Em: 20 fev. 2022
19.2 A fé religiosa. Condição da fé inabalável
Do ponto de
vista religioso, a fé é a crença nos dogmas particulares que constituem as diferentes
religiões. Todas as religiões têm seus artigos de fé. Sob esse aspecto, a fé
pode ser raciocinada ou cega. A fé cega nada examina, aceitando sem controle o
falso e o verdadeiro, e a cada passo se choca com a evidência da razão. Levada
ao excesso, ela produz o fanatismo. Quando a fé se firma no erro, ela desmorona
cedo ou tarde. Aquela que tem por base a verdade é a única que tem o futuro
assegurado, porque nada deve temer do progresso das luzes, já que o verdadeiro
na obscuridade também o é à plena luz do dia. Cada religião pretende estar na
posse exclusiva da verdade; preconizar a fé cega sobre uma questão de crença é
confessar a impotência para demonstrar que se está com a razão.
Vulgarmente se
diz que a fé não se prescreve, o que leva muitas pessoas a alegarem que não são
culpadas de não terem fé. Sem dúvida que a fé não pode ser prescrita, ou o que
é ainda mais certo: a fé não pode ser imposta. Não, a fé não se prescreve, ela
se adquire, e não há ninguém que esteja impedido de possuí-la, mesmo entre os
mais refratários. Falamos das verdades espirituais fundamentais, e não desta ou
daquela crença particular. Não é a fé que deve procurar essas pessoas, mas elas
é que devem procurá-la, e se o fizerem com sinceridade a encontrarão. Estejam
certos de que aqueles que dizem: "Não queríamos nada melhor do que crer,
mas não o podemos fazer", apenas o dizem com os lábios, e não com o
coração, pois ao mesmo tempo que o dizem, fecham os ouvidos. As provas,
entretanto, abundam ao seu redor. Por que, pois, se recusam a ver? Nuns, é a
indiferença; noutros, o medo de serem forçados a mudar de hábitos; e na maior
parte, o orgulho que se recusa a reconhecer um poder superior, porque teria de
inclinar-se diante dele.
Para algumas
pessoas, a fé parece de alguma forma inata: uma centelha é suficiente para
desenvolvê-la. Essa facilidade para assimilar as verdades espirituais é sinal
evidente de progresso anterior. Noutras pessoas, ao contrário, elas
dificilmente penetram, sinal não menos evidente de naturezas retardatárias. As
primeiras já creram e compreenderam. Trazem ao renascer, a intuição do que
sabiam. Sua educação está feita. As segundas ainda têm que aprender tudo; sua
educação está por fazer. Ela será feita e, se não terminar nesta existência, terminará noutra.
A resistência
do incrédulo, convenhamos, quase sempre se deve menos a ele do que à maneira
pela qual lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base, e essa base é a
perfeita compreensão daquilo em que se deve crer. Para crer, não basta ver, é
necessário sobretudo compreender. A fé cega não é mais deste século. É
precisamente o dogma da fé cega que hoje em dia produz o maior número de
incrédulos. Porque ela quer impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais
preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio. É contra
essa fé, sobretudo, que se levanta o incrédulo, o que mostra a verdade de que a
fé não se impõe. Não admitindo provas, ela deixa no espírito um vazio, de que
nasce a dúvida. A fé raciocinada, que se apoia nos fatos e na lógica, não deixa
nenhuma obscuridade; a pessoa acredita porque tem certeza, e tem certeza porque
compreendeu. Eis porque ela não se dobra: só é inabalável a fé que pode
enfrentar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.
É a esse
resultado que o Espiritismo conduz, triunfando assim da incredulidade, todas as
vezes em que não encontrar a oposição sistemática e interessada.
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