sitiozinho e... quando você se der conta, estará com ũa mão na
frente e outra atrás. Então, ninguém mais quererá saber de você.
Fora disso, precisamos valorizar cada centavo
conquistado com nosso suor e trabalhar muito. Não para ajuntar tesouro na
Terra, onde “a traça rói, a ferrugem corrói e o ladrão rouba”, como nos alertou
o Mestre, mas para legar as riquezas do espírito a nossos verdadeiros tesouros,
que estão na família. Ganhar dinheiro fácil, como Rubião herdou do maluco Quincas
Borba, pode ser um meio rápido de... ficar doido como ambos, que acabaram
assim na terra dos pés juntos.
Eu sou Machado, e quem psicografou isto foi meu secretário, Jó.
Obs.: esta é obra de ficção; se algum dia o Espírito
Machado de Assis ditar-me alguma coisa, não terei dúvida em creditar-lhe a
autoria do texto, mas isso ainda não ocorreu.
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