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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020




O ADEUS DE KARDEC E A CONSTITUIÇÃO DO ESPIRITISMO
Jorge Leite de Oliveira



Centro Espírita Léon Denis: SEMINÁRIO NO CELD
Em outubro de 1868, a Revista Espírita publicou uma "Profissão de fé materialista", assinada por A. Regnard, o qual defende tal postura, apoiado em ideias  antigas, desde Aristóteles e "[...] Epicuro até Bacon, até Diderot, até Virchow, Moleschoff e Büchner, sem contar os contemporâneos e compatriotas [...]" (KARDEC, 1868, p. 425).

Numa demonstração de que não teme tais ideias, as quais considera nefastas ao espírito humano, o Codificador do Espiritismo, após tecer algumas considerações sobre o texto de Regnard, arremata com esta profética frase:

O materialismo é uma consequência da época de transição em que estamos; não é um progresso, longe disso, mas um instrumento de progresso. Desaparecerá, provando a sua insuficiência para a manutenção da ordem social e para a satisfação dos espíritos sérios, que procuram o porquê de cada coisa; para isto era necessário que o vissem em ação. A Humanidade, que precisa crer no futuro, jamais se contentará com o vazio que ele deixa atrás de si, e procurará algo de melhor para o compensar (KARDEC, 1868, p. 427).

Admitida a verdade espírita da imortalidade da alma, o que nos deve preocupar passa a ser a finalidade da vida, ou seja, o dever e não apenas o prazer, que deve ser tido em sua relativa importância e fugacidade aqui na Terra. O papel dos médiuns é o de comprovar, pela experiência, o que afirma a teoria.
As obras básicas já estavam concluídas e a Revista Espírita (RE) entrara em seu 12º ano. Em janeiro de 1869, Allan Kardec publica suas constatações, das quais destacamos estas quatro:
1º) em todos os níveis da classe social existem espíritas;
2º) tendo em vista as consolações proporcionadas pelo Espiritismo, a infelicidade predispõe a criatura à crença espírita;
3º) a Doutrina Espírita possui mais adeptos entre quem não possuía uma crença;
4º) por fim, os “sensualistas” e apegados às “posses e gozos materiais”, além dos fanáticos, são os que mais rejeitam as ideias espíritas.
Esses últimos são, na definição de Jesus, os cegos que não querem ver e os surdos que não querem ouvir. Conclui Kardec, resumindo, que "[...] o Espiritismo é acolhido como um benefício por aqueles que ele ajuda a suportar o fardo da vida e é repelido ou desdenhado por aqueles que ele dificulta no gozo da vida”.
O verdadeiro espírita, diz Kardec (RE, 1869, jan., p. 36) é o que pratica seus ensinamentos e se esforça em se tornar melhor. Não é certo chamar de espírita, como ocorria no século XIX, pessoas que praticavam a “magia negra” e as charlatãs, mesmo que tais pessoas se digam espíritas. Da mesma forma, não consideramos médico quem não está habilitado pela academia a exercer essa sublime profissão. Kardec vai mais longe, diz que a Doutrina Espírita “[...] repudia toda solidariedade com a magia, a feitiçaria, os sortilégios, a cartomancia, os adivinhos, os ledores de sorte e todos aqueles que têm o ofício de comerciar com os Espíritos, [...] pretender tê-los às suas ordens [...]” (op. cit., loc. cit.).
Em seguida, explica-nos o Codificador da Doutrina Espírita que os Espíritos, como individualidades que gozam do livre-arbítrio, por serem as almas dos homens, como nós, “que viveram sobre a Terra”, não estão sujeitos às nossas ordens. Eles manifestam-se quando, onde querem e sempre com a finalidade de nos instruírem e nos incentivarem a nossa melhoria moral. Logicamente, refere-se aos Espíritos superiores. A estes não cabe nos ajudarem a resolver nossos problemas materiais, o que podemos fazer pessoalmente. Sem isso, onde estariam nosso livre-arbítrio e mérito?
Complementa Kardec: “[...] ignorar essas coisas é ignorar o abecê do Espiritismo”. A primeira lei espírita é a “do amor ao próximo” e sua máxima está contida nesta frase: “Fora da caridade, não há salvação”.
Prosseguindo em suas reflexões, diz o insigne autor das obras básicas do Espiritismo que “A instrução é indispensável, ninguém o contesta; mas, sem a moralização, não passa de um instrumento, muitas vezes improdutivo para aquele que não sabe regular o seu uso com vistas ao bem” (op. cit., p. 41). Conforme repete o Espírito Emmanuel, precisamos de duas asas para nos elevarmos a Deus:

Já se disse que duas asas conduzirão o Espírito humano à presença de Deus. Uma chama-se amor; a outra, sabedoria. Pelo amor, que, acima de tudo, é serviço ao semelhante, a criatura se ilumina e aformoseia por dentro, emitindo, em favor dos outros, o reflexo de suas virtudes; e pela sabedoria, que começa na aquisição do conhecimento, recolhe a influência dos vanguardeiros do progresso, que lhes comunicam os reflexos da própria grandeza, impelindo-a ao Alto. Através do amor valorizamo-nos para a vida. Através da sabedoria somos pela vida valorizados (EMMANUEL, 2016, cap. 4).

Também podemos simbolizar, no avião, o corpo e na alma humana o piloto que, assim como necessita das asas do amor e da sabedoria, também requer o motor da vontade e o combustível da humildade. Só assim, o Espírito terá forças suficientes para sair da horizontalidade da matéria à verticalidade do anjo, quando então estará em condições de “ver Deus”. Se essas peças se ajustam, o Espírito alça voo às alturas; se falha qualquer delas, ele perde altura ou despenca no abismo. 
O amor precisa transcender o apelo das paixões e fraquezas materiais; a sabedoria precisa exercitar a caridade com o impulso do motor da vontade; e o sublime combustível que nos permitirá vencer o mal, que ainda reside em nós, é a humildade, sem a qual podemos despencar das alturas.
Kardec reunia todas essas condições, por isso transcendeu a matéria, com todas as suas mazelas e, portanto, não mais necessitaria retornar ao nosso mundo físico senão em espírito. Numa das suas mais conhecidas manifestações, o Espírito Allan Kardec diz-nos o seguinte:


O Espiritismo entra numa fase solene, mas na qual ainda terá grandes lutas a sustentar; é preciso, pois, que seja forte por si mesmo e, para ser forte, deve ser respeitado. Cabe aos seus adeptos dedicados fazê-lo respeitar, inicialmente pregando-o pela palavra e pelo exemplo; depois, desaprovando, em nome da Doutrina, tudo quanto pudesse prejudicar a consideração de que deve ser rodeado. É assim que poderá afrontar as intrigas, a zombaria e o ridículo (KARDEC, RE, 1869, fev.).


Referências

KARDEC, Allan. Profissão de fé materialista.  Revista Espírita 1868. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Disponível em: www.febnet.org.br. Acesso em 16 dez. 2016.

EMMANUEL [Espírito]. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Pensamento e Vida.  Brasília: FEB, 2016.

 (Condensado da revista Reformador, mar. 2017, pub. mensal da Federação Espírita Brasileira.)

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