EM DIA COM O MACHADO 581:
TROPEÇOS
LINGUÍSTICOS PARA LAMENTAR SEM JUÍZO (Jó)
— Que Deus nos ajuda a resolver os graves problemas morais desta nação! Assim
começa o breve discurso daquele parlamentar, o que é para lamentar. Se ainda fosse “nos acuda”...
Mas Ele acudiu-o. Enviou-me a
esclarecer-lhe que todos os verbos terminados em “ar”, na terceira pessoa do singular
do presente do subjuntivo, devem ser flexionados com terminação em “-e”. Exemplos:
ajudar, comprar e pensar: Que Deus
(ele) nos ajude; que ela compre; que ele pense...
Já os verbos com terminações –er, -ir:
comer, fazer, sair, fugir, acudir, entre outros, da segunda e terceira conjugações, devem ser
flexionados, na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo, assim: Que ela coma... Que ele faça... Que ela saia... Que o D. não fuja e que o Senhor nos acuda...
— É nessas horas que Deus nos ajuda... Muito bem, Jó, aqui você está
usando o presente do indicativo, e não o presente do subjuntivo citado acima.
Continuando sua peroração, o
deputado diz: — Há vinte anos atrás, eu estive em Cuba... E eu
monologo baixinho:
— Mas se foi “há” vinte anos, por
que o “atrás”, se os gramáticos nos ensinam que o verbo haver, no sentido de tempo passado, dispensa o advérbio atrás? Bastar-lhe-ia dizer: — Há vinte anos, estive em Cuba... Também a própria flexão do verbo em primeira
pessoa já indica quem esteve em Cuba: “eu estive”... Nesse caso, o “eu” é
opcional.
Mais adiante, o membro do
legislativo sai-se com esta: — Neste
país, houveram muitos avanços na área
da medicina...
E eu digo para o meu umbigo:
— Coitado, não aprendeu na escola
que o verbo “haver” com o significado de “existir”, “ocorrer”, não se flexiona
no plural; caso contrário, ele diria que houve
muitos avanços... Por outro lado, se
ele não está no país a que se refere, deve dizer “Naquele país”, “Nesse país”,
e não “Neste país” (Cuba).
Corrigindo o congressista: Nesse país (Cuba, onde ele esteve vinte
anos atrás), houve muitos avanços na medicina... Percebeu, leitor, que, na frase
entre parênteses, dispensei o há e
apenas mantive o atrás? Quando o há está presente na referência a tempo passado, não precisa
do atrás; e o contrário também é
certo: havendo atrás não é
necessário há na indicação de tempo passado. A objetividade é outra
qualidade importante da comunicação, por isso, cortei o “há” na frase corrigida
acima.
Outro problema de muita gente boa é
com a pronúncia de certas palavras. Um juiz disse à sua secretária num tribunal:
— Dona Tempesta, peça ao Dr. Epílogo
para apor sua rúbrica na petição.
Como é que pode? O homem chegou a
juiz, está sempre falando uma palavra usual no fórum equivocadamente e jamais o chamaram à parte para lhe dizer:
—
Excelência, a pronúncia desta palavra não é “rúbrica” e, sim, “rubrica”.
Com economia de palavras, o juiz poderia
dizer: “[...] peça ao Dr. Epílogo para rubricar a petição”.
O promotor, para não ficar atrás do
magistrado, acusou o réu com a seguinte catilinária:
— Esse cabra é um delinguente
que assassinou sua vítima com “ineksorável” crueldade.
— Delinquente, doutor, corrigiu-o o defensor público em particular. E
outra coisa, a pronúncia de “inexorável” não é com “ks”, mas sim com “z”.
Escreve-se com “x”, mas pronuncia-se com “z”. Assim, ó: “inezorável”. Volte lá
e peça desculpas pelo “açaçinato” do “indioma”.
Amigo leitor, na dúvida da pronúncia
ou grafia dum vocábulo, consulte o Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, o quase
desconhecido VOLP, ou um bom dicionário atualizado do idioma pátrio. Eles
trazem, entre barras, a letra indicadora da pronúncia do x, que ora pode ser
/ks/, como em anexo, ora /ch/, como
em xícara, ou /z/ como é o caso de inexorável.
Até aqui, tudo bem, o problema foi
quando o defensor pediu ao juiz:
— Excelência, “desiguína” outra
testemunha para depor...
E o promotor deu-lhe o troco:
— Também o nobre colega errou na
pronúncia de “designa”; então, estamos quites, pois esta palavra se pronuncia
/dezígna/.
Ansioso pelo fim do caso, o juiz ordenou
à secretária:
Hajam
vistas
os graves gravames idiomáticos dessa seção, decido suspendê-la para que,
somente após esclarecidos todas as dúvidas
linguísticas, eu a possa concluir. Destarte, determino à dona Tempesta que faça a
revisão de nossos textos e nos encaminhe, tempestivamente, uma cópia da
sentença dessa audiência.
Antes de ser demitida, a secretária
entregou ao seu chefe o seguinte texto:
Haja
vista
a nossa ignorância, somente haverá o
epílogo desta sessão quando um
bom professor de língua portuguesa nos facultar que sejam esclarecidas todas as dúvidas linguísticas desta audiência.
Coitada, foi punida por ser a única
que sabia escrever corretamente e com estilo.
Agora, tenta inutilmente ser
contratada como professora de português naquele fórum. Porém, desde então, quem, diariamente, passa por aquela vara
lê o seguinte aviso: “Audiência ‘só mente’ amanhã”.
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