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quarta-feira, 14 de junho de 2023

 


O ANJO E A CRUZ
 
Quando mãos devotas e piedosas
 Arrancaram da cruz o Cristo Amado,
 Certo amigo,
 A revelar extremo desconforto,
 Exclamou para o lenho áspero, erguido:
 
 — Antes nunca tivesses existido,
 Cruz infamante, horrível instrumento,
 Pouso de criminosos,
 Ódio a ti para sempre, cruz maldita!
 
 Mas eis que, em tudo, a vida brilha a estua...
 A cruz assinalando a maldição,
 Mostrou sentir a própria humilhação...
 Atormentada e triste,
 Relegada, por fim, à sombra merencória,
 Acreditou-se a escória
 De tudo quanto existe.
 
 Destacou-se, porém, generoso emissário,
 Dentre os Espíritos Sublimes,
 Assessores de Cristo no Calvário,
 Que acompanhando a cena,
 Falou à cruz silente e abandonada,
 Carregando de amor e a voz serena:
 
 — Não te sintas ferida ou desprezada,
 Cruz generosa e amiga!
 Por mais que o homem te maldiga,
 Ninguém te arredará do quadro e da memória
 Onde o Cristo estiver nos destaques da História.
 É preciso te lembres
 Que Jesus te escolheu, racionalmente,
Para atender a Deus, no sacrifício ingente,
A que se deu para elevar o mundo...
O Mestre poderia
Ter escolhido outro instrumento
Para fazer-lhe companhia,
Na amarga agitação que vimos neste dia,
Talvez algum punhal brasonado e violento,
Alguma lança de aguçado corte,
 Lapidação ou açoite
 Fossem a escolha dele para a morte...
 Entretanto, o Senhor
 Para remate da missão de amor,
 Elegeu-te como és,
 Madeira despojada,
 Obscura madeira,
 Para expressar contigo a lição derradeira
 Que nos podia ser doada...
 Ele, Jesus, sabia
 Que tiveste um passado de alegria...
 Eras árvore linda, em vigor opulento,
 Crescendo para o Sol, às carícias do vento...
 Vivias descuidada,
 A cobrir-se de flores e de frutos,
 Que oferecias sem quaisquer tributos
 A quem te procurasse o verde tronco...
 Eras o doce lar dos passarinhos.
 Encantava-te a música dos ninhos,
 Mas sob os golpes de machado bronco,
 Tombaste, certo dia...
 Ninguém mais te lembrou a bela ramaria,
 Nem mais te recordou o refúgio e a riqueza
 Que trazias nos braços
 Pela Bênção de Deus na luz da Natureza...
 Logo após abatida,
 Foste feita aos pedaços,
 Maltratada, vendida e revendida...
 A Terra não conhece a dor que te consome
 E, para quem te veja como estás,
 És madeira sem nome...
 Mas o Mestre da Vida e Príncipe da Paz
 Elegeu-te a presença dolorida
 Para exaltar com ele as lágrimas da vida...
 Contigo, o Cristo Amado quer dizer
 Ao sublime futuro por nascer
 Que o Céu não desampara os fracos e os caídos,
 Que a vitória do bem, criando resplendores,
 Nem sempre nascerá dos vencedores
 Mas sempre dos vencidos!...
 Por isto, oh! Cruz de bênçãos salvadoras,
 Na civilização que se aproxima,
 Brilharás muito acima
 De quaisquer expressões renovadoras.
 Terás imitações de prata e ouro
 Por sinal de Jesus, no caminho vindouro,
 Resplenderás, no mundo, em muitas leis,
 Serás consolação dos pobres deserdados,
 Tanto quanto prestígio e poder conjugados,
 Desde a choça da fé ao palácio dos reis!...
 Por tudo isso,
 O Céu mandou fazer-te em dois pedaços,
 Um deles vertical
 Apontando no Além a amplidão dos Espaços,
 O outro horizontal em traços certos,
 Simbolizando o amor universal,
 Muito embora, entre os homens esquecido,
 Escorraçado, preso, combatido,
 Mas de braços abertos...
 Cruz amiga de forças benfazejas,
 Deus de guarde e abençoe, bendita sejas!...
 
 Nesse exato momento,
 Desfizeram-se nuvens
 Descerrando a visão do firmamento...
 A Lua apareceu em remoto horizonte,
 Concentrando clarões nos ápices do monte,
 Abrilhantando em tudo os detalhes da cruz
 Que não mais resguardava
 Qualquer nota de dor e de agonia...
 Cintilante no alto, o lenho parecia
 O caminho real da Perfeita Alegria
 Para o Reino da Luz.
DOLORES, Maria; MEIMEI. (Espíritos). Somente amor. 1. ed. – Impressão pequenas tiragens. Brasília: FEB; São Paulo: IDEAL, 2022.

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