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sexta-feira, 18 de setembro de 2020

 

CARÁTER DA REVELAÇÃO ESPÍRITA

Jorge Leite de Oliveira

 


"Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos anciãos sonharão; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas servas, naqueles dias, e profetizarão; e farei aparecer prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça." Atos, 2:17- 19.

 

A última obra publicada em vida por Allan Kardec, cuja primeira edição ocorreu em 6 de janeiro de 1868, foi intitulada por ele de A gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo. Comemora-se, pois, em 2018, o sesquicentenário de A gênese, como é mais conhecida. Embora publicada há 150 anos, a obra nunca perdeu sua atualidade. Apesar disso, é o livro do chamado pentateuco kardequiano menos lido, a despeito de já terem sido publicadas 53 edições, levando-se em conta apenas as edições da Federação Espírita Brasileira (FEB), até 2013, traduzidas por Guillon Ribeiro de sua 5ª edição francesa.

Na introdução de A gênese, Allan Kardec esclarece-nos sobre sua intenção com a publicação da obra: prosseguir demonstrando “as consequências e aplicações do Espiritismo”. O Codificador da Doutrina dos Espíritos, como ele mesmo a denominava, enfatiza a importância do esclarecimento de grande número de “fenômenos” considerados pelos pensadores como inadmissíveis, por sua incompreensão sem a chave proporcionada pelo Espiritismo.

Faltava à Humanidade entender que todos os fatos considerados milagrosos ou sobrenaturais são perfeitamente explicados pela “ação recíproca entre o Espírito e a matéria”. E esses fatos resultam das leis naturais. Seu conhecimento permite-nos entender a imensidade de fenômenos relatados nas Escrituras e que o Espiritismo, sem ter o caráter de “mistério ou de teorias secretas”, tudo revela com clareza a quem o estuda com seriedade e sem ideias preconcebidas.

É nesse sentido que não existe “misticismo” no Espiritismo. Não que os fatos deixem de existir, pois desde os primórdios da Humanidade eles vêm ocorrendo; mas tais fenômenos são absolutamente naturais, como o demonstram os Espíritos. Entretanto, acrescenta Kardec, a Doutrina é de iniciativa dos Espíritos, mas também resulta “do ensino coletivo e concorde por eles dado”.

No parágrafo seguinte da introdução, explica o Codificador que o caráter essencial da Doutrina Espírita é a “generalidade e concordância no ensino”. Essa é a base da subsistência do Espiritismo, “donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma Doutrina”, pois sobre uma “opinião isolada” o Espiritismo não pode se responsabilizar.

Em seguida, explica que a concordância de opiniões dos Espíritos, submetida ao “critério da lógica, é que constitui a força da Doutrina Espírita e lhe assegura a perpetuidade”. E é também essa concordância universal que prevalecerá “sobre todos os sistemas pessoais, cujas raízes não se encontram por toda parte, como com ela se dá”. Como exemplo dessa concordância coletiva, cita O livro dos espíritos, em cujo primeiro decênio de publicação, e ainda hoje, teve seus “princípios fundamentais” basilares “sucessivamente completados e desenvolvidos”. Nenhum deles jamais foi desmentido.

Allan Kardec deixa claro, no penúltimo parágrafo da introdução de A gênese, que teve o cuidado de indicar a situação hipotética de algumas teorias dessa obra, “que devem ser consideradas simples opiniões pessoais, enquanto não forem confirmadas ou contraditadas”. Dessa forma, não nos cabe outro dever senão o de conhecer bem essas “opiniões pessoais”, inclusive as do próprio Kardec, mantendo discrição em relação ao que ainda não tenha recebido a chancela de verdade por parte dos Espíritos superiores sem, entretanto, faltar com a nossa obrigação de respeito às ideias alheias e estudo aprofundado de toda obra que nos seja transmitida pelos Espíritos naquilo que não contradiga o critério do consenso universal.

 Há revelações, entretanto, que somente podem ser feitas à nossa Humanidade ainda atrasada espiritualmente após um tempo relativamente longo para nós, mas breve para Jesus e seus missionários. As próprias obras da Codificação de Allan Kardec foram submetidas a ensaios de muitos de seus textos pela Revista Espírita, antes da desencarnação do Codificador, como ele nos esclarece no último parágrafo da introdução de A gênese. Um desses princípios, que Kardec de início relutou em aceitar, só o fazendo após longa reflexão e esclarecimento dos Espíritos superiores, foi o da reencarnação, que, em diversos países, em especial nos Estados Unidos, onde o preconceito racial sempre foi marcante, não era admitida por grande número de adeptos dos fenômenos mediúnicos, ainda que cressem nas manifestações dos Espíritos.

Em novembro de 1869, o Espírito Allan Kardec, em importante mensagem, publicada na Revista Espírita de dezembro desse ano, deixa aos espíritas sinceros este alerta:

 

[...] Ainda por longo tempo haverá irmãos falsos e amigos desassisados; mas, tal como seus irmãos mais velhos, não conseguirão que o Espiritismo saia da sua diretriz. Embora causem algumas perturbações momentâneas e puramente locais, nem por isso a Doutrina periclitará. Ao contrário, os espíritas transviados bem depressa reconhecerão o erro em que incidiram e virão colaborar com maior ardor na obra por um instante abandonada e, atuando de acordo com os Espíritos superiores que dirigem as transformações humanitárias, caminharão a passo rápido para os ditosos tempos prometidos à Humanidade regenerada (KARDEC, op. cit., p. 492).

 

                                                                                                                                   

Como podemos observar, as dificuldades da união e concordância sobre alguns pontos importantes do Espiritismo estavam previstas em A gênese por Allan Kardec, que ele reforçou em comunicação post-mortem na Revista Espírita. Essas dificuldades, segundo ele, demandariam tempo para serem superadas.

Outro desses pontos refere-se à questão das relações sociais do espírita, em especial com as pessoas necessitadas de nosso apoio espiritual e material. Sem isso, fica difícil nosso exercício da caridade, meio eficaz de nossa “salvação”, como foi proposto por Kardec. Dentre as obras espíritas que se referem ao assunto, recomendaríamos a leitura e reflexão da obra baseada na proposta de Mário da Costa Barbosa, intitulada Conviver para amar e servir, cuja primeira edição foi publicada pela FEB em 2013.

No que se refere à crença na reencarnação, no país mais refratário a essa realidade, que são os Estados Unidos, diversos cientistas ali reencarnaram ou residiram, nas últimas décadas, para realizar pesquisas da mais alta importância na comprovação dessa questão. Dentre eles, lembramos Ian Stevenson, que publicou obra conhecida mundialmente, traduzida para o português com o título de Vinte casos sugestivos de reencarnação, após o que suas pesquisas vêm sendo, cada vez mais, confirmadas por outros cientistas, como é o caso de Brian Weiss, Helen Wambach, Raymond A. Moody, Jenny Cockell e outros.

Ao falar sobre o caráter da revelação espírita, no primeiro capítulo de A gênese, explica Allan Kardec que

 

O caráter essencial da revelação divina é o da eterna verdade. Toda revelação eivada de erros ou sujeita a modificações não pode emanar de Deus. É assim que a Lei do Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, enquanto que as outras leis mosaicas, essencialmente transitórias, muitas vezes em contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu (loc. cit., it. 10).

 

Logo após, informa que a base dos ensinamentos do Cristo, foi o Decálogo. As demais leis que não eram Divinas foram abolidas por Ele. Com o tempo, todas as leis que não provinham de Deus foram perdendo sua influência e sendo modificadas, exceto as contidas nos Dez Mandamentos recomendadas por Jesus e até hoje mantidas intactas.

A Ciência espírita, esclarece-nos Kardec, como revelação das leis do

 

mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivíamos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem após a morte, é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra” (loc. cit., it. 12).

 

Em seguida (it. 13), após explicar o “duplo caráter” da “revelação espírita”, o divino e o científico, termina por afirmar o seguinte: “O que caracteriza a revelação espírita é o ser Divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem”. O método utilizado no Espiritismo é idêntico ao das ciências positivas, ou seja, o método experimental.

Todos os fatos novos que surjam, impossibilitados de serem explicados por leis conhecidas, são observados, comparados, analisados e o Espiritismo,

 

remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os preside; depois, deduz-lhes as consequências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não estabeleceu como hipótese a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da Doutrina. Concluiu pela existência dos Espíritos quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram depois confirmar a teoria: a teoria é que veio subsequentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, quando também se aplica às coisas metafísicas (loc. cit., it. 14).

 

Diz Kardec que o objeto de pesquisa da “Ciência propriamente dita” são as leis da matéria, enquanto que o assunto especial com o qual se ocupa o Espiritismo “é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Um deles reagindo sobre o outro, os princípios material e espiritual se completam. Conclui o Codificador que

 

O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria malogrado, como tudo quanto surge antes do tempo (loc. cit. it. 16).

 

Nos itens 20 e seguintes, deste primeiro capítulo, Allan Kardec, incontestavelmente inspirado pelo Cristo, chega à conclusão de que, com toda a razão, o Espiritismo pode ser considerado a terceira das grandes revelações. A primeira foi a de Moisés, que recebeu mediunicamente o Decálogo e trouxe ao Mundo a ideia do Deus único; a segunda foi a do Cristo, que nos fez a revelação da vida futura e anunciou, para os nossos tempos a vinda do Paracleto ou Consolador, como registrou João no capítulo 14 do seu Evangelho, em especial nos versículos 16 e 17; e a terceira é a própria Doutrina Espírita, que nos confirma o anúncio do Cristo e desvela tudo o que era considerado “magia e feitiçaria”, demonstrando que essa crença não é algo aterrador e, sim, a revelação de leis naturais até então desconhecidas pela maioria das pessoas.

Este primeiro capítulo de A gênese contém 62 itens que vale a pena serem lidos, estudados e refletidos. Principalmente pelos que ainda não entenderam o caráter revelador do Espiritismo, não como mais uma religião, com sacerdócio organizado, rituais, paramentos, hierarquia, etc., mas, sim como o Cristianismo restaurado, que tem sob a coordenação de seus ensinamentos superiores o próprio Jesus.

A gênese é mais uma obra de Kardec que nos dá clara visão sobre o verdadeiro caráter da Doutrina Espírita. Fica aqui o convite ao amigo leitor para ler também este belíssimo capítulo sobre o caráter da terceira revelação, assim como esta monumental obra.

O Cristo sintetizou toda a Lei Divina e “fez do amor de Deus e da caridade para com o próximo” condições essenciais para a nossa “salvação” (it. 25). Por isso mesmo, repete Kardec, no item 26 deste capítulo, a promessa de Jesus concretizada pela Doutrina Espírita, com as quais encerramos estes apontamentos:

 

Muitas das coisas que vos digo ainda não as podeis compreender, e muitas outras eu teria a dizer, que não compreenderíeis; é por isso que vos falo por parábolas; mais tarde, porém, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas (João, 14:16; Mateus, 17).

 

O Espiritismo cumpre fielmente essa promessa do Cristo e, portanto, restaura sua Boa-Nova em toda a pureza de revelação Divina, como o demonstra o livro A gênese.

 

 

REFERÊNCIAS

 

KARDEC, Allan. A gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009. 

______. ______. Tradução de Guillon Ribeiro. 53. ed. (ed. histórica) Brasília: FEB, 2013. 

______. Revista Espírita. Ano décimo segundo. Dezembro de 1869. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005. 

PAROLIN, Sônia Regina Hierro; SARMENTO, Hélder Boska de Moraes; PONTES, Reinaldo Nobre. Organizadores. Conviver para amar e servir: fundamentação espírita sobre a metodologia do espaço de convivência, criatividade e educação pelo trabalho no serviço assistencial espírita. Brasília: FEB, 2013. 

Publicado em Reformador, jan. 2018, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira.

Republicado, nesta data, com pequenas modificações.


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