Em dia com o Machado
28 (jlo)
A Baviera e o governo
de um tiro só
Amigo ouvinte, lembra-se de ter-lhe
falado sobre minha encarnação na Baviera? Hoje vou falar-lhe sobre a sua independência.
Informei à leitora e ao leitor da crônica 26 que a Casa von Wittelsbach dominou
no país, por cerca de 600 anos.
Só não lhes falei que, embora o
domínio fosse de uma casa monárquica, havia no país um sistema de governo
presidencialista dos nossos dias. A casa monárquica somente interferiria em
alguma situação político-econômica se houvesse discordância entre os três
poderes: executivo, legislativo e judiciário da nação. Mas em geral, nunca
houve necessidade de ingerência econômica ou política naquele pequeno país de
12,5 milhões de habitantes na época em que lá vivi.
A República fora instalada ali no
dia 15 de novembro de 1669. Após os primeiros governos, digamos assim, de
transição, as eleições presidenciais passaram a ocorrer para valer. Vejamos o
que ocorreu nas últimas mais marcantes, cujo mandato era de cinco anos, com direito
a concorrer a nova reeleição cada presidente.
Em 1669, após proclamada a
República, foi eleito, pelo voto popular, o presidente Fercolo Cielo Nando,
após acirrada disputa entre o seu partido e o da oposição. O partido do
presidente era o PRB - Partido Revolucionário da Baviera, o da oposição
chamava-se POB - Partido dos Operários Bavieros.
Houve uma acirrada disputa entre
esses dois únicos partidos na candidatura à presidência. O candidato Fercolo
Cielo fora atacado impiedosamente pelo seu concorrente, Agnácio Luís da Silva,
do POB, que, ante a derrota nas urnas, prometeu vingar-se destituindo, com a
ajuda operária, seu oponente, agora na presidência.
Dito e feito, dois anos após ser
eleito com a proposta de um plano econômico de “um tiro só na economia”,
Fercolo foi deposto sob o argumento de que, com o congelamento proposto por seu
ministro da economia, levou o país à bancarrota e provocou uma comoção social:
a inflação foi às alturas, pessoas prejudicadas suicidavam-se, outras punham
fogo nas viaturas oficiais do governo, assaltos a bancos se multiplicavam...
Desse modo, o vice-presidente assumiu
a vaga aberta e, tão logo obteve as prerrogativas de mandante mor do Estado,
nomeou um ministro da economia com poderes extraordinários para debelar a crise
socioeconômica do país. Seu nome, que posteriormente viria a ser o novo
presidente da Bavária, era Fernão Dias Leme, cujo partido tinha as mesmas
letras do seu nome: FDL – Frente Democrática Liberal.
A Frente Democrática Liberal, do
governo que sucedeu ao do ex-vice presidente, pouco lembrado pelo povo e por
este narrador, apesar de seu excelente governo, agora sob a gestão de Fernão
Dias Leme revolucionou a economia local. Fernão, este sim, muito lembrado e até
reeleito, sempre disputava e vencia limpamente Agnácio Luís.
O ex-ministro da economia, agora
presidente, promoveu uma verdadeira revolução no país: instituiu o voto
feminino, que antes não havia, baixou a inflação, que chegava a três dígitos
para menos de dois, estabilizou a moeda e, consequentemente, a economia do país
e, por fim, criou um programa de atendimento às famílias de baixa renda (PAFBR),
que, quando procurado por tais núcleos familiares, fazia um belo acompanhamento
econômico de tais pessoas, antecedido por uma investigação meticulosa das suas
reais necessidades socioeconômicas. Mas não ficava só nisso, sob a orientação
de um(a) assistente social, encaminhava os filhos desses núcleos às excelentes
escolas criadas exclusivamente para a formação de toda a família, desde o(a)
filho(a) caçula à mãe e ao pai.
O POP, atento ao que o FDL fez,
candidatou-se pela quarta vez sucessiva, com o mesmo candidato, nosso já
conhecido Agnácio, nome popular que passou a ter, e, de tanto insistir, ganhou
a eleição, sob uma chuva de ataques de todos os lados, incluindo a acusação de
corrupção ao governo de Fernão, ao qual prometia combater implacavelmente, em
seu governo.
Nessa disputa eleitoral, FDL, sigla
pela qual ficara conhecido Fernão Dias Leme, indicara outro candidato, por não
poder concorrer terceira vez à presidência.
Muito bem, como dizíamos, Agnácio
elegeu-se como defensor dos operários e, como já fora combinado por seu
partido, não apresentou nenhuma proposta de governo, a não ser as antigas
promessas de campanha de que investiria na educação, fonte primacial de
progresso à nação; na saúde, base para um povo produtivo; e na segurança,
esteio de um povo feliz. Além disso, prometeu ampliar o PAFBR, que, em seu
governo, seria acrescido do PRAR – Programa de recursos às atividades rurais e
do PVO – Programa de valorização aos operários, além do PSST – programa de
saúde e segurança a todos.
Quanto à educação, afirmava, em alto
e bom som:
— Só tenho o primário e, no entanto, fui
distinguido com a mais elevada condecoração que alguém possa ter: o diploma de
presidente da respública (talvez em analogia com “res”: coisa e pública - do
povo). Em seu governo, a saúde teve péssimos índices, a educação ficou entre as
piores do mundo e a insegurança era total: invasões de movimentos dos
desterrados (MD) por toda a parte, assaltos a bancos com sofisticados procedimentos,
como o de escavação de túneis de centenas de metros até a boca do cofre,
implodido com destreza, sequestros relâmpagos, assassinatos de autoridades e,
atrocidades sem conta. Ainda assim, graças à manutenção da economia estável e
aos programas sociais, sua gestão teve grande participação e Agnácio foi
reeleito.
Após sua reeleição, Agnácio ainda
tentou, timidamente, a aprovação de um decreto que o tornava presidente
perpétuo da Baviera, além de “calar a imprensa”. Mas foram os próprios
operários, sob a condução de intelectuais atentos do país que não permitiram
tal golpe de Estado. Além do mais, a corrupção rolava solta em seu governo, o
que envergonhava por demais os homens e mulheres íntegros. O POB não teve outra
saída a não ser indicar seu sucessor na nova campanha eleitoral.
Não foi sucessor, e, sim, sucessora.
Seu nome era Dilmerinda Rasttoldof
de Sousa, que, mais uma vez, como o fizera seu antecedente, prometeu investir
nos três cancros dos governos anteriores: educação, saúde e segurança. Em
relação à última palavra, ficou um pouco insegura, entretanto, pensava e falava
à boca pequena com seus correligionários:
— Investindo na educação e na saúde,
consequentemente a segurança estará sob controle. Principalmente, dizia, porque
manteremos as crianças na escola o dia todo e os pais estarão sob a proteção do
Estado. Nenhuma família ficará sem café da manhã, almoço e janta (proposta,
aliás, do seu padrinho Agnácio, quando eleito já da primeira vez); além disso,
todo empenho será dado, em meu governo, à questão da saúde e do investimento
nos demais programas do meu antecessor.
Sua bandeira, sem mencionar o governo deposto de Fercolo, voltou a ser a do governo de um tiro só: combate à fome e à miséria.
Sua bandeira, sem mencionar o governo deposto de Fercolo, voltou a ser a do governo de um tiro só: combate à fome e à miséria.
Curioso é que uma vidente previra a
morte de Dilmerinda, após um retumbante fracasso de seu governo. Nada disso
ocorreu. No apagar das luzes do seu primeiro mandato, a aprovação de sua gestão
foi a maior de todos os tempos: 72 por cento.
No questionário do censo, questões
como saúde, segurança e educação recebiam nota perto de zero; contudo, quando
se falava de combate à fome e à miséria, a nota era próxima de cem. Em
consequência, juntando-se a outros países, como R, I e C, países emergentes,
cuja economia subia mais de dois dígitos, anualmente, o rico país que era a
Baviera crescia, espantosamente, meio por cento ao ano. Isso porque grande
número de empreendedores, de cientistas e intelectuais diversos vinham do
oriente e do ocidente investir no país.
Em compensação o bem nutrido povo da
Baviera vivia feliz em sua casa, alheio às notícias de prisões da polícia
federal, de sequestros relâmpagos, de corrupção pipocando por todo o lado, e da
constatação, pelas mídias de toda a humanidade, de que, em seu país, saúde era
sinônimo de catástrofe, segurança, de caos e a educação era a de nível mais
baixo entre todas as nações.
Esse foi o verdadeiro governo de um
tiro só. Vivi lá, meu caro leitor... E sobrevivi.
Viva a Baviera!
Boa-tarde.
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