EM DIA COM O MACHADO 510:
A OBRA (Jó)
João,
dedicado operário, trabalhara por cerca de dois anos na construção de um
edifício. Enquanto contemplava a obra terminada e olhava para sua marmita fria,
preparada carinhosamente por sua esposa, ele refletia na transitoriedade das
coisas materiais neste mundo. O prédio continha vários andares, o operário
residia em humilde casa de dois cômodos com esposa e dois filhos.
Embora
ainda bastante jovem, pois estava com pouco mais de 30 anos de idade, João matutava
sobre o tempo de existência das obras como aquela e a de sua modesta casa residencial.
Esta, certamente, duraria algumas dezenas de anos a mais do que ele ainda
viveria. Mas ainda que duzentos anos se passassem, chegaria o dia em que sua moradia
voltaria ao pó de onde surgira.
Da
mesma forma, ainda que mais de duas centenas de anos se passassem, o lindo
prédio que ele ajudara a construir precisaria ser demolido. Assim, não ficaria
pedra sobre pedra daquelas obras, como do templo que frequentava. E refletiu
que também seu corpo físico voltaria ao pó em muito menos tempo, ainda que
vivesse mais 60 anos.
Outros
operários entrariam em ação. Novas casas e novos prédios seriam construídos.
Mas será que apenas para isso eles teriam nascido? Aprendera que não, pois
ainda lhes restariam suas almas, senhoras de seus pensamentos, de sua vontade...
Lembrou-se,
então, da fala do religioso que disse aos seus ouvintes sobre a importância de
um prédio construído, mas para não se esquecerem de agradecer a Deus pelos andaimes que serviram aos construtores da obra...
E, enquanto comia o arroz com feijão preparados com carinho por sua esposa,
João pensava nela e em todos os operários esquecidos pelo orador.
De repente, o vento soprou por uma janela do prédio um pedaço de papel. Após pegá-lo, leu ali as seguintes estrofes do poema de Vinícius de Moraes intitulado: O operário em construção
[...]
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
[...]
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e
esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em
construção.
Sob a luz do seu atual entendimento, João não se revoltou.
Sua fé inabalável dava-lhe a certeza de que a vida no corpo físico é breve e de
que é no céu que devemos juntar os tesouros imperecíveis da alma. Em
seguida, leu a mensagem que, entre outras, começou
a melhorar sua visão de mundo. Nela estava escrito o seguinte, sob o título: O ponto de vista
A
ideia clara e precisa que se faça da vida futura dá uma fé inabalável no
porvir, e essa fé tem consequências enormes sobre a moralização do homem,
porque muda completamente o ponto de
vista sob o qual ele encara a vida terrena.
[...]
Ele
então percebe que grandes e pequenos se confundem como as formigas num monte de
terra; que proletários e potentados são da mesma estatura; e lamenta que essas
criaturas efêmeras tanto se fatiguem para conquistar uma posição que as elevará
tão pouco e por tão pouco tempo. É assim que a importância atribuída aos bens
terrenos está sempre na razão inversa à fé na vida futura.
Se
todos pensassem assim, dir-se-á, ninguém mais se ocupando das coisas da Terra,
tudo periclitará. Não, o homem, instintivamente, procura o seu bem-estar, e
mesmo tendo a certeza de que ficará por pouco tempo em algum lugar, ainda
quererá estar aí o melhor ou o menos mal possível. Não há quem, sentindo um
espinho sob a mão, não a retire para não se picar. Ora, a procura do bem-estar
força o homem a melhorar todas as coisas, impelido que ele é pelo instinto do
progresso e da conservação, que está nas leis da natureza. Ele trabalha,
portanto, por necessidade, por gosto e por dever, e com isso cumpre os
desígnios da Providência, que o colocou na Terra para esse fim. [...] KARDEC,
Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. de Evandro Noleto
Bezerra. Brasília: FEB, cap. 2.
Continuou a frequentar com a esposa o
centro espírita situado em São Sebastião, cidade do Distrito Federal;
engajou-se em trabalhos voluntários e de estudo das obras espíritas; inscreveu
suas crianças nas aulas de evangelização daquela instituição e acompanhou, com
a esposa, a formação escolar dos filhos. Pelo seu novo entendimento da lei
divina, João nunca mais duvidou da sabedoria de Deus, pois passou a compreender
o sentido desta frase de Jesus: "A cada um será dado segundo as suas
obras". Sua esposa, alma gêmea da sua, ainda teve tempo de se
formar em pedagogia e de se tornar excelente educadora.
Por sua humildade e dedicação amorosa
ao trabalho, nunca faltou ocupação remunerada a João. Atualmente aposentado,
tanto quanto a esposa, é o feliz avô de duas netas e dois netos lindos, frutos
do casamento dos seus filhos bem sucedidos, os arquitetos Marcos e Filipe,
dedicados profissionais e espíritas reconhecidos por suas famílias e por toda a
comunidade local.
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