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sexta-feira, 11 de setembro de 2020



Medo da Morte
Jorge Leite de Oliveira

Amanhã estaremos todos mortos: meditação sobre vida e morte | Instituto  Loureiro de Desenvolvimento Humano

Ao referir-se ao problema de nosso futuro, como Espíritos, após citar trecho da famosa frase do personagem Hamlet, de Shakespeare: "ser ou não ser", entre outras coisas, reflete Allan Kardec:

Haverá algo mais desesperador do que essa ideia da destruição absoluta? Afeições caras, inteligência, progresso, saber laboriosamente adquirido, tudo despedaçado, tudo perdido! De nada nos serviria, portanto, qualquer esforço para nos tornarmos melhores, para reprimirmos as nossas paixões, para ilustrarmos os nossos espíritos, desde que nada aproveitássemos de tudo isso, considerando-se a opinião de que amanhã, talvez, isso já não nos serviria para coisa alguma! Se fosse assim, a sorte do homem seria cem vezes pior do que a do animal, porque este vive inteiramente do presente, com vistas à satisfação dos seus apetites materiais, sem aspiração para o futuro. Uma secreta intuição, porém, nos diz que isso não é possível (KARDEC, 2013, cap. I, p. 17).

Estamos atravessando mais uma pandemia, nome que se dá a uma infecção epidêmica, que se espalha por vários países e continentes do mundo. Em geral, como ocorre atualmente, ela é causada por vírus. Somente no Brasil, já houve milhares de mortos e de infectados por Coronavírus, um dos nomes do vírus da doença pandêmica denominada Covid- 19. O país mais infectado são os Estados Unidos. Entretanto, em alguns estados brasileiros, a situação é séria. Em diversas regiões, os hospitais públicos já se encontram sobrecarregados. Há pacientes graves internados até em unidades básicas de saúde. Grande número de profissionais da área estão infectados, e outros vieram a óbito.
O medo dos profissionais de saúde diretamente relacionados com os pacientes vitimados, em países como EUA, Itália, Espanha, França e Reino Unido, é muito grande. Mas embora faltem respiradores para os pacientes, a equipe médica, nesses países, possui suficiente número de equipamentos de proteção individual. O mesmo não se pode dizer que ocorre no Brasil, onde, só em São Paulo e Rio de Janeiro, estados com maior número de casos, centenas de profissionais de saúde já foram infectados.
A preocupação com a própria saúde é justa, e de modo nenhum podemos negligenciar a proteção à vida física do ser humano, seu bem maior, segundo a Constituição Federal do nosso país. Porém, se, ainda que sejam tomados todos os cuidados com nossa saúde, viermos a correr risco de vida, é muito importante que nos preparemos para o mais grave que possa vir depois.
No título Mundo normal primitivo, questões 84 a 86 de O livro dos espíritos, Allan Kardec informa-nos de que interexistimos em dois mundos: o físico (corpóreo) e o dos Espíritos (incorpóreo). O mundo corporal poderia não mais existir, entretanto isso não implicaria a extinção do mundo espírita, pois  este "preexiste e sobrevive a tudo".
No capítulo II de O céu e o inferno, ao referir-se ao "temor da morte", de modo coerente com a convicção proporcionada pelo método da observação e do consenso universal das mensagens dos Espíritos, Kardec deduz:

Para libertar-se do temor da morte, é preciso que o homem a encare sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, que tenha penetrado pelo pensamento no mundo espiritual, fazendo dele uma ideia tão exata quanto possível, o que denota da parte do Espírito encarnado um certo desenvolvimento e aptidão para desprender-se da matéria. Naqueles que não progrediram suficientemente, a vida material prevalece sobre a espiritual. Como se apega apenas às aparências, o homem não distingue a vida além do corpo, embora na alma esteja a vida real. Aniquilado o corpo, tudo se lhe afigura perdido, desesperador. Se, ao contrário, em vez de concentrar o pensamento no corpo ele se reportasse à alma, fonte da vida, ser real que sobrevive a tudo, lastimaria menos a perda da vestimenta canal, fonte de tantas misérias e de tantas dores. Para isso, porém, o Espírito necessita de uma força que só pode adquirir com a maturidade (KARDEC, 2013, p. 26).

            Logo abaixo, encontramos alento à nossa convicção sobre a imortalidade, quando estudamos essas informações da mais alta importância para nossa evolução moral e, consequentemente, da Humanidade. Diz o insigne codificador da Doutrina Espírita que

O temor da morte decorre, portanto, da noção insuficiente da vida futura, embora denote também a necessidade de viver e o receio de que a destruição do corpo seja a destruição da alma, velado ainda pela incerteza. Esse temor decresce à medida que a certeza aumenta, e desaparece quando esta é completa (KARDEC, op. cit., loc. cit.)

O conhecimento da revelação espírita, que veio confirmar as palavras de Jesus, permite-nos encarar com serenidade qualquer catástrofe na Terra, como a pandemia atual. Adquirida a certeza sobre nossa imortalidade e prosseguimento da vida, no plano espiritual de onde viemos e para onde vamos, por que, então, ter medo da morte e ficarmos tristes quando não pudermos nos despedir de um ente querido que se vai para o outro lado da vida eterna? Não temos que temer os vírus ou quaisquer outras causas de nossa desencarnação, pois, como nos orientava Jesus, não devemos ter medo dos que matam nossos corpos físicos; antes temamos os resultados de nossa vida temporária, no mundo físico, quando eles não são consequentes ao seu bom aproveitamento. Entretanto, nesse caso, já desde aqui, colheremos o que semeamos. Ou seja, a opção inteligente é vivermos para o bem, deixando para trás o que fizemos de errado, mas aprendendo com isto a fazermos o que é certo.
Esclarece-nos Richard Simonetti, autor de dezenas de livros espíritas e de grande quantidade de apreciadas palestras espíritas, que também foi articulista durante anos da revista Reformador, desencarnado em 3 de outubro de 2018, que

A iminência da morte dispara um curioso processo de reminiscência. O moribundo revive, em curto espaço de tempo, as emoções de toda a existência, que se sucedem em sua mente como um prodigioso filme com imagens projetadas em velocidade vertiginosa.
É uma espécie de balanço existencial, um levantamento de débito e crédito na contabilidade divina, definindo a posição do Espírito ao retornar à Espiritualidade, em face de suas ações boas ou más, considerando-se que poderão favorecê-lo somente os valores que "as traças não roem nem os ladrões roubam", a que se referia Jesus, conquistados pelo esforço do bem.
Há médicos que vêm pesquisando o assunto, particularmente nos Estados Unidos, onde se destaca o doutor Raymond A. Moody Júnior, que no livro Vida depois da vida descreve experiências variadas de pessoas declaradas clinicamente mortas.
Vale destacar que esses relatos confirmam as informações da Doutrina Espírita. Os entrevistados reportam-se ao "balanço" de suas existências [...].
As pesquisas revelaram que tais fenômenos são frequentes, envolvendo pacientes variados, e que estes geralmente silenciam a respeito, temendo ser julgados mentalmente debilitados.
Em O evangelho segundo o espiritismo, Allan Kardec comenta que a universalidade dos princípios espíritas (concordância nas manifestações dos Espíritos, obtidas através de múltiplos médiuns em diversos países), garante sua autenticidade, já que seria impossível uma coincidência tão generalizada.
Da mesma forma a autenticidade das pesquisas do Dr. Moody é demonstrada estatisticamente pelos relatos de centenas de pacientes que retornaram do Além, abordando os mesmos aspectos a que nos referimos, não obstante professarem diferentes concepções religiosas, situarem-se em variadas posições culturais e sociais e residirem em regiões diversas.
A experiência de reviver a própria existência em circunstâncias dramáticas pode representar para o redivivo uma preciosa advertência, conscientizando-o de que é preciso investir na própria renovação, a fim de não se situar "falido" no Plano Espiritual quando efetivamente chegar sua hora. (SIMONETTI, 1987, p. 29- 32).

            Salvo quando a pessoa que desencarna é de índole má e não faz o mínimo esforço para corrigir suas más tendências, todos nós, ao nos despojarmos do corpo físico, que nada mais é do que a veste temporária do Espírito, somos amparados pelos amigos espirituais que nos acompanham durante a vida e procedem ao desligamento de nossa alma do corpo físico, como foi citado por Simonetti. Como exemplo, citamos o caso de Lucinda, boa esposa e boa mãe, que foi amparada pelo Espírito Dr. Arquimedes, assistido por outros bons Espíritos, como Philomeno de Miranda, que narra assim a parte final do processo:

Quando ocorreu a parada cardíaca, o monitor disparou, atraindo um enfermeiro e, logo depois, a cardiologista, que deram início ao processo de ressuscitamento por massagens, prosseguindo com os aparelhos específicos, aplicando choque e respirador automático. Tudo em vão, naturalmente, porque o fenômeno era desencadeado de nossa Esfera para o mundo físico, antecipando um pouco a ocorrência normal... (FRANCO, 2005, p. 91).

            Na conclusão da "desencarnação total", explica Miranda como presenciou a extinção gradual do fluido vital e exteriorização do perispírito de Lucinda, que, por ser merecedora, nada sofreu no momento final de sua existência física: "Um símile perfeito do corpo somático foi-se formando diante de nós, ensejando-nos acompanhar a constituição espiritual da senhora desencarnada [...]" (id., p. 91). Esse corpo espiritual é o que Kardec denomina perispírito (questão 135a, item 3º de O livro dos espíritos).
            O Espírito Lucinda, inconsciente do que acontecera, seria transportado para o local onde estava acampada a equipe espiritual por outros dois Espíritos. Posteriormente, seria removida para a Esfera espiritual. Vemos nesse relato, que os cuidados são semelhantes ao nosso renascimento. O bebê nasce cercado de cuidados hospitalares, em geral, e, assim que é possível, segue com sua mãe para o seu lar. Depois, é tudo alegria!
            Lembrando-nos de que, intuitivamente, todos sabemos que somos imortais e continuaremos, no plano espiritual, nossa jornada ascensional em direção às estrelas, diz Richard Simonetti o seguinte:

A Terra é uma oficina de trabalho para os que desenvolvem atividades edificantes, em favor da própria renovação; um hospital para os que corrigem desajustes nascidos de viciações pretéritas; uma prisão, em expiação dolorosa, para os que resgatam débitos relacionados com crimes cometidos em existências anteriores, uma escola para os que já compreendem que a vida não é mero acidente biológico, nem a existência humana uma simples jornada; mas não é o nosso lar. Este está no plano espiritual, onde podemos viver em plenitude, sem as limitações impostas pelo corpo carnal (SIMONETTI,  1987, p. 15).

REFERÊNCIAS

FRANCO, Divaldo Pereira . Entre os dois mundos. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Salvador, BA: LEAL, 2005.

KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. l. imp. Brasília: FEB, 2013.

______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2017.

SIMONETTI, Richard. Quem tem medo da morte? 1. ed. Bauru, SP: Gráfica São João Ltda., 1987.

(Publicado em Reformador de julho de 2020, periódico da Federação Espírita Brasileira.)


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