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quarta-feira, 12 de abril de 2023

 


PROVAÇÃO DE UM HOMEM

 

Na casa estilo antigo, austera e reservada,
Acontecera assalto revoltante.
Tudo fora ocorrência de um instante.
 
Caíra a noite espessa em garoa gelada
Um homem qual se fosse conhecido
Abrira facilmente um aporta de entrada,
Sem qualquer alarido,
E ganhara o interior,
Atirando no dono, um pobre professor,
A quem aparecera mascarado,
Furtando-lhe o dinheiro resguardado,
E joias de valor,
Que se mantinham numa caixa forte...
Em seguida, fugira o malfeitor...
 
Fizeram-se tumulto e burburinho.
A polícia viera num momento
Num grupo de severos patrulheiros.
 
O antigo educador, aos oitenta janeiros,
Duramente atingido, estava quase à morte
No quarto em desalinho,
Sob a assistência de uma filha em pranto,
Pediu fosse chamado
O seu filho, mais velho, um magistrado,
Pois queria falar-lhe na hora extrema.
 
A patrulha expediu prestimoso soldado...
Quase que de repente,
Um cavalheiro de alto porte
Adentrou-se na casa em revolta evidente.
Beijou as mãos paternas, comovido,
E após ouvir detalhes do ocorrido,
Clamou, exasperado:
— Hoje, de qualquer jeito,
Saberemos punir o celerado
E guardá-lo, a preceito...
 
Mas, na perda de sangue que o domina,
Embora a proteção da Medicina,
Sabendo-se a morrer, o pai lhe implora:
— Meu filho, ouve-me bem!...
Já não posso falar bastante agora...
Não persigas ninguém.
Deixa de lado
O infeliz companheiro mascarado...
Que seria de nós se o delinquente
Fosse de nossa gente?!...
Quero partir abençoando os meus...
É preciso perdoar,
Esquecer, entender e auxiliar,
Para estarmos com Deus...
 
Entretanto, o ferido fez-se mudo.
Calou-se-lhe a voz clara.
A parada cardíaca chegara
E, depois dela, a morte apareceu,
Lançando sombra em tudo.
 
Ao ver o genitor imóvel sobre o leito,
O filho magistrado
Exclamou revoltado:
— Não, não posso perdoar o terrível sujeito
Que aniquilou meu pai covardemente.
E chamando a patrulha, incontinenti,
Determinou, em voz desesperada:
— Precisamos concluir a tremenda caçada,
Contratem populares... Quero isso:
Mais gente habilitada no serviço.
Seja alcançado e preso
O homem que matou meu pai, velho e indefeso...
Preso e depressa!... É o que lhes digo...
Esse monstro é um perigo!...
 
Partem homens dispersos sob a noite.
Sirenes gritam alto;
Rodam carros rangendo sobre o asfalto,
O vento frio corta qual açoite...
 
Mais algum tempo decorrido,
E um emissário surge espavorido.
Pede licença ao chefe e lhe fala: — Doutor,
Prendemos finalmente o malfeitor...
Foi, porém, alvejado
A tiros de um rapaz que nos seguia,
Um popular não identificado;
Mas preciso avisar-lhe que o detento
Está em grande sofrimento,
Sob a pressão de forte hemorragia...
É um rapaz muito moço, um menino a chorar...
Creia o senhor, é um caso singular...
Nosso grande empecilho
É que o jovem declara ser seu filho
E roga-lhe a presença na prisão!...
 
O magistrado em pleno desconforto,
No velório do pai, agora morto,
Exclama em fúria para o mensageiro:
— Meu filho? Nunca. Desde tenra idade,
Teve em meu cofre o que quis, à vontade,
Meu rapaz foi criado ao valor do dinheiro...
E acrescentou: — Esse ladrão
É um patife de lenda;
Meu filho nestes dias
Está de férias na fazenda,
A dezoito quilômetros daqui...
 
— Doutor, e o ferimento?
É dos mais graves que já vi,
Esclarece o emissário, calmo e atento,
— Devo buscar o médico ainda agora?
 
O interpelado irritadiço
Respondeu, prontamente:
— Nada de mimos para o delinquente,
Depois do sol nascer, cogitaremos disso.
 
A manhã refulgia, clara e bela,
Quando, cercado de assessores,
O magistrado entrou na cela...
Mas ao ver o rapaz que um guarda lhe apresenta,
Ofegando, cansado, em agonia.
Numa poça sangrenta,
Reconhece, assombrado, a luz daquele olhar
Que a morte recolhia,
Agindo devagar.
Então pôs-se a rugir, a tremer e a clamar:
— Deus!... Pai de Bondade e de Infinito Amor,
Que fiz para sofrer tamanha dor?
 
Em seguida, abraçou-se ao jovem, ternamente,
No modesto colchão que o servia por leito...
A beijar-lhe, ansioso, as feridas do peito.
Nas rudes convulsões que a mágoa lhe consente,
Rebuscava-lhe, em vão, o olhar agora já sem brilho...
O nobre magistrado, em pranto ardente,
Encontrara no morto o próprio filho.
 
DOLORES, Maria (Espírito). Alma e vida. Psicografado por: Francisco Cândido Xavier. São Paulo: Cultura Espírita União, 1984.


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