Na sala extensa da delegacia, Estavam de plantão O chefe e um escrivão Agindo atentamente. Diante deles se
reconhecia Um nobre advogado em
companhia De um filho adolescente. Algo distantes, lado a
lado, Erguia-se um soldado, Guardando a prisioneira,
uma doente, Triste e pobre mulher,
maltratada e abatida Que, conquanto sentada, Parecia a visão da dor,
ansiosa e conformada, Entre a ronda da morte e
a presença da vida. — Doutor — falou o chefe
vigilante, Dirigindo a palavra ao
visitante —, Embora o furto
confessado, Não sei o que fazer da
velha, aqui detida, Todo o processo-crime
está formado, Mas a infeliz não tem
qualquer defesa... Já nomeei um bacharel
amigo Que lhe proteja a causa De mulher sofredora, em
extrema pobreza, Mas a doença dela é febre
sem pausa, Segundo o nosso médico em
serviço, É um caso grave de
pneumonia... Que fazer? Conservá-la na
prisão? Aguardar do juiz alguma
decisão? Recolhê-la em asilo
hospitalar? Ou guardá-la em custódia
no seu lar? O causídico explode em
tom severo: — Absolutamente, não a
quero; Trata-se aqui de ladra
astuta e estranha Que desde a meninice me
acompanha... Lavadeira na cada de meus
pais, Confesso que em meus
tempos de menino Ela foi ama generosa e
boa, Ajudou-me e serviu-me em
pequenino, Algum tempo de amparo,
cousa à toa... Mas foi sempre um
trambolho em meu caminho. Desorientada e
analfabeta, Sempre me pareceu a
burrice completa... Minha mãe há dez anos,
falecida, Pediu-me, antes da morte,
agasalhar-lhe a vida. Tornei-a lavadeira em minha
residência... Infelizmente agora, Furtou minha senhora Em joias no valor de
alguns milhões!... Fale, pois Excelência. Como ampará-la com
paciência, Se esta velha se fez
agora simples ladra? Resguardá-la em meu lar?
Isso não quadra. Ouvindo a acusação, a
pobre estarrecida, Caiu, desfalecida. Enternecido, o próprio
delegado Fitou o advogado, Como a lhe perguntar de
que modo agiria; Ele apenas, porém,
respondeu friamente: — Que se lhe dê qualquer
enfermaria... Desmaio de gatuno é
antigo expediente... Depois, erguendo mais a
voz: — Pode espantar aos
tolos, não a nós... Nada posso fazer, Devo esperar meu pai que
volta ainda hoje De uma visita a Portugal. Coloquem esta ladra no
hospital, A Polícia dispõe de ação
segura e pronta, A despesa será por minha
conta. Pai e filho, no carro, a
deslizar lá fora, Eis que o rapaz revela,
enquanto chora: — Papai, ao ver tia Lina
desmaiada (Lina era o nome da
acusada), Já não devo ocultar o
erro que fiz, Num momento infeliz, Roubei todas as joias da
Mãezinha, Tenho-as todas em minha
escrivaninha; E Tia Lina me viu quando
as furtei, Sabe o erro que fiz E porque se calou,
realmente não sei... Pálido, o genitor
espantado e abatido, Colhe das mãos do filho o
tesouro escondido... Quer gritar, acusar, mas
a hora é de ação; O pai estava à porta, Regressando feliz da
ditosa excursão. Depois das manifestações
de amor e de alegria, Ambos se trancaram numa
sala; O velho escuta a história
e, ao registrá-la, Tanto mais chora, quanto
mais a ouvia... Em silenciando o filho, o
distinto senhor, Sem poder disfarçar a
profunda emoção, Falou-lhe, coração a
coração: — Filho, de qualquer
modo, és sempre, o nosso amor, Eis chegado, no entanto,
o instante justo, Em que devo contar-te,
mesmo a custo, Algo que foi passado... Minha esposa, depois de
nosso enlace, Precisava de alguém que
lhe compartilhasse Os cuidados do lar, a
limpeza, o serviço... Nossa querida Lina Surgiu-nos, certo
dia...Era quase menina, No entanto, estava
grávida e solteira Nela encontramos nobre
companheira, Dela nasceste em nosso
próprio lar, Minha mulher beijou-te a
sorrir e a cantar... Desde então, tua mãe –
tua mãe verdadeira, Deu-se, de todo, a nós,
de espírito cativo, Esqueceu-se por nós,
nunca pôde estudar, Ela era o serviço, o
apoio em nosso lar... Nada nos reclamou, nem
mesmo uma só vez, Declarava-te o filho de
nós três, Nunca foste adotivo... Criança recém-nata, eras
fraco e doente; Lina te resguardou,
constantemente. Mãe, servidora, irmã e
escrava pelo afeto Agora, certamente, Aceitou a prisão para
salvar o neto... Sufocado de pranto,
acompanhando o pai, O advogado na delegacia Apagou toda a queixa Que já não mais vigoraria... Perguntou por notícias da
acusada, Soube que Lina foi
transportada Para uma enfermaria de
indigentes. Correm os dois, ansiosos
e impacientes, Querem Lina de volta, por
sinal; Mas sobre o leito humilde
do hospital, Acham-na muda e
inerte...Esclarece a enfermeira Que a doente chegara à
hora derradeira... Põem-se os visitantes a
chorar, Mas Lina lhes dirige um
último olhar... E nesse último olhar que
envolve os três A verdade se fez... Descem-lhe grossas
lágrimas na face, Qual se a pobre ao vertê-las, Por elas encontrasse Um caminho de luz para a
luz das estrelas... O filho a soluçar, sem
conforto e sem voz, Reconheceu, por fim, de
alma abatida, Que a mais simples
mulher, em renúncia na vida, Pode ser nossa mãe, junto
de nós... DOLORES, Maria (Espírito). Alma e vida. Psicografado por: Francisco
Cândido Xavier. São Paulo: Cultura Espírita União, 1984.
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