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terça-feira, 9 de julho de 2019




EM DIA COM O MACHADO 375:
a arte e a novela dos nossos dias (Jó)
               
Numa das aulas de literatura a que assisti, anos atrás, na UnB, uma de nossas professoras disse-nos que “literatura é mentira”. Como aluno disciplinado que sempre me esforcei em ser, ouvi calado o que a mestra disse, embora intimamente discorde disso. História e literatura, muitas vezes, se confundem, embora a segunda seja considerada ficção, irrealidade. Quantas vezes, porém, a história não é “irreal” e reformulada, sobretudo pelos que assumem o poder? Nesse caso, o vencedor enxerga as coisas sob forma diferente da que é vista pelo vencido.
Do meu modesto ponto de vista, a mimese literária, termo criado por Platão, ampliado em sua conceituação por Aristóteles e apropriado, entre outros, pelo francês René Girard, é a própria “realidade” trabalhada artisticamente. “Realidade” acontecida, acontecendo ou possível de  acontecer. Salvo casos especiais, como os da literatura fantástica. Por isso, a mimese objetiva imitar algo visto ou representar a natureza e as ações dos seres, estejam eles vivos ou mortos. Mas a visão pode ser real ou imaginária. E aqui entram os devaneios de Gaston Bachelard (A poética do espaço).
O Dicionário Aurélio informa-nos alguns conceitos de literatura que ratificam meu juízo sobre essa palavra: “1. Arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou em verso. 2. O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época [...]”. Literário, esclarece-nos Aurélio, é também adjetivo “respeitante a letras, à literatura ou a qualquer espécie de cultura adquirida pelo estudo ou pela leitura”. Ou seja, tudo o que se escreve, lato sensu, é literatura.
Nesse sentido, os roteiros de filmes e novelas enquadram-se na definição literária. Como as novelas imitam a realidade, ou, pelo menos, tentam convencer o telespectador atual de que “agora é assim”, observamos uma mudança radical entre o que era encenado anos atrás e o que vemos agora no Brasil. Refiro-me à representação do amor.
Antes, era o rapaz que se ajoelhava aos pés da dama e a pedia em casamento. Agora é esta quem o pede em matrimônio ou para ficarem juntos. Antes, nos filmes e novelas, um beijo dado, inesperadamente, pelo amado, era retribuído com um forte tapa da musa. Agora, é ela quem se atira aos braços dele, para beijá-lo, sem qualquer pudor... Quando não lhe desabotoa a roupa em caliente encontro.
As consequências disso têm sido desastrosas, para quem confunde “ficção” com “realidade”. Como exemplo, cito as novelas da Globo. Elas não retratam mais o amor e sim o sexo. No último sábado, 6 de julho, liguei rapidamente a TV no canal citado, enquanto preparava meu jantar e, em poucos minutos, o que vi passar, na novela das dezenove horas, confirmou minha impressão atual sobre a mensagem de tais programas, abertos ao público em geral.
Eis a cena que presenciei, representada, num quarto, entre uma jovem e um rapaz seminus: ela de calcinha e soutien; ele, só de cueca. O rapaz, com a cara apalermada, já de pé; a moça, deitada na cama.
Ele: — Fulana, acorda, vamos continuar a tese. Não sei o que aconteceu comigo. Dormi e não me lembro de mais nada.
Ela: — Fulano, espera... Não sei como adormeci e também não me recordo do que aconteceu conosco... Acho que colocaram alguma droga em nossa bebida. Depressa, vamos voltar à tese.
Desliguei a TV...
Au revoir, amour!

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