EM DIA COM O MACHADO
596:
O homem que se veste
com sacos de lixo
Brasília, DF
Irmão Jó
De tempos para cá, após a fase pior da
pandemia da Covid-19, temos visto um rapaz, próximo ao comércio da Asa Norte,
em Brasília, que se veste com sacos de lixo marrons e aborda os transeuntes aos
quais estende a mão, em geral somente olhando as pessoas nos olhos, para que
lhe deem alguns trocados.
Apiedados dele, alguns moradores dão-lhe
roupas e calçados, entretanto, no dia seguinte, se deparam com ele vestido da
mesma forma que antes. As roupas e os calçados podem ser encontrados jogados em
algum contêiner destinado a lixo.
Disseram-me que ele não aceita que lhe deem
roupas. Seu desejo é trajar-se com sacos de lixo, que abre, costura e envolve
seu corpo com esse traje. Se lhe oferecem alimento, costuma recusar.
Segundo também ouvi falar, ele é perturbado
mental e os trocados que ganha são gastos com drogas. De que tem algum
distúrbio da mente, se eu tinha dúvida, agora já não mais a tenho.
Ele também não tem paciência para esperar a
ajuda que pede, praticamente sem falar, apenas se aproximando das pessoas com uma das mãos estendida. Em geral, quando me vê,
aproxima-se de mim com esse gesto. Há dois dias, quando eu estava entrando na
farmácia, avistei-o junto de lixeira. Ele veio ao meu encontro e, para não
abrir a carteira na rua, pedi-lhe para aguardar um pouco, pois na saída da
farmácia eu lhe daria a espórtula pedida. Demorei-me cerca de 10 minutos, pois
havia bastante gente na farmácia e, quando saí, ele havia desaparecido.
Hoje, ao sair do mercado com algumas compras,
avistei-o do outro lado da rua, vestido com os sacos de sempre. Escondi-me
atrás de um poste para tirar o dinheiro que lhe pretendia dar e, para meu espanto, assim que guardei a
carteira ele apareceu ao meu lado, com a mão estendida.
Dei-lhe o dinheiro que tivera tempo de passar
da carteira ao bolso, mas talvez por pena, talvez por remorso por não o ter
atendido de imediato antes, tentei conversar com ele.
— Por que você se veste assim? Posso dar-lhe
uma roupa, eu disse-lhe.
Ele nada respondeu, mas meneou a cabeça
negativamente. Então tornei a perguntar-lhe:
— Onde você mora?
Dessa vez, ele falou:
— Moro na rua.
Como eu havia comprado umas latas de cerveja,
para oferecer a familiares que foram convidados a almoçar conosco no próximo
domingo, perguntei-lhe se não gostaria de tomar uma cerveja. Apenas lembrei que
a bebida não estava gelada.
Sua resposta foi mostrar-me entre os dedos o
dinheiro recebido e balançar negativamente a cabeça. Afastei-me penalizado, sem
saber mais o que fazer.
A única certeza, ou quase isto, que tenho é
que, se tudo estiver bem com ele, amanhã ou depois eu o verei debruçado numa
lixeira, vestido com os mesmos sacos de lixo. E, tão logo me veja, estenderá a
mão para que eu lhe dê uma esmola, mas não aceitará nada para vestir, comer ou
beber que eu lhe ofereça.
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