EM DIA COM O MACHADO 377:
uma criatura (jó)
Quer conhecer alguém? Dê-lhe o poder...
Como
disse, em minha última crônica, antes de falarmos algo, devemos sopesar se o
que será dito passa pelos três crivos socráticos: verdade, utilidade e bondade.
Entretanto, expliquei também que, segundo Aristóteles, “o homem é um animal
político”. Como cidadãos, em especial, os formadores de opinião, não podemos
calar-nos ante algo de que discordamos, ainda que estejamos equivocados, quando
então devemos ter a humildade de admiti-lo.
Não conhecia uma pessoa, estigmatizada
no meio político pelo seu suposto destempero verbal. Após assistir a algumas de
suas falas ao vivo, simpatizei com ela. Percebi que é uma pessoa
bem-intencionada. Alguém atentou contra sua vida, mas, obstinada e contra todas
as previsões, essa criatura alcançou seu objetivo.
Isso me lembra poema do meu amigo
Machado de Assis:
Uma criatura
Sei de uma
criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita
juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz
impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente
contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o
chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore
que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois esta
criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.
Ama de
igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.
Nosso país passa por uma fase de
transição. Isso ninguém contesta, ainda que muitos considerem ser este um
período de retrocesso. Os que, como nós, votaram para mudar o que estava
havendo na política, costumes e economia, como o próprio mandatário da nação
admite, fazem parte de uma população conservadora.
Mas conservadora de quê? Das bases
morais da Boa-Nova de Jesus, principalmente, que estão analisadas de modo
extraordinário no livro editado por Allan Kardec: O Evangelho Segundo o
Espiritismo. No capítulo VI dessa obra, constam quatro profundas mensagens
de Jesus, retransmitidas a nós pelo Espírito da Verdade[1].
Na última delas, lemos duas palavrinhas que resumem todo o sentimento de
caridade e amor ao próximo, que nos devemos esforçar para pôr em prática,
diariamente. Se o conseguirmos, teremos o Céu onde estivermos, pois sintetizam toda
a doutrina e atos do Cristo: devotamento e abnegação.
Segundo o Espírito da Verdade, essas
palavras “resumem todos os deveres que a caridade e a humildade nos impõem”. Pelo
devotamento, estamos sempre prontos a trabalhar e servir em benefício alheio. Consequentemente,
sentimos o prazer de uma consciência tranquila, coerente entre o que falamos e
o que fazemos. Esse é o amor real, sentimento sublime e divino, que não se
confunde com a paixão humana. Pela abnegação, renunciamos a todas as vantagens
que a vaidade nos proporciona entre os humanos, mas atraímos para nós a
companhia dos bons, seja no plano físico, seja no espiritual.
Em sua sabedoria, enquanto esteve entre
nós, Jesus Cristo recomendou-nos olhar, vigiar e orar (Marcos, 13: 33). Sábio é
quem segue sua recomendação.
Há milênios, os grandes imperadores,
reis, rainhas são objeto de inveja e perseguição. Diversos deles tiveram morte
cruel por parte de seus inimigos. O objetivo sempre foi o de conquistar o poder
a qualquer custo. Veja o caso de Caio Júlio César, que, antes de morrer
apunhalado pelo próprio filho, expressou-lhe seu espanto com estas palavras: “—
Até tu, Brutus?”
Como faço parte da maioria da população
que votou, sobretudo, pela mudança de um governo que, no conceito de várias
pessoas, elevou à quinta potência os abusos da corrupção em nosso país, aqui
deixo meu humilde recado ao nosso mandatário-mor: — Fale pouco, trabalhe mais.
Sobretudo, cuidado com quem o bajula e diz ser seu amigo.
E não se
esqueça de Júlio César...
[1]
Optei por Espírito da Verdade, como está nas bíblias de Jerusalém e de João
Ferreira de Almeida, além de Obras Póstumas, de Allan Kardec, seg.
parte, Meu guia espiritual, p. 245- 246, da 2. ed. FEB, de 2016,
traduzida por Evandro Noleto Bezerra. Entretanto, nas edições francesas d’O Livro
dos Espíritos, Prolegômenos, e d’O Evangelho Segundo o Espiritismo,
cap. 6, Intruções dos Espíritos, consta Espírito de Verdade.
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