Não vim trazer a paz... (continuação)
Jesus, na sua profunda
sabedoria, previu o que devia acontecer; mas essas coisas eram inevitáveis,
porque decorriam da própria inferioridade da natureza humana, que não podia ser
transformada repentinamente. Era
necessário que o Cristianismo passasse por essa prova demorada e cruel, de
dezoito séculos, para demonstrar todo o seu poder; porque, apesar de todo o mal cometido em seu
nome, ele saiu dela puro. Jamais esteve em causa. A censura sempre caiu sobre
os que dele abusaram. A cada ato de intolerância sempre se disse: Se o Cristianismo
fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria acontecido.
Quando Jesus disse: “Não pensem que eu tenha vindo trazer a paz,
mas a divisão” — seu pensamento era este: "Não
pensem que minha Doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas,
tendo meu nome como pretexto. Porque os homens não me haverão compreendido, ou
não terão querido compreender-me. Os irmãos, separados pelas suas crenças,
lançarão a espada um contra o outro, e a divisão se fará entre os membros de
uma mesma família, que não terão a mesma fé. Vim lançar o fogo sobre a Terra,
para consumir os erros e os preconceitos, como se põe fogo num campo para
destruir as más ervas, e tenho pressa de que o fogo se acenda, para que a
depuração se faça mais rapidamente, pois dela sairá triunfante a verdade. À
guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às
trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida.
Então, quando o campo
estiver preparado, eu lhes enviarei o Consolador, o Espírito da Verdade, que
virá restabelecer todas as coisas, ou seja, que dando a conhecer o verdadeiro sentido
de minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão enfim compreender, porão
fim à luta fratricida que divide os filhos do mesmo Deus. Cansados, por fim, dum
combate sem solução, que só acarreta desolação e leva o distúrbio até mesmo ao
seio das famílias, os homens reconhecerão onde se encontram os seus verdadeiros
interesses, no tocante a este e ao outro mundo, e verão de que lado se acham os
amigos e os inimigos da sua tranquilidade. Todos, então, se abrigarão sob a mesma bandeira: a da caridade,
e as coisas serão restabelecidas na Terra, segundo a verdade e os princípios
que lhes tenho ensinado".
O Espiritismo vem
realizar, no tempo previsto, as promessas do Cristo. Entretanto, não o pode fazer
sem destruir os abusos. Como Jesus, ele se defronta com o orgulho, o egoísmo, a
ambição, a cupidez, o fanatismo cego, que, cercados em seus últimos redutos, tentam
ainda barrar-lhe o caminho, e levantam contra ele entraves e perseguições. É
por isso que ele também deve combater; mas a época das lutas e perseguições
sangrentas já passou. As que ele tem de suportar são todas de ordem moral, e o fim
de todas elas se aproxima. As
primeiras duraram séculos; as de agora durarão apenas alguns anos, porque a luz
não parte de um só foco, mas nasce em todos os pontos do globo, e mais depressa
abrirá os olhos aos cegos.
Essas palavras de Jesus
devem, portanto, ser entendidas, como referentes à cólera que, segundo previa,
a sua Doutrina suscitaria; aos conflitos momentâneos, que surgiriam como consequência;
às lutas que teria de sustentar, antes de se firmar, como aconteceu com os hebreus
antes de sua entrada na Terra Prometida; e não como um desígnio premeditado, de
sua parte, de semear a desordem e a confusão. O mal viria dos homens, e não
dele. Ele era como o médico que veio curar, mas cujos remédios provocam uma
crise salutar, ao remover os males do doente.
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