Cantinho da poesia do Jó
O poeta e a esfinge
o poeta nunca finge,
tudo que ele representa
tem a cara de esfinge.
Cantinho da poesia do Jó
O poeta e a esfinge
Cantinho da poesia de Jó
O amigo da noite
Salve, leitores!
Estive
lendo uma informação na internet que fez minha mulher rir muito. Na
Praia da Macumba, uma das cinco praias do Recreio dos Bandeirantes, no meu
saudoso Rio de Janeiro, um senhor utilizou seu bichinho de estimação, que não é
um cachorro, nem gato, mas um filhote de jacaré, como arma para se defender de
briga com o salva-vidas local, que não lhe permitiu passear com o animal ali.
Leiam
agora o caso do jacaré em versos:
Jacaré na praia
Recreio
dos Bandeirantes
É
bairro de belas praias:
Pontal, Secreto, Recreio
São
três praias elegantes...
Mas
lá existem também
A Prainha
e a Macumba,
Que,
para ter proteção,
Faz
despachos para o Além.
Recreio
dos Bandeirantes
Onde
a Praia da Macumba
Nunca
mais será como antes
Após
tremenda quizumba.
Tudo
porque um cidadão,
Pela
falta de mulher,
Pra matar
a solidão
Adotou
um jacaré.
O
salva-vidas da praia
Foi
logo ver o que era
E
quase se afogou
Quando
viu o jacaré.
Por
isso, notificou
O
causador da infração,
Mesmo
sabendo que o bicho
Era
de estimação.
Foi
então que o jacaré,
Lendo
a lei da evolução,
Optou
por escrever
Que
também é nosso irmão.
Mas, pensando em Charles Darwin
E
nos direitos iguais...
Ouviu
de Russel Wallace:
— Deixe
os hominais em paz.
Desde
então, foi proibido
Amizade
a jacaré,
Que
ao rio foi devolvido,
Pois
ali não tem maré...
Agora,
lá na Macumba,
Após
despachos das sombras,
Jacaré
só se permite,
Se
for deslize nas ondas.
16.8.5
Fénelon
Constantina,
Argélia, 1860
Por
ser o depositário, o administrador dos bens que Deus lhe depositou nas mãos, ao
homem serão pedidas severas contas do emprego que lhes haja dado, em virtude do
seu livre-arbítrio. A má utilização consiste em utilizá-los somente para a sua
satisfação pessoal. Ao contrário, o emprego é bom sempre que dele resulta algum
bem para os outros. O mérito é proporcional ao sacrifício que para tanto se
impõe.
A
beneficência é apenas um dos modos de empregar-se a riqueza; ela alivia a
miséria atual, aplaca a fome, preserva do frio e dá abrigo àquele que não o tem.
Mas um dever igualmente imperioso, igualmente meritório, é o de prevenir a miséria.
É essa, sobretudo, a missão das grandes fortunas, pela possibilidade de proporcionarem
trabalhos de todo o gênero que com elas se pode executar. E mesmo que delas
tivessem de tirar um proveito natural desses trabalhos, o bem não deixaria de
existir, pois o trabalho desenvolve a inteligência e exalta a dignidade do
homem, sempre satisfeito de poder dizer que ganhou o seu próprio pão, enquanto a
esmola humilha e degrada.
A riqueza
concentrada numa só mão deve ser como uma fonte de água viva, que espalha a
fecundidade e o bem-estar ao seu redor. Ó, ricos, que a empregarem segundo a
vontade do Senhor, seu coração será o primeiro a beneficiar-se nessa fonte
benfazeja. Vocês terão nesta vida os prazeres inefáveis da alma, em vez dos deleites materiais do egoísta, que deixam o vazio no coração. Seus nomes serão benditos
sobre a Terra; e quando a deixarem, o Soberano Senhor lhes dirá, como na parábola
dos talentos: "Bons e fiéis servos, entrem na alegria do seu Senhor!".
Nessa
parábola, o servo que enterrou o dinheiro que lhe havia sido confiado não é a
imagem dos avarentos, em cujas mãos a riqueza se torna improdutiva? Se,
entretanto, Jesus fala principalmente de esmolas, é que naquele tempo e no país
em que ele vivia ainda não se conheciam os trabalhos que as artes e as
indústrias mais tarde criariam, e nos quais as riquezas podem ser empregadas utilmente
para o bem geral.
A
todos os que podem dar, pouco ou muito, então direi: Deem esmolas quando
necessário, mas tanto quanto possível convertam-nas em salário, a fim de que
aquele que as receba não se envergonhe disso.
Ode ao Dia da Inovação
(Jorge Leite de Oliveira)
O poeta foi-se embora
(foice?), (em boa hora?)
eta pó...
e a mensagem que deixou
foi de repúdio ao ópio:
ódio
paixão
inveja
orgulho
pela alegria da ação:
Amor
Ciência
Abnegação
Oração
Pois:
ódio é coisa do diabo
paixão rima com pai
e chão
inveja é turbinada com cerveja
orgulho é contravenção
Já:
Amor é lei divina do
Bem
Ciência é lei
humana
Abnegação se
equivale em:
Oração por ora [a]ção...
Pois orar rima com
arar
e arar, por sua
vez,
é ação de trabalhar.
Brasília, 19 de
outubro de 2021.
"Vossos
velhos sonharão.", afirma o profeta Joel (2:29). Pois não é isso que
aconteceu comigo novamente? Desta vez, sonhei que encontrei Allan Kardec caminhando
pela rua Sainte-Anne, em Paris. Foi no nº 59 dessa rua, ao lado da passagem
Sainte-Anne, que ele, no final de sua vida, morou com Amélie Boudet.
Cumprimentamo-nos e, após dizer-lhe que sempre sonhara com esse momento,
convidei-o para uma entrevista num café da citada rua.
Entramos,
sentamo-nos e, enquanto o garçon nos servia um cafezinho francês com croissant,
ele colocou-se à minha disposição, após agradecer-me pela "imerecida
honra", como é próprio de sua modéstia. Em seguida, perguntou-me sobre qual
assunto eu desejaria saber. Respondi-lhe que gostaria de conhecer os meios de
comunicação dos Espíritos observados, experimentados e anotados por ele, que
deram origem à Doutrina Espírita.
—
Pergunte-me o que desejar, irmão espírita, pois o Senhor autorizou-me a
responder-lhe — disse-me o grande missionário gentilmente.
— Obrigado,
Kardec. Agradeça ao Senhor por mim — falei-lhe, emocionado —. A primeira
pergunta é a seguinte: Como se manifestaram os fenômenos espíritas em sua época?
— Aqui
na França, Jó, comecei por observar a movimentação de diversos objetos que,
vulgarmente, eram chamados de "dança das mesas ou mesas girantes". Na
presença dum médium, a mesa erguia-se e batia com um dos pés, quando o Espírito
que a movia desejava assinalar uma letra, ao lhe serem lidas as letras do
alfabeto. Desse modo, eram formadas frases em resposta às questões propostas.
— Como
se soube que eram Espíritos que respondiam? — perguntei novamente.
—
Foram eles mesmo que o disseram, por meio de pancadas dum dos pés da mesa.
— Isso
não era muito demorado, Kardec?
—
Exatamente. Por isso mesmo, o Espírito indicou outro meio de comunicação: a
cesta, à qual se adaptava um lápis e o médium colocava seus dedos sobre sua
borda. Desse modo, a cesta movia-se rapidamente e escrevia no papel colocado
sob ela com grande velocidade. As mais altas questões filosóficas, morais,
metafísicas e psicológicas eram propostas e respondidas pelo lápis adaptado à
cesta.
—
Por que não se usam mais cestas e pranchetas na comunicação dos Espíritos,
professor?
—
Porque reconheceu-se que esses objetos eram apenas apêndices para as mãos, meu
caro Jó. Desse modo, quando o médium escrevia diretamente com o lápis nas mãos,
seu impulso era involuntário e muito mais rápido do que o texto dum escritor
normal. Percebeu-se, ainda, que os Espíritos podiam comunicar-se pela palavra,
pela audição, pelo tato, pela visão etc. Embora seja rara, até mesmo pela escrita
direta, ou seja, sem uso da mão do médium e sem lápis, pode-se obter
comunicação dum Espírito numa folha em branco dobrada e fechada numa gaveta. A
isso, deu-se o nome de pneumatografia. Há ainda a pneumatofonia, que é a
transmissão da voz direta do Espírito que deseja comunicar-se. Mas sobre os
tipos de mediunidade poderemos falar em nova entrevista.
— Ótimo!
aprenderei muito com suas novas informações. E quem eram os médiuns, mestre?
—
Jó, mestre, mesmo, só Jesus... Respondendo a sua pergunta, havia médiuns de
variadas idades, de diversos níveis de conhecimento e de ambos os sexos.
Trabalharam comigo médiuns muito jovens e outros já idosos. Ermance Dufaux, por
exemplo, era médium desde os doze anos. Conheci-a em 1857, quando tinha apenas
16 anos. A partir de então, passou a trabalhar
comigo, mediunicamente, infatigável, na edificação da Doutrina Espírita. As
mensagens do Espírito São Luís foram psicografadas por ela. Em 1860, quando colaborou
comigo na segunda edição d'O Livro dos Espíritos, estava apenas com 19
anos.
— É preciso
ter moral elevada para ser médium, Allan?
—
Não, Jó, pois a mediunidade é uma faculdade orgânica. De certo modo, todos
somos médiuns, mas somente os médiuns produtivos, ou seja, aqueles que veem,
ouvem e transmitem, involuntariamente ou não, as mensagens dos Espíritos
superiores, são úteis às finalidades destes de proporcionarem-nos consolo,
certeza sobre a imortalidade da alma e os benefícios que isto proporciona à
humanidade. Entretanto, relembro-lhe o que escrevi em vida física:
"Diga-me o que pensa e eu lhe direi quem é sua companhia espiritual."
— As
horas correram e nem me dei conta, Kardec. Quero, entretanto, ter o privilégio
de voltar a encontrá-lo para nova entrevista.
—
Agradeço-lhe o convite e me coloco a sua disposição, todas as vezes que Jesus
de Nazaré, pelo Espírito de Verdade, meu guia espiritual, assim o permitir.
Adeus!
Com
lágrimas nos olhos, acordei...
∞
Lembrete: O suposto sonho e a entrevista
são apenas estratégias literárias para a introdução do conteúdo, que se baseia
na introdução, itens III a IX, d'O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec,
e na obra de Canuto Abreu, intitulada O Livro dos Espíritos e sua Tradição
Histórica e Lendária, publicada pela Editora LFU, atual Instituto de
Cultura Espírita, de São Paulo, em 1992.
16.8.4 Um Espírito
Protetor (16.10.2021)
Cracóvia, 1861
Ao considerar a brevidade
da vida, fico dolorosamente impressionado por sua incessante preocupação com o bem-estar
material, mas lamento que vocês dediquem tão pouca importância e consagrem tão pouco
ou nenhum tempo a seu aperfeiçoamento moral, que lhes será levado em conta na
eternidade. Quando veem as atividades que desenvolvem, vocês creem tratar-se de
uma questão da mais alta importância para a humanidade, quando, na verdade,
trata-se quase sempre da satisfação das suas necessidades exageradas, de suas
vaidades, ou de se entregarem aos excessos.
Quantas dores, preocupações
e tormentos vocês passam, quantas noites sem sono, para aumentar uma fortuna frequentemente
mais que suficiente! Por cúmulo da cegueira, não é raro ver aqueles que um amor imoderado
da fortuna e dos prazeres que ela proporciona, sujeitarem-se a um trabalho penoso,
vangloriarem-se de uma vida dita de sacrifício e mérito, como se trabalhassem
para os outros e não para si mesmos. Insensatos! Vocês creem, então, realmente que lhes serão levados em conta os
cuidados e os esforços que o egoísmo, a cupidez ou o orgulho puseram em ação, enquanto
negligenciam seu futuro, assim como os deveres que a solidariedade fraterna, impõe
a todos os que desfrutam das vantagens da vida social?
Vocês pensaram apenas nos
seus corpos. Seu bem-estar, seus prazeres, foram o objeto exclusivo da sua solicitude
egoísta. Por ele que morre, esqueceram o Espírito que viverá para sempre. Assim
esse mestre, tão mimado e acariciado, tornou-se seu tirano; comanda seu
Espírito, que se fez seu escravo. Seria esse o objetivo da existência que Deus lhe
concedeu?
Tradução livre de Jorge Leite de Oliveira
http://lattes.cnpq.br/0494890808150275
Saúde e Espiritualidade
por Alexsandro M. Medeiros
lattes.cnpq.br/6947356140810110
postado em 2015
atualizado em jan. 2018
As práticas religiosas e experiências espirituais têm sido um dos componentes mais presentes e influentes da maioria das sociedades desde tempos remotos. Não há como negar que de um modo geral, temas ligados à cura e milagres e até mesmo estados alterados de consciência fizeram parte das principais religiões. E hoje, em pleno século XXI não é diferente. Profissionais de saúde, pesquisadores e a população em geral têm, cada vez mais, reconhecido a importância da dimensão religiosa/espiritual para a saúde, e que devem influenciar diretamente, por conseguinte, na promoção de políticas públicas de saúde enquanto políticas de Estado.
Diante do aumento significativo de pesquisas em torno do binômio espiritualidade/saúde, torna-se necessário, ou até mesmo imprescindível, que o poder público comece a levar em consideração o fator "espiritualidade" para a promoção da saúde e do bem estar da população, afinal, o Estado é o principal responsável por promover políticas públicas de saúde que possam beneficiar a sociedade como um todo, sendo necessário rever o conceito atual de saúde, levando em consideração as várias dimensões que compõem o ser humano, ou seja, sua dimensão biopsicosocioespiritual.
Este tipo de abordagem tem sido impulsionado pelo desenvolvimento do conhecimento científico de várias áreas, tanto no campo das ciências humanas quanto das ciências naturais, como é o caso da psicologia e da física. É notório como hoje em dia a ciência da física tem ultrapassado a fronteira do que se considera o mundo material e um mundo “além da matéria”. Co
mo é o caso do físico David Bohm que em sua obra O Universo Indivisível: uma Interpretação Ontológica da Teoria Quântica, trabalha com a ideia de que um fluxo constante de sentimentos, pensamentos, desejos e impulsos encontram-se interconectados e fluindo entre si (BOHM; HILEY, 1993). Ou o físico indiano Amit Goswami que estabelece uma relação entre ciência e a espiritualidade a partir do legado da nova física contemporânea, utilizando conceitos como “mente quântica” e “mônada quântica” o físico indiano traça um paralelo entre o “eu”, o “self” ou a nossa consciência e a literatura espiritual da tradição budista e hindu presente nos Upanishads ou do Mahabharata (GOSWAMI, 1998).
Com as novas descobertas da Física tornou-se possível iniciar algumas investigações mais profundas a respeito de temas que ultrapassam os limites da matéria apontando para novos objetos de investigação científica.
No que diz respeito ao campo das ciências médicas, vários estudos têm demonstrado nas últimas décadas com uma tendência crescente a influência da espiritualidade na saúde física, mental e social (DEZORZI , 2006; LEVIN, 2003; KOENIG; MCCULLOUGH; LARSON, 2001; LOTUFO NETO, 1997; SOUSA; HORTA; OLIVEIRA, 2001; MOREIRA-ALMEIDA; LOTUFO NETO; KOENIG, 2006; OKON, 2005). Vale destacar também a iniciativa do Hospital Espírita João Evangelista em disponibilizar uma Biblioteca Virtual em Espiritualidade e Saúde (BVES) com os objetivos de: reunir a produção científica nacional em Espiritualidade e Saúde, ampliar a divulgação da produção científica nacional e ser uma fonte confiável e de fácil acesso para informações sobre Espiritualidade e Saúde, onde é possível encontrar um vasto material bibliográfico sobre o assunto.
“A atenção ao aspecto da espiritualidade se torna cada vez mais necessária na prática de assistência à saúde. Cada vez mais a ciência se curva diante da grandeza e da importância da espiritualidade na dimensão do ser humano” (PERES; et. al., 2007, p. 83). Questões relacionadas ao perdão, práticas meditativas, experiências espirituais/religiosas diárias, influem significativamente no estado de saúde mental das pessoas (RIPPENTROP; et al., 2005; WACHHOLTZ; PARGAMENT, 2005). O gráfico abaixo revela o crescimento exponencial que o tema vem adquirindo nos últimos 40 anos na área das ciências médicas a partir de pesquisas em periódicos usando expressões como “espiritualidade” e “saúde:
(TONIOL, 2015, p. 116)
Moreira-Almeida e Lucchetti (2016, p. 55) também ressaltam o crescimento das pesquisas científicas em torno das ideias de religião e espiritualidade:
Nas últimas décadas, evidências científicas vêm corroborando com a influência da R/E [religião/espiritualidade] em desfechos em saúde em geral. Em um levantamento bibliométrico recente do banco de artigos Pubmed (10), foram encontrados mais de 30 mil artigos publicados com os unitermos (spiritual* ou religio*) nos últimos 15 anos, sendo estimado que pelo menos 7 artigos novos sobre a temática são publicados por dia. Da mesma forma, Koenig (5) encontrou um grande crescimento nas publicações de artigos originais em R/E, sendo que apenas na última década (2000 a 2010) foram publicados mais artigos que antes do ano 2000.
Desde a década de 1970, como vimos no gráfico acima, que o tema começa a se inserir, ainda que timidamente, no espaço acadêmico e Hans Baer (2004), antropólogo estadunidense dedicado ao tema das práticas religiosas de pacientes e médicos, pode ser considerado um dos pioneiros nesse sentido, chamando a atenção para a importância do desenvolvimento de dois conceitos naquele momento: holismo e bem-estar. Sendo dois termos chaves para a compreensão de pesquisas que relacionam espiritualidade e saúde.
Neste debate no âmbito acadêmico tem-se optado pelo uso do conceito de espiritualidade ao invés de Religião, por ser um conceito mais amplo e “[...] por incluir também formas não religiosas de lidar com as dimensões profundas da subjetividade” (VASCONCELOS, 2008, p. 315).
Lukoff (1992), por exemplo, distingue religiosidade de espiritualidade, definindo a primeira como adesão a crenças e a práticas relativas a uma igreja ou instituição religiosas organizada, e a segunda como a relação estabelecida por uma pessoa com um ser ou uma força superior na qual ela acredita [...] Worthington, Kurusu e McCullough (1996) definem uma pessoa religiosa como aquela que possui crenças religiosas e que valoriza, em alguma medida, a religião como instituição. Já uma pessoa espiritualizada é aquela que acredita, valoriza ou tem devoção a algum poder considerado superior, mas não necessariamente possui crenças religiosas ou é devoto de alguma religião institucionalizada (apud FARIA; SEIDL, 2005, p. 381).
Quando se fala em espiritualidade na área da saúde é preciso ter claro de que não está se falando de uma determinada religião, mas de uma necessidade de vivência existencial que procura uma relação com algo que transcende a realidade, considerando-o sagrado, independente de rótulos religiosos. Neste sentido, qualquer religião que tenha a característica do sagrado e do transcendental é entendida aqui como uma prática espiritual: seja cristã, espírita, hindu, islâmica, umbanda etc.
Disponível em: Blog Bemviver.me (Acessado em 05/11/2015)
Uma prática espiritual com valores e símbolos criados para fundamentar uma forma de ser espiritual e que segundo Afonso Murad possui algumas características genéricas, a saber:
Para o médico Álvaro Avezum (apud TONIOL, 2015, p. 112), então diretor do GEMCA (Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular) no ano de 2013, da mesma forma como um fumante tem maior probabilidade de sofrer um infarto que um não fumante, chegará um tempo em que a medicina irá reconhecer que o paciente “espiritualizado” e que saiba lidar com suas emoções também terá menor tendência de sofrer doenças cardiovasculares.
A associação entre fatores religiosos e/ou espirituais no âmbito da saúde é um dado histórico presente em inúmeras tradições, desde os mitos gregos, passagens bíblicas ou rituais indígenas (BOTELHO, 1991). Há inúmeros relatos de que os deuses teriam o poder de causar doença ou de curá-las. E as passagens do Novo Testamento estão repletas de momentos onde vemos Jesus de Nazaré exercendo seu poder de cura. Botelho cita como exemplo também ao grupo religioso conhecido como Santo Daime, que tem suas práticas originárias de tribos indígenas na Região da Amazônia, onde é feito uso de um chá a base de uma erva chamada ayahuasca que era tomada por pajés para aumentar seu poder de cura.
Recentemente, encontramos várias referências aos processos de cura através da Doutrina Espírita, conhecida também como Espiritismo ou Kardecismo (em referência ao seu codificador Allan Kardec). A partir da crença em um “fluido cósmico universal”, o espiritismo acredita na possibilidade de transmissão fluídica e energética de um indivíduo para outro, e é essa transmissão fluídica que pode acarretar um processo de cura do corpo físico, promovendo o equilíbrio ao que antes estava em desarmonia.
Cada ser humano é dotado de um princípio vital que seria a causa da animalização da matéria (KARDEC, 1994, questão 62 - para a referência ao Livros dos Espíritos, como o mesmo é redigido no formato de perguntas e respostas, ao invés de indicar a página vamos optar por indicar o número da questão) Esse princípio vital reside no fluido universal e é dele que o espírito extrai o envoltório semimaterial que constitui o seu “períspirito” (envoltório intermediário entre o corpo e o espírito) e é por meio desse fluido que atua sobre a matéria inerte. Este fluido vital se transmite de um indivíduo a outro e aquele que o tiver em maior porção pode dá-lo a um que o tenha de menos (KARDEC, 1994, questão 70 – nota). Este princípio é semelhante à ideia do magnetismo animal, formulado por autores como Paracelso, Mesmer e seus discípulos (veja em nosso website o texto: Magnetismo animal e processos de cura entre os séculos XVIII e XIX.).
O espiritismo, através da Associação Médico-Espírita, tem sinalizado para a ideia de uma “ciência espiritualizada”.
Médicos espíritas vêm propondo um novo paradigma na medicina que leva em conta a espiritualidade e seus corolários - chamam-no de paradigma médico-espírita. Coordenados pela AME-Brasil - Associação Médico-Espírita do Brasil, criada na cidade de São Paulo em 1995 -, esses profissionais têm feito pesquisas, congressos e campanhas, buscando implementar mudanças na base da medicina oficial; fato que vem crescendo no Brasil e despertando a atenção de pesquisadores no país e no exterior (SOARES, 2008, p. 146).
Estudos e investigações sistemáticas na área da saúde mental na década de 1990 e na virada para o século XXI passaram a sustentar que pessoas religiosas parecem lidar melhor com estresses da vida, recuperar-se mais rapidamente de depressão e apresentar menos ansiedade e outras emoções negativas que as pessoas menos religiosas (KOENIG et al., 1992; 1993; KOENIG, 2006).
Sandra Volcan [et. al.], a partir de uma pesquisa realizada com o objetivo de “testar a hipótese de que o bem-estar espiritual pode ser considerado um fator de proteção para transtornos psiquiátricos menores” (2003, p. 442), como transtornos de ansiedade e depressão, sugere que “o fortalecimento do bem-estar espiritual pode auxiliar significativamente na redução da angústia relacionada a doenças, bem como na promoção da saúde mental” (2003, p. 442).
Um estudo comparativo entre católicos e protestantes em termos de sintomas, diagnóstico, tempo de internação e resultados clínicos envolvendo 989 pacientes de uma unidade psiquiátrica em um hospital brasileiro foi realizado por Paulo Dalgalarrondo, Cláudio Banzato e Neury Botega (2004). Os resultados obtidos apontam que os protestantes tinham maior probabilidade de ter esquizofrenia e menor probabilidade de ter transtornos por abuso de substâncias.
Um estudo psiquiátrico a respeito da religião como Tese de Livre Docência foi realizado por Lotufo Neto (1997), avaliando a relação entre transtornos mentais e os diferentes mecanismos pelos quais a religião pode afetar a saúde de uma pessoa, mais especificamente “ministros religiosos” cristãos e não católicos. O autor aponta entre os diagnósticos encontrados transtornos de ansiosidade, do sono e depressivo, motivado por vários fatores, que vão desde problemas conjugais e financeiros até conflitos doutrinários dentro da igreja.
Estudo associando atividades mediúnicas com experiências dissociativas em um centro espírita em São Paulo abordando 110 sujeitos de pesquisa foi realizado por Negro, Palladino-Negro e Louza (2002).
Estudos sobre a meditação e os reflexos em níveis de ansiedade, humor e tolerância a dor foi realizado por Wachholtz e Pargament (2005) e segundo os pesquisadores, o grupo que realizou meditação com envolvimento espiritual obteve menores níveis de ansiedade, melhor humor e duas vezes mais tolerância à dor.
Bem interessante também é a dissertação de mestrado de Josinete Sampaio (2014) que procura entender como uma compreensão de uma experiência espiritual pode ter reflexos e impactos na vida de usuários de drogas, entendendo a espiritualidade como produção de sentido para a vida, sobretudo a partir da doutrina espírita kardecista, aliado ao recurso terapêutico da fluidoterapia, do passe espírita (imposição de mãos) e a oração.
Por fim vemos na imagem abaixo como a espiritualidade, através do pensamento positivo, otimismo, esperança e bom humor têm reflexos diretos, mediatos ou imediatos, na saúde humana, inclusive do ponto de vista imunológico e sistema de defesa do corpo humano.
Disponível em: ISTO É (Acessado em 05/11/2015)
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Estudo d'O Livro dos Espíritos 34 – A molécula tem forma determinada? Resposta: Certamente as moléculas têm uma forma, mas que não p...