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sexta-feira, 12 de agosto de 2022



ENCONTRO INESQUECÍVEL
 
A nossa reunião em preces começara.
Em derredor, a névoa densa...
 
Éramos oitos irmãos, ante a presença
Da inteligência rara
De antigo delinquente,
Que precisava rumo diferente.
 
Finda a nossa oração,
O instrutor exclamou, emocionado:
— Escuta, meu irmão,
Agora, és nosso convidado
Para a escola do amor.
Em nome de Jesus, cuja a paz nos alcança,
Rogamos-te esquecer os gestos de vingança
Que exerces sobre humilde lar terreno,
Hoje quase desfeito
Sem que a piedade te penetre o peito,
Semelhante a motor sustentado a veneno...
 
Um estranha e estridente gargalhada
Ecoou, sob a névoa desolada.
 
— Nunca! – disse o infeliz, mal disfarçando a ira –
Não me faleis de amor, essa eterna mentira,
Farei justiça pelas próprias mãos.
Estou cansado de preceitos vãos.
Ingênuos pregadores, que dizeis
De tudo o que sofri no relho da injustiça?
Das mistificações de vossas duras leis,
Ninguém me arrancará do ódio que me escolta,
Quero ser a vingança, o rebate, a revolta...
Pobre órfão de mãe, sem pai que me quisesse,
Para sobreviver doente, exausto e roto,
Fiz-me rato de esgoto,
Embora o homem, meu pai, amplamente soubesse
Que eu tinha sob os pés o abismo por destino...
Fui ladrão e assassino.
Temível salteador
Respondendo a sarcasmo o fel da minha dor!...
 
Ante a pausa pequena,
O instrutor indagou em voz serena:
— E Deus, irmão? Que fizeste de Deus?
 
— Eu preferi trilhar a estrada dos ateus –
replicou, apressado, o Espírito infeliz –
— Se há Deus também é um Pai que não me quis;
Sei que saí da morte e existo em outro plano,
Mas não quero ilusões do pensamento humano!...
 
— E o bem? Não queres crer na prática do bem? –
disse o orientador, paciente e amigo —
— Não desejamos obrigar-te,
Quanto possas, porém, modifica-te e vem
Ao caminho do amor que é sempre o nosso abrigo
A doar-nos socorro em qualquer parte.
 
— Tolice!... – proclamou a rebelde entidade –
O bem aduba o mal em toda a Humanidade,
A prática do bem sugere desacatos,
É a galinha a sofrer na desova de ingratos.
 
Notando-lhe a feição empedernida,
O nosso grupo em prece ao Criador da Vida
Pediu por ele apoio e proteção.
 
Assim que terminou a singela oração
Que o nosso Condutor em pranto formulara,
Veio do Azul Imenso uma luz rosicler
Que se fez, entre nós, simpática mulher...
Abraçou-nos sorrindo, em júbilo e tristeza,
Dirigindo-se após ao rude sofredor,
Falou-lhe em doce voz, repassada de amor:
— Filho, Deus te abençoe!... – E o pobre a ouvi-la,
Qual se atendesse, enfim, a invencível comando,
Cambaleou sem força e gritou, soluçando:
— Mãe, generosa mãe, rever-te me aniquila...
Não me retenhas, mãe! A treva me reclama,
Fita-me o peito em fel, a converter-se em lama...
Sou apenas um monstro, acusado e infeliz!...
 
Ela, porém, sentou-se, linda tal qual era,
Colocou-lhe a cabeça no regaço
E parecendo um anjo, acalmando uma fera, a lhe apontar a imensidão do Espaço:
— Filho, és meu ideal, o mais belo e o mais santo;
Não te sintas a sós, eu nunca te amei tanto
Quanto agora que estás desolado e sozinho
Não te creias no mal, és um filho dos Céus,
Deus não cria em ninguém o estigma dos réus.
A vida nos fará renovado caminho.
Erraste, filho meu, mas as faltas que tens
Resgataremos nós com nossos novos bens.
Retornarei à Terra e seguirás comigo,
Viveremos num lar singelo, claro e amigo;
Conforme a proteção de Afetos Imortais,
Terás comigo o amor de meus futuros pais...
No tempo que eu dormir e pequenina for
Serás junto ao meu berço,
Meu fiel companheiro e maior defensor...
E, em regressando a ser menina-criança,
Estarás junto a mim por meu sonho-esperança.
Nos bebês que eu tiver, em brinquedos do lar,
Sei que te embalarei com as canções de ninar;
E ao tornar-me mulher, sem qualquer empecilho,
Serás, então, de novo,
Ante a bênção de Deus, meu tesouro e meu filho...
Não chores mais. Agora, é o fim da longa espera,
Raiará para nós a nova primavera...
Não te importem a luta, o esforço, a prova e a dor!...
Todo lugar é Céu onde está nosso amor!...
 
Calou-se a mãe sublime. E entre nós, em seguida,
Ergueu-se a sustentá-lo com ternura,
Qual se o pobre fosse a própria vida.
Depois, a despedir-se, a nobre criatura,
Na carícia de luz, que das mães se descerra,
Partiu a carregá-lo, em direção da Terra.
 
Nosso mentor, em voz pausada e enternecida,
Agradeceu aos Céus a tarefa cumprida.
E, qual se me encontrasse, em reunião qualquer,
Exclamei, a chorar, em êxtase profundo:
— Sê louvado, meu Deus, porque deste à mulher
A chave para a vida e a redenção do mundo!...

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