8 Não vale a pena
Antônio Sampaio Júnior, valoroso tarefeiro do Centro Espírita Regeneração, do Rio de
Janeiro, era
humilde servidor num escritório. Zeloso, correto, madrugador.
Certa feita, mal
havia espanado os móveis pela manhã, para
sentar-se à máquina de escrever, foi procurado por
amigo situado no
comércio do
Rio.
— Sampaio, disse o visitante, sem rebuços, sei que você é espírita e esfalfa-se, há muito tempo, enfrentando dificuldades.
Quanto
você ganha mensalmente?
— Quatro mil cruzeiros.
O homem fez um gesto
irônico e observou:
— Não vale
a pena.
E prosseguiu:
— Não ignoro que você tem deveres de caridade na instituição que frequenta, socorrendo
órfãos e amparando viúvas... Como é que você arranja numerário
para
esse fim?
— Gasto o que posso, e, quando a despesa ultrapassa os recursos, tenho amigos... Faço listas, apelos...
— Não vale a pena. Estou informado de que você visita os infortunados nos morros, às vezes com
sacrifício da própria saúde... Aproveita decerto o carro de alguém...
— Não disponho dessa facilidade. Temos bonde à porta e, depois do bonde, faz sempre bem
uma caminhada a pé...
— Não vale a pena. Disseram-me — continuou o homem — que você, às vezes, passa noites à cabeceira de enfermos... Naturalmente, o diretor faz
concessões... Boa cama no dia
seguinte, ponto facultativo...
— Não é bem assim,
falou Sampaio, humilde, nem sempre
posso visitar os doentes, mas se o faço,
meu dia de serviços
corre
normal...
O amigo
meteu a mão no bolso interno, trouxe
à luz
um documento e abriu-se,
por
fim:
— Pois é, Sampaio, admirando você, como sempre, resolvi auxiliá-lo de vez. É tempo de você melhorar. Preciso de um sócio para um negócio da China... Três milhões de cruzeiros. Você assina comigo a papelada e acompanharei todo o assunto...
Gastaremos talvez uns quinhentos contos na tramitação do processo... É um
navio
velho que vamos desencravar... Tudo pronto, você e eu ficaremos provavelmente com mais de um milhão cada um. Basta só que você assine...
Sampaio,
sem
desejar ofender, perguntou:
— Creio
na lisura
da iniciativa, mas
há algum inconveniente a considerar?
— Bem, o assunto envolve alguns interesses de repartições públicas, mas temos noventa e
nove probabilidades a nosso favor...
— E se falharem as
noventa
e nove? ...
— Ah! se vier o contra, informou o amigo, evidentemente desapontado, teremos entrevista no Distrito Policial.
Sampaio,
sem
perder a serenidade, falou, simples:
— Não vale
a pena.
E recomeçou a
espanar.
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